'Não tive censura': Por que Laura Muller trocou a Globo pela vida no campo?

"Meu amigo quer tirar uma dúvida sobre sexo". Foi essa frase que deixou Laura Muller, 55, eternizada na história da TV, com um quadro sobre sexualidade no Altas Horas, que comandou de 2007 a 2022. Hoje, no entanto, ela segue um caminho bem diferente: atua com atendimento ao público na área da psicologia, dá palestras, escreve livros, vende produtos de cuidados com o sexo e vive uma vida tranquila no campo em Minas Gerais.

Foram 15 anos em que fui muito feliz e pude fazer meu trabalho de forma muito tranquila, muito à vontade e falar o que penso. Não tive censura no que eu penso ou em como eu penso a sexologia. Foi muito bacana essa experiência e conhecer jovens, adultos e famosos ao longo desse caminho.
Laura Muller, em entrevista exclusiva para Splash

A decisão da jornalista e sexóloga de voltar para sua terra natal, já que é natural de Juiz de Fora, ocorreu durante a pandemia da covid-19. Após ficar 70 dias trancada num apartamento em São Paulo, ela viajou para Minas Gerais passar uns dias com o namorado e decidiu mudar de vida.

"Mudei tudo", resume ela. "Meu namorado na época, que é o meu companheiro hoje, morava em Uberlândia. Quando deu os 70 dias da pandemia, eu já estava mal por estar trancada, porque sou pré-diabética, e ele veio me buscar pra passar um mês, mas não voltei mais. A ideia é que eu fique aqui em Minas por muitos tempos. Por quê? Porque gosto desse clima de interior e estou em casa".

Morei um ano em Uberlândia e estou inserida num rancho no meio do mato. Tem um rio em volta da propriedade, com estrada de terra, com mais de mil mudas de reflorestamento que plantamos e com 11 cachorros. Em 2022, quando decidi encerrar o meu contrato com a Globo, resolvemos morar aqui. Era só um lugar de final de semana porque é na região da Serra da Canastra, mas nos encantamos. Fiz essa mudança consciente, para ter uma vida de contato com a natureza.

Mitos e tabus do sexo

Laura Muller desembarcou em São Paulo aos 16 anos para atuar como jogadora de vôlei do Clube Pinheiros. Por lá, ela jogou com nomes como Marcia Fu, Fernanda Venturini e Fofão, medalhistas olímpicas pela Seleção Brasileira, mas não seguiu a vida de atleta por falta de estatura e decidiu embarcar no jornalismo.

Me encantei com o jornalismo e gostava muito de escrever. Depois que me formei, meu primeiro trabalho foi na Folha de S.Paulo, no caderno ABCD, e depois fui editora na Folha da Tarde. Fiquei uns seis anos, mas surgiu uma vaga na editoria de sexo da revista Cláudia e eu topei —mesmo ninguém querendo. Estava cansada do 'mundo cão'.

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Ao topar o novo desafio, Laura conta que se surpreendeu a se deparar com os próprios tabus. "Me dei conta que tinha uma série de mitos e tabus do sexo, o quanto era difícil falar de pênis, vagina, ânus e fazer perguntas. Eu nem sabia formular as perguntas direito para as entrevistas".

Laura Muller nos tempos de vôlei
Laura Muller nos tempos de vôlei Imagem: Arquivo Pessoal

Foi assim que a jornalista resolveu estudar o assunto. Primeiro, uma especialização em educação sexual, depois foi para terapia sexual, psicologia analítica. "Fui buscar ajuda da ciência e adorei. Ao fim da especialização, lancei meu primeiro livro, sobre perguntas e respostas das mulheres e homens na área de sexualidade, comecei a dar palestras, entrevistas e me tornei sexóloga."

"Globo entrou na minha vida"

A carreira de Laura Muller decolou após entrar para o universo do sexo. Enquanto palestrava pelo Brasil, ela foi cursar psicologia para compreender a mente humana e, ao fim da graduação, lançou um segundo livro sobre sexualidade. Quis o destino que o material caísse nas mãos da produção do Altas Horas e do apresentador Serginho Groisman, e uma nova porta se abriu em sua vida: a televisão.

O Serginho queria um quadro sobre sexualidade para durar um tempinho, e a produção me procurou para uma entrevista. Me falaram que, se fosse legal, ia para o ar e duraria um mês. Topei, gravei e no dia seguinte o Serginho me ligou: 'Laura, adoramos e acho que vai dar super certo. Quer ser contratada por três meses?'. Eu topei na hora e, assim, a Globo entrou na minha vida.

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Laura Muller como editora da revista Claudia, aos 27 anos
Laura Muller como editora da revista Claudia, aos 27 anos Imagem: Arquivo Pessoal

Ela conta que aceitou o desafio por ver isso como uma forma de expor que não há necessidade de tabus. "Eu sabia bem da dificuldade que era tratar esse tema e via o quanto demoravam para nos contratar por acharem que falaríamos alguma bobagem. Quando surgiu o Altas Horas, um programa para jovens, eu falei 'é isso que eu quero' e era um reconhecimento do meu trabalho. Passados os três meses, o Serginho me convidou para ficar mais um ano e fiquei 15 anos".

A TV também se tornou uma forma de abrir portas para outros projetos, recorda Laura. Segundo ela, foi "uma enxurrada de chamados" de pessoas espantadas com a forma simples e objetiva que ela falava sobre o tema. "Não era uma proposta pornográfica e não estimulava a sexualidade. Era um conteúdo com qualidade para que o jovem ganhasse maior consciência".

Serginho Groisman e produção levaram Laura Muller ao Altas Horas após lançamento de livro
Serginho Groisman e produção levaram Laura Muller ao Altas Horas após lançamento de livro Imagem: Divulgação/@lauramulleroficial

Além de trabalhos, a exposição semanal na televisão trouxe a necessidade de Laura aprender a lidar com a fama. "Já dava muita palestra e comecei a fazer mais ainda por ficar conhecida. Aí tive aquele momento de ter que aprender a lidar com o assédio que a gente começa a ter. Tinha curso que eu mais tirava foto do que conseguia ministrar o conteúdo. As selfies vieram com tudo".

Eu fui aprendendo a lidar com isso e a gente foi encontrando caminhos, mas realmente foi um divisor de águas no sentido de exposição. Então, eu vinha de uma forma simples e, de repente, veio aquele canhão de luz da TV Globo me colocando aí para tudo quanto é lugar.

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Pandemia da covid trouxe mudanças significativas na vida dos brasileiros em relação aos cuidados com a vida e a saúde. Para Laura Muller, após 15 anos na TV, era o momento de se dedicar ao lado pessoal. "Foi um ciclo encerrado, porque foi muito tempo e quando entrou a pandemia eu gravava umas participações eventuais, o Serginho também foi todo para online e ali também a gente já foi diminuindo as participações. A pandemia já foi mudando algumas coisas e para continuar na TV, eu teria que continuar morando em São Paulo, mas minha nova vida em Minas não permite mais ficar um dia livre para gravação".

Dá para eu sair, saio quinzenalmente para viajar a trabalho, mas ter aquele compromisso toda semana para equacionar com todos os outros compromissos que são as palestras ou atendimento em consultório ia ficar complicado morando na zona rural do interior de Minas. Quando a gente decidiu construir aqui, mudar para cá, eu já fui me despedindo internamente desse trabalho lindo e concluindo esse ciclo na Globo.

Laura Muller responde a perguntas sobre sexo no Altas Horas
Laura Muller responde a perguntas sobre sexo no Altas Horas Imagem: Ramón Vasconcellos/Globo

"Estou curtindo a natureza"

Laura Muller hoje se divide entre os atendimentos dos pacientes, cuidados dos cães, viagens para palestras, produção de conteúdo para as redes sociais e a comercialização de produtos de cuidados com o sexo. "No meio desse tempo, eu também foco em aproveitar a vida", brinca.

Gosto dessa coisa de ver a natureza, de entrar na cachoeira, isso é um grande lazer. Eu estou aqui na portinha da entradinha do Parque Nacional da Serra da Canastra e é muito gostoso poder curtir isso. Estou curtindo muito o que eu posso desfrutar da natureza.

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Laura Muller curte cachoeira em Minas Gerais
Laura Muller curte cachoeira em Minas Gerais Imagem: Arquivo Pessoal

Quem sente saudades das dicas de sexo de Laura Muller pode procurá-la nas redes sociais para participar das famosas "caixinhas de perguntas". Ela também está com um curso de sexualidade masculina gratuita no Youtube.

Gravei o curso pensando na sexualidade masculina porque eu já tive há alguns anos um curso sobre sexualidade masculina e sexualidade feminina. É muito difícil a gente encontrar um material claro, de qualidade falando com esse público masculino, porque tem mais coisas para o público feminino. Então, toda semana a gente solta ali uma aula. A temática do ano está sendo dificuldades sexuais e como lidar com elas.

Para 2025, a sexóloga tem planos de concluir seu sétimo livro no campo da sexualidade, mas não descarta voltar para a TV. "Talvez nessa linha de streaming de documentários ou algum novo quadro que eu possa gravar com temporada. Não sei se eu dou conta, por morar aqui, desses programas semanais ou diários, mas é possível gravar uma temporada e voltar para o meu canto para me reabastecer."

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