Duas semanas para virar Tarantino: curso recria cenas icônicas do cinema

Para conseguir um emprego, é preciso ter experiência. Para conseguir experiência, é preciso ter um emprego. Esse paradoxo, presente em qualquer área, ganha uma nova dimensão na indústria do entretenimento.

A dinâmica dos testes para atores mudou nos últimos anos. Antes, o costume era fazer audições presenciais, com cachê-teste como ajuda de custo. Desde a pandemia, se tornaram mais comuns as "self-tapes" —vídeos que os próprios atores mandam de si. Contudo, gravando sozinho em casa, é difícil reproduzir as condições de um set de filmagem que depende do trabalho de dezenas de profissionais, o que pode prejudicar quem busca novas oportunidades.

Um laboratório de cinema em São Paulo pretende facilitar esse caminho. O Cineclube Remake não se denomina "curso", mas é uma oportunidade para atores e outros iniciantes no mundo do audiovisual aprenderem sobre a indústria enquanto desenvolvem seu portfólio: "Eu sou uma grande nerd de estudo de audiovisual. Juntei essa fome com a vontade de comer da galera que não tem o material para apresentar seu próprio trabalho", conta Luiza Prado, que decidiu criar o projeto após 13 anos trabalhando como atriz, roteirista e diretora de televisão, cinema e publicidade.

Luiza Prado, idealizadora do Cineclube Remake
Luiza Prado, idealizadora do Cineclube Remake Imagem: Divulgação

A experiência dura duas semanas. No primeiro encontro, Luiza apresenta as obras dos diretores que vão guiar o laboratório —daí virão as cenas que serão regravadas ao fim do laboratório. No segundo, introduz novas referências de outros meios que os participantes podem inserir em suas gravações: "Eu sempre brinco que é uma grande antropofagia, porque a gente traz muito para o Brasil". Depois, ela divide a turma em grupos menores para a etapa dos ensaios. O dia da gravação encerra o laboratório num set de verdade com cenografia, iluminação e uma equipe profissional.

O laboratório não é só para atores. Também é possível participar como diretor, roteirista ou até palpiteiro, como Luiza chama os participantes que só querem conhecer mais do audiovisual. Os preços variam: na segunda edição, que aconteceu em novembro de 2024, os "mão na massa" (atores, assistentes de direção e adaptadores de roteiro) pagaram R$ 2.500 em até seis vezes sem juros. No caso dos palpiteiros, o preço caí para R$ 350. Havia, ainda, bolsas para indígenas, pessoas trans e PCD. A idealizadora afirma que busca apoios externos para diminuir cada vez mais o preço, e a próxima edição já terá um custo menor: "Meu sonho é que seja um valor simbólico".

Gravações de uma cena de "Pulp Fiction" no Cineclube Remake
Gravações de uma cena de "Pulp Fiction" no Cineclube Remake Imagem: Divulgação

Lucas Maria, 26, participou do projeto como palpiteiro. O professor de filosofia e produtor cultural recebeu uma bolsa para participar do Cineclube Remake após ser aprovado num edital para gravar um documentário sobre o quilombo São Benedito, onde vive. "Eu não tinha nenhuma experiência com audiovisual, então foi a oportunidade certeira no momento perfeito", explica. No fim, recebeu mais que experiência: "Fiz amizades, aprendi, me emocionei, foi muito mágico mesmo".

Foi minha primeira experiência com o cinema e foi muito visceral, de todas as formas possíveis. Lucas Maria

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O encerramento do curso é uma mostra de cinema onde os participantes se veem na telona —alguns pela primeira vez. A mostra da segunda edição aconteceu no Cine Bijou, no centro de São Paulo, na última quarta-feira (22), com cenas das obras "Os Cinco Diabos" (Léa Mysius), "A Estrada Perdida" (David Lynch) e "Pulp Fiction" (Quentin Tarantino). Foram premiados atores e cenas escolhidos por uma banca avaliadora composta por profissionais da área, como diretores, agentes artísticos, roteiristas e produtores.

Os atores de Bahbel e Thais Patez em remake de 'A Estrada Perdida', de David Lynch
Os atores de Bahbel e Thais Patez em remake de 'A Estrada Perdida', de David Lynch Imagem: Divulgação

Essas pessoas que estão com dificuldade de entrar no mercado sabem que isso vai ser assistido por uma banca f*da. Esse é um baita diferencial do projeto: ele não vai acabar no computador delas. Luiza Prado, idealizadora do Cineclube Remake

O multiartista Bahbel, 34, foi um dos premiados da noite. Drag queen, ator, cantor e produtor, ele já tinha extensa experiência no audiovisual. Mesmo assim, decidiu participar do laboratório após assistir à mostra da primeira edição: "Para mim, foi realmente um despertar, porque tem algumas coisas dentro da carreira que a gente vai deixando adormecidas", reflete. Ele conta que, como drag queen, acaba se dedicando muito a uma única personagem. No Cineclube, recriou com a atriz Thais Patez um trecho de "A Estrada Perdida", e levou para casa o troféu de melhor cena.

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