Filme sobre Milton Nascimento emociona, é frescor e reforça singularidade

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Quando a voz de Fernanda Montenegro toma um espaço, todo mundo para ouvir. E se é para falar de Milton Nascimento, a consequência é se emocionar. Ainda nos minutos iniciais do filme "Milton Bituca Nascimento", é ela quem nos leva numa viagem sensorial e geográfica sobre o cantor.
Logo no início, amigos de estrada explicam tecnicamente sobre a voz de Milton e ensinam até quem não entende sobre música: ela é diferente de tudo que existe. Milton, na verdade, até reconhece e diz se sentir "um pouquinho" alienígena devido à capacidade criativa. Ele conta que com músicas inteiras, e acorda com elas prontas, compôs melodias em máquina de escrever. Independentemente da ferramenta, escreveu sobre suas mães, racismo, viagens e muitas travessias.

Tudo isso a gente vê no filme, mas nada consegue explicar totalmente quem é Bituca. Mesmo em meio a tantas palavras bonitas, as dezenas de amigos, parceiros e admiradores não conseguem defini-lo. Esperanza Spalding e Chico Buarque o conectam com a natureza para tentar fazê-lo, mas quem é capaz de explicar a imensidão e a força da terra, ou alcançar as profundezas dela?
A singularidade, o alcance e a beleza de Milton e sua obra são dispostos ao longo do filme quando admiradores gringos tentam entender, afinal, se Milton é jazz. Ou rock. Define-se que é livre - um jazz livre.
A liberdade musical, de gênero e de experimentação parecem ter sido a tônica dos acontecimentos inéditos e grandiosos vividos por Milton desde 2022, ano da gravação do filme e de sua última turnê. De lá para cá, lançou mais um álbum, foi indicado ao Grammy, gravou com rappers e foi homenageado pela Portela, maior campeã do Carnaval.

Para Flávia Moraes, diretora do filme, a condução da carreira de Milton, feita pelo seu filho, Augusto Nascimento, contribui para essa enxurrada de novidades.
É importante fazer essa homenagem com ele vivo, para entregar esse carinho e reconhecimento. Não só do filme, mas também da Portela, do Grammy e de todas as coisas que estão acontecendo neste momento.
Flávia Moraes, diretora
Ver essa liberdade narrada pelos amigos explica como, no processo de se ver enredo, Milton aproveitou tanto. Pediu e cantou na quadra da escola de samba, foi ovacionado em ensaios, brilhou duas vezes como o sol cantado pelos componentes de Oswaldo Cruz e Madureira.
Os olhos brilhando ao viver algo inédito era um complemento ao que foi filmado mais de dois anos antes e veríamos semanas depois. Uma trama específica do tempo, feita para reforçar que Milton não tem muita explicação lógica, é mais de sentir - como define a filósofa Djamila Ribeiro. Afinal, "o tempo é travesso. A vida é travessia", como repete Fernandona duas vezes em quase duas horas de filme.

É ao falar do tempo que a narração de Fernanda Montenegro expõe as dificuldades de locomoção de Milton Nascimento e o encerramento de sua vida nos palcos. Recentemente, foi revelado que o cantor foi diagnosticado com Parkinson. A exigência física de cantar para milhares de pessoas já estava demais.
Flávia explica que acessar Milton só aconteceu graças à construção da confiança entre os dois, e que o resultado é o cantor à vontade, despido, próximo.
Na entrevista principal do documentário o público o vê por uma fresta, sentadinho na cama. E a gente conversa sobre muitos assuntos. O ineditismo desse trabalho é essa aproximação com o homem, com o ser humano.
Flávia Moraes, diretora
Mas "ouvir as coisas mais antigas dele e ouvi-lo agora parece que o tempo não passou, parece que o tempo não existiu", como definiu Maria Gadú. O tempo que incide no físico não alcança a voz, que continua firme em contribuições recentes, a exemplo da música recém-lançada com o rapper Djonga.
No exterior, em Três Pontas (MG), São Paulo ou Rio, o filme é bem-sucedido em mostrar um pouco da intimidade do cantor - que conta mais histórias sentado numa cama -, saciar a curiosidade dos fãs e expor a contribuição de Milton para diferentes culturas e países. Afinal, "a voz dele é um instrumento. E instrumentos não falam um idioma específico", como define o cineasta Spike Lee, fã de carteirinha do músico carioca-mineiro.
O filme termina com Milton dançando Babalu, de Angela Maria. "Como é que não vai gostar dessa mulher?", indaga. Curiosamente, a mesma pergunta que ecoa quando acendem as luzes do cinema. Como é que não vai se apaixonar por Milton Nascimento?
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