Injustiça contra um filme brasileiro mudou regra importante do Oscar
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Mais de duas décadas antes de "Ainda Estou Aqui" (2024) ser indicado ao Oscar, "Cidade de Deus" (2002) perdeu a chance de ser nomeado a Filme Internacional em razão de uma brecha encontrada pelos membros da Academia. Um ano depois, porém, o longa disputou em quatro categorias.
O que aconteceu
Cidade de Deus foi lançado em 2002, mas só entrou na disputa pelo Oscar dois anos depois. Isso ocorreu porque o filme não entrou no circuito internacional no ano de seu lançamento. Além disso, houve polêmicas em torno da exibição do longa para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Apresentação de "Cidade de Deus" aos membros da Academia teria sofrido boicote em 2003. Para que um filme seja considerado elegível à categoria de Melhor Filme Internacional, deve ser assistido pela Academia. Cada longa é apresentado de forma isolada, mas na vez da produção brasileira, uma parcela dos participantes se ausentou, segundo matéria da Folha de S.Paulo da época.

Deixar a sala de exibição do filme era estratégia para reduzir nota dos indicados. Essa foi uma brecha encontrada para boicotar a participação de "Cidade de Deus" à categoria de Melhor Filme Internacional. De acordo com o crítico de cinema Waldemar Dalenogare Neto, em entrevista a um dos membros integrantes da comissão da época, a nota do filme de Fernando Meirelles caiu de 10 para 6 logo após a exibição dele.
Perfil dos votantes estaria entre os principais motivos para a reação negativa ao filme brasileiro. Conforme publicado na Folha de S.Paulo, o alto grau de violência realista apresentado na produção foi rechaçado por um grupo conservador que compunha a comissão.
Nunca vi nada parecido. Pessoas começavam a se xingar durante a exibição do filme. Uns diziam que aquilo era arte; outros diziam que aquilo era um filme apelativo que tentava promover um realismo forçado e desnecessário. No final do filme, parte dos que não gostaram simplesmente esvaziaram a sessão, tirando a chance de disputar o Oscar Membro da Academia da época, em entrevista a Dalenogare Neto

O mesmo membro avaliou o episódio como o mais vergonhoso que viveu na comissão de Filme Estrangeiro. O regulamento daquele ano dizia que o filme receberia automaticamente a nota mínima (6) no momento em que um membro deixasse a exibição oficial para a Academia.
Exibição internacional em 2003 e indicações ao Oscar 2004
Fora do Oscar de 2003, "Cidade de Deus" teve data de lançamento mudada pela Miramax. Após a negativa de parte dos membros e de toda a polêmica causada na exibição para a Academia, a produtora percebeu que o filme não seria mesmo indicado a Melhor Filme Internacional. Com isso, o longa foi lançado para o circuito internacional em janeiro de 2003, ficando apto para competir em 2004.
Indicado a Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia. Ainda com muitas ressalvas entre os integrantes da comissão de filmes estrangeiros, o filme brasileiro não conseguiu indicação de Melhor Filme Internacional, mas recebeu outras quatro indicações para disputar ao Oscar 2004.

Estudo para evitar injustiças e criação da pré-lista
Academia encomendou em 2005 um estudo sobre como evitar injustiças como a que ocorreu com "Cidade de Deus". Foram avaliadas estratégias para que filmes aclamados e referenciados não sofressem manipulações internas, resultando em uma não-indicação.
Dois anos depois, nasceu a pré-lista de indicados ao Oscar. Toda a situação vivenciada em torno do filme brasileiro movimentou a criação de uma seleção para longas estrangeiros. Depois, essas listas prévias começaram a ser usadas para outras categorias também.
Nova regra contempla não só notas altas, mas indicações de filmes prestigiados. Antes, era comum o eurocentrismo na lista de indicados a Melhor Filme Internacional. Após as normas criadas em 2007, os membros ganharam a permissão para sugerir filmes fora do circuito Europa-EUA. Com isso, estes longas passaram a poder figurar entre os nomeados, ainda que não tivessem obtido notas máximas.
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