Último filme do Brasil na pré-lista do Oscar também era sobre a ditadura
Colaboração para Splash
19/12/2024 05h30
Depois de um hiato de 17 anos, o Brasil volta à pré-lista do Oscar com "Ainda Estou Aqui". O último representante brasileiro nesta seleção tem algo em comum com o filme de Walter Salles com atuação de Fernanda Torres e Selton Mello: ambos retratavam a ditadura militar no Brasil.
Brasileiro na disputa também era biográfico
"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger, entrou para a pré-lista em 2007 para o Oscar 2008. Ele foi inesperadamente escolhido pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na premiação —na época, acreditava-se que o mais forte candidato era "Tropa de Elite", de José Padilha.
Filme narra história de um menino de 12 anos cujos pais saem misteriosamente de férias em 1970. Mauro (Michel Joelsas) adorava futebol e só pensava na Copa do Mundo do México, em que o Brasil disputava —e acabou vencendo— o tricampeonato. Seus pais (vividos por Simone Spoladore e Eduardo Moreira) eram militantes políticos de esquerda e precisavam rapidamente sumir temendo ser presos, torturados ou mortos devido à repressão militar.
Mauro foi deixado na porta do prédio do avô, Mótel (Paulo Autran), no Bom Retiro, em São Paulo. No entanto, ele acabara de morrer. O menino acabou acolhido pelo vizinho Schlomo (Germano Haint) durante um ano em que aprendeu as tradições judaicas que o pai deixou de lado. Ele ainda desenvolveu uma amizade com Hanna (Daniela Piepszyk), uma menina que jogava futebol no time do bairro em que Mauro se tornou o goleiro.
Trama é inspirada nas vivências do diretor. Os pais de Cao, Amélia e Ernst Hamburger, eram professores de física na USP durante a ditadura e chegaram a ser presos por dar abrigo a perseguidos políticos, segundo um relato da família à revista Veja São Paulo. Enquanto os pais estavam detidos, os cinco filhos ficaram sob cuidados das avós e amigos da família. O filme é dedicado a elas: Charlotte, a avó judia, e Helena, a católica.
Na época, Cao comemorou a indicação e a diversificação do cinema nacional. "Independente de sermos escolhidos ou não pela Academia [para concorrer ao Oscar], é importante ter filmes de qualidade e com pegada diferente, é importante mostrar que o cinema brasileiro é bem feito e variado", comentou à Globonews.
Qual foi o desempenho do filme?
Sua semana de estreia levou 70 mil pessoas ao cinema. O site Abril.com, da Editora Abril, considerou à época uma bilheteria modesta —em comparação, "Tropa de Elite", comentado antes mesmo de estrear pelos vazamentos na internet, vendeu 700 mil ingressos em sua primeira semana, de acordo com a rádio CBN.
Ao chegar ao Oscar, no entanto, o filme já tinha sido assistido por 400 mil espectadores e havia sido selecionado pelo Festival de Berlim daquele ano. Ele ainda já tinha participado de outras 18 mostras nacionais e internacionais, nas quais acumulou 25 prêmios, noticiou o jornal Folha de S.Paulo na ocasião.
Decisão de escolhê-lo como representante do Brasil foi tomada por jornalistas e cineastas. Na época, uma comissão do Ministério da Cultura formada pelos jornalistas Ana Paula Sousa e Pedro Butcher, os cineastas Hector Babenco e Bruno Barreto e pelos críticos Rubens Ewald Filho e Leon Cakoff optaram pelo filme entre 18 concorrentes.
Para chegar à pré-lista da então categoria de Melhor Filme Estrangeiro, o brasileiro disputou uma das nove vagas com produções de 95 países convidados pela Academia do Oscar. Os escolhidos para competir por uma nomeação, além do longa de Cao, eram "Os Falsários" (Áustria), "A Era da Inocência" (Canadá), "Beaufort" (Israel), "A Desconhecida" (Itália), "O Guerreiro Gengis Khan" (Cazaquistão), "Katyn" (Polônia), "12" (Rússia) e "Klopka" (Sérvia).
Brasil não chegou a receber nomeação. A lista dos cinco contou com os filmes da Rússia, Polônia, Áustria, Cazaquistão e Israel, sendo que o austríaco "Os Falsários" levou a estatueta.
As últimas aparições brasileiras no Oscar
Caso "Ainda Estou Aqui" seja indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, ele quebra um jejum que já dura desde "Central do Brasil". O outro filme de Walter Salles com Fernanda Montenegro disputou a categoria em 1999, mas perdeu a estatueta para o italiano "A Vida é Bela". Na época, Fernanda também disputou como Melhor Atriz e perdeu para Gwyneth Paltrow ("Shakespeare Apaixonado") —a última indicação brasileira na categoria até hoje.
Última indicação brasileira ao Oscar, em qualquer categoria, é de 2022. "Onde Eu Moro", do diretor brasileiro Pedro Kos, foi indicado na categoria de Melhor Documentário em Curta-Metragem. A produção, no entanto, é americana, assim como seu co-diretor, Jon Shenk.
O último brasileiro indicado na categoria de Melhor Diretor foi Fernando Meirelles, por "Cidade de Deus", em 2003. Já nossa última indicação na categoria de Melhor Filme é uma co-produção de Brasil, Itália, França e EUA: "Me Chame pelo Seu Nome", de 2018, dirigido pelo italiano Luca Guadagnino.