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OPINIÃO

Sucesso em qualquer época: Por que 'Tieta' e 'Alma Gêmea' não saem de cena?

Betty Faria interpreta Tieta em novela em repreise no Vale a Pena Ver de Novo Imagem: Reprodução/Globo

Cristina Padiglione

Colaboração para Splash, em São Paulo

24/12/2024 05h30

O que novelas como "Tieta" (1989), atualmente em reprise no Vale a Pena Ver de Novo, e "Alma Gêmea" (2005), sua antecessora no horário, têm para fazer sucesso sempre que são exibidas, enquanto outras flopam ou fracassam?

Ambas são o que chamam de fenômeno. Aconteceu com "Vale Tudo" (1988), que renderá seu primeiro remake em 2025 na Globo, e também com "Pantanal" (1990), refeita em 2021. Desfilam ainda nessa categoria obras como "O Cravo e a Rosa" (2000), "O Rei do Gado" (2006) e "Roque Santeiro" (1985).

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Fenômenos continuam a existir, evidentemente, mas são assim tratados conforme o contexto de cada época. "A Favorita" (2008), por exemplo, que na sua exibição original foi classificada como uma novela "difícil" por não emplacar índices melhores que suas antecessoras na faixa das 21h, é hoje vista como uma obra memorável.

Cena de 'A Favorita': troca de tapas entre protagonistas Flora (Patrícia Pillar) e Donatela (Cláudia Raia) Imagem: Reprodução

Toda avaliação na cotação estelar depende de seu tempo, seu espaço. O enredo de João Emanuel Carneiro, mesmo autor da atual "Mania de Você", passou para a história do gênero como um script capaz de quebrar estereótipos, cometendo a ousadia de apresentar a suposta vilã, Donatela (Cláudia Raia), como mocinha, e a provável heroína, Flora (Patrícia Pillar), como um demônio.

Convém lembrar que a estratégia, agora tão prestigiada, sofreu vários reveses na época de sua exibição. Houve espectador que abandonou a novela ao tomar conhecimento de que Flora, com a face da angelical de Patrícia Pillar, não prestava. Isso me foi dito pelo próprio João Emanuel Carneiro, que até hoje se surpreende com pessoas que lhe relatam decepção com "A Favorita".

Luma (Agatha Moreira), Mércia (Adriana Esteves) e Mavi (Chay Suede) em 'Mania de Você' Imagem: Reprodução/Globo

Agora, "Mania de Você" é avaliada pela crítica especializada como um "fracasso". Mas como julgar que um produto visto ao mesmo tempo por 5,32 milhões de pessoas seja de fato algo ruim nos dias de hoje, com uma infinita fragmentação de telas?

"Mania de Você", atual alvo de críticas para mensurar o padrão das telenovelas de hoje, pode não ser um fenômeno, como foi "Avenida Brasil" (2012), mas tampouco pode ser tratada como fracasso. Vale ainda contabilizar o efeito "manada" que as redes sociais buscam promover nessas hashtags, um engajamento digital que inexistia nos idos dos novelões históricos como "Tieta", hit de Aguinaldo Silva, agora em reprise na Globo.

Quando se avalia qual conteúdo atualmente pode reunir mais de 5 milhões de pessoas diante de uma tela, pode-se entender que "Mania de Você" é um produto top, digno dos melhores alvos de engajamento, em razão do número de pessoas que acompanha a mesma cena em tempo real. Só um jogo de futebol, com times de grandes torcidas a disputar um campeonato decisivo, supera hoje tais patamares.

A reprise de "Alma Gêmea", de Walcyr Carrasco, terminou como a quarta melhor audiência da faixa do Vale a Pena Ver de Novo nesta década (de 2020 para cá), com 30% a mais em relação à antecessora. Lançada na sequência, "Tieta" (1988), folhetim baseado no romance de Jorge Amado, conseguiu elevar ainda mais os índices da antecessora.

O êxito de ambas se dá no contexto desta década, mas a própria "Alma Gêmea" já rendeu mais público à vaga de reprises da Globo, em outras ocasiões, sendo uma das campeãs de retenção de audiência.

Basicamente, uma novela que registrasse 30 pontos na faixa das 21h, há três décadas, seria tratada como fracasso, condição que atualmente equivale a um grande sucesso.

Cristina (Flávia Alessandra) em 'Alma Gêmea' Imagem: Reprodução/Globo

"Tieta" não alcançaria hoje os 60 pontos de audiência média registrados em 1989, no PNT (Painel Nacional de Televisão), pelo simples fato de que não tínhamos, há duas décadas e meia, a opção de assistir a vídeos no YouTube, ou a títulos na Netflix, na Amazon Prime Vídeo, na Max ou mesmo a conteúdos no Facebook, no Instagram e no X (antigo Twitter).

Nem a chance de ver a novela mais tarde ou no dia seguinte, pelo Globoplay, havia. Aliás, naquela época, tampouco tínhamos TV paga. Tudo conspirava a favor da TV aberta. Em sua fase áurea de dramaturgia, o SBT superava 20 pontos com sua bela versão de "Éramos Seis".

Hoje, a TV fundada por Silvio Santos raramente alcança dois dígitos com qualquer programa. A transformação desse cenário gera hoje a definição de sucesso para "Tieta", ao registrar 14 pontos na faixa vespertina. Todos os parâmetros se apegam ao contexto de cada período.

Fenômenos são cada vez mais raros em razão da fragmentação de tela e de conteúdos. Mas é bem verdade que alguns scripts sobrevivem ao tempo e ao espaço, o que explica o êxito de determinadas reprises, mas não de outras, sempre a depender do contexto.

A reprise de "Vale Tudo" no Canal Viva já aconteceu em mais de uma ocasião e rendeu excelentes resultados à emissora, mas em condições que não fazem cócegas na audiência da TV aberta de uma TV Globo.

O mesmo ocorre com séries que alcançam enorme repercussão na mídia, como "Breaking Bad", tida como excepcional na TV paga e no streaming, mas sem reflexo na TV aberta. É por isso que convém tratar todo "fracasso" ou "fenômeno" como observações de um determinado quadro.

Recentemente, "Pedaço de Mim" (Netflix) recebeu chancela de "grande sucesso", sem, contudo, se aproximar de uma audiência reunida por novela das seis da Globo, a de patamares mais modestos, quando há menos gente em torno do televisor em casa. Com a consciência de sabermos que nada se cria, tudo se copia e se recicla.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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