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Zezé Motta narra livro de Viola Davis: 'Tudo igual, só muda o endereço'

Zezé Motta é a narradora de "Em Busca de Mim", escrito por Viola Davis - Reprodução Zezé Motta é a narradora de "Em Busca de Mim", escrito por Viola Davis - Reprodução
Zezé Motta é a narradora de 'Em Busca de Mim', escrito por Viola Davis Imagem: Reprodução

De Splash, em São Paulo

12/04/2025 05h30

Quem ouvir a audiolivro da biografia de Viola Davis, "Em Busca de Mim", escutará uma voz bastante familiar aos brasileiros: Zezé Motta é quem empresta a voz para a versão brasileira, exclusiva da Audible.

O convite aconteceu de maneira inesperada, conta a atriz a Splash. Enquanto estava lendo o livro de Davis, recebeu o convite de Taís Araújo para ir à casa da atriz conhecer Viola Davis pessoalmente. A atriz americana e Araújo são amigas e, em entrevista recente a Splash, Davis falou que a amizade das duas é algo "espiritual".

Eu morro de preguiça de sair de casa. Saio hoje só a trabalho. Mas nesse caso, quis prestigiar o convite da Taís e achei uma coincidência do tamanho do mundo eu estar lendo o livro da Viola e receber um convite para estar com ela. Lá fui eu.
Zezé Motta, a Splash

Segundo Motta, Davis e ela conversaram um pouco, e "foi ótimo". Semanas depois, não me lembro exatamente quando, chegou o convite da Audible dizendo que queriam a minha voz nesse projeto. Pensei, realmente coincidências não existem. É um sinal. Topei."

"Em Busca de Mim" é uma autobiografia que explora a jornada da infância difícil de Viola Davis até o sucesso como atriz, incluindo o racismo que enfrentou e os traumas que a marcaram. A obra também aborda a busca por autoconhecimento, aceitação e a força da arte em sua vida.

Foram muitos dias de gravação, foram meses, não teve um dia que eu não tenha me emocionado com a história da Viola Davis. Que mulher forte, resiliente, cheia de vontade de vencer.

Ao ser questionada sobre similaridades entre as histórias de vida, Motta acredita que as semelhanças não são apenas entre as duas, mas sim entre todas as mulheres negras.

As nossas histórias se cruzam. Se você prestar bem atenção, as histórias são bem-parecidas, quase as mesmas... A mesma desigualdade, os abusos, o racismo, as torturas, tudo igual, só muda o endereço.

Esta não é a primeira vez que Motta dá voz a um projeto de audiolivro. Em 2022, ela narrou "Torto Arado", de Itamar Vieira Junior. O livro foi um dos maiores fenômenos da literatura brasileira nos últimos anos: a obra ganhou os principais prêmios literários do país (incluindo o Jabuti) em 2020, se tornando um dos mais vendidos de 2021.

Zezé Motta narrou dois audiolivros Imagem: Miguel Sá/ UOL

A atriz conta que tanto "Em Busca de Mim" quanto "Torto Arado" foram narrativas que a emocionaram. "As duas histórias são bem fortes e mexeram muito comigo, me emocionei do início ao fim em ambas as narrações. 'Torto Arado' tem um vocabulário elevado. Eu considero o vocabulário do Itamar Vieira rebuscado e acadêmico. Já 'Em Busca de Mim' é a história da Viola, que é muito forte, verdadeira, triste, mas também uma mulher resiliente."

Mesmo com anos de trabalho, a artista ainda encontrou novos desafios no processo de narração de audiolivros. "Toda narração tem sua particularidade, vocabulários... São histórias contadas, cada uma com as suas questões. O processo é muitas vezes lento porque requer atenção, respiro, entonação e também nos colocarmos naquela história. Então acabamos tendo que saborear cada palavra, cada frase, cada ponto."

Para Zezé Motta, obras literárias são o caminho para evolução intelectual como sociedade. "Livros educam, ensinam. No caso do Brasil, somos um país que ainda é muito ignorante quando a pauta é racismo. Precisamos educar, transformar conceitos, padrões, mexer nas estruturas. Livros, histórias, tudo isso é fundamental."

Superação

A minha vida sempre foi de superação. Superei muita coisa para chegar até aqui, com 80 anos, 55 de carreira, mais de 70 filmes, mais de 50 projetos na TV, diversos discos. Quando nova, ainda adolescente, cheguei a vivenciar uma experiência curiosa ligada à questão racial.

A Splash, a atriz relembrou um momento no qual percebeu existir "preconceito está enraizado mesmo entre negros e pobres". "Quando montamos 'Os Viajantes', auto de Natal da Maria Clara Machado, quase fomos apedrejados pelo público. Fizemos a apresentação entre os pilotis, no vão central dos edifícios, e quando os moradores deram com uma Virgem Maria negra, feita por mim, e um José crioulo, interpretado pelo meu saudoso Zaqueu, já falecido, começaram a atirar ovos e a vaiar. Tivemos que interromper e continuar a sessão no pátio do colégio. Ou seja, se eu me deixasse influenciar ali, abaixasse a minha cabeça não chegaria aqui."

Em 1966, a jovem atriz deu início ao seu curso de teatro, mas não acreditava ser possível "sobreviver ao teatro". "Eu, que não era boba nem nada, e aprendera com os meus pais, o valor e o sentido do trabalho, entrei para o curso de Contabilidade, onde me formei."

Zezé Motta enaltece a arte em entrevista a Splash Imagem: Reprodução/Instagram

Quando uma vizinha descobriu que Motta estava estudando teatro, mandou: "Ué, não sabia que para fazer papel de empregada precisava de curso". "Quer dizer, volta e meia eu esbarrava nessa historinha de preconceito. Até porque na maior parte dos lugares que eu frequentava — o curso de inglês, o Tablado, o prédio onde eu morava — eu era a única negra. E você sabe como é adolescente. As meninas não deixavam por menos. Diziam que eu tinha cabelo ruim, nariz chato, bunda grande. Quer dizer, eu queria ser branca, ter nariz afilado, cabelo liso. Achava que só sendo branca eu seria aceita. Levou algum tempo até eu sair dessa 'alienação' e me aceitar. Ou seja, tive que superar o tempo todo!"

Com o passar dos anos, Zezé Motta considera uma vitória que a representação negra no audiovisual cresceu. "É uma vitória ligarmos a televisão e encontrarmos diversidade. Na minha época, personagens negros não tinham pai, mãe, filho, não tinham uma família, não tinham núcleo. Ficávamos soltas na história, não fazíamos realmente parte da trama, éramos um rito de passagem. Sinto que estamos em evolução e isso me traz alívio. Sensação de avanço, lá atrás fiz o meu papel e denunciei muito a ausência do negro no audiovisual. Que bom que estou viva para assistir isso. Ainda temos muita luta pela frente, porém estamos melhores!"

Agora, aos 80 anos, ela não considera se aposentar tão cedo. "Eu não paro. Depois dos 75 anos parece que me redescobriram, não sei, é tanta coisa que penso que não vou dar conta. Hoje aos 80 tenho trabalhado mais que quando estava com 50, 60... Juro! Estou prestes a estrear um projeto inédito que ainda não posso dar detalhes agora, mas é um projeto bem bonito, que poderei mostrar meu lado cantora, meu lado atriz, como parte de comemoração dos 80 anos. Vai acontecer em maio e durar até novembro", conclui.