Tragédia no set de filme com Baldwin lança luz sobre frenesi pós-covid em Hollywood
O aumento da demanda por novos conteúdos gerou enorme pressão em alguns sets de filmagem para economizar custos e concluir projetos. Depois da tragédia do western "Rust", especialistas refletem sobre as condições da indústria de Hollywood no pós-pandemia.
No dia em que Alec Baldwin matou acidentalmente a diretora de fotografia Halyna Hutchins, de 42 anos, durante um ensaio, a produção enfrentava problemas devido a uma equipe de câmeras que deixou o set em protesto por melhores condições de trabalho.
Vários produtores que trabalhavam no filme com orçamento de menos de 7 milhões de dólares - considerado baixo para um filme de ação - também tinham pouca experiência.
Sem o apoio de um estúdio grande, "Rust" era financiado por um pequeno grupo de empresas e a expectativa era vender o filme para uma plataforma de streaming, segundo o jornal Wall Street Journal.
Esta é a nova realidade de Hollywood, onde a demanda insaciável por conteúdo novo para alimentar as plataformas de streaming em expansão gerou condições de filmagem precipitadas, segundo os especialistas.
"Há muita pressão para concretizar os projetos e depois da covid parece haver inclusive mais pressão porque as pessoas estão tentando lançar seus filmes, têm prazos a cumprir", diz Joyce Gilliard, uma figurinista que sobreviveu por pouco a uma das mais conhecidas tragédias de Hollywood.
Gilliard quebrou o braço quando um trem atropelou uma equipe de produção durante as filmagens de "Midnight Rider" em 2014, matando uma cinegrafista. A tragédia de "Rust" trouxe de volta o "enorme estresse pós-traumático", disse em entrevista à AFP.
"Se as produções e os estúdios não pensam em segurança, isto se espalha para o resto do pessoal", acrescentou. "Começa de cima".
Os produtores de "Rust" não responderam aos vários pedidos da AFP para comentar o tema.
Enquanto avança a investigação sobre o ocorrido no Rancho Bonanza Creek, no Novo México, onde o filme era rodado, especialistas alertam que é impossível estabelecer uma reação direta entre a redução de custos e a negligência.
Mas Gregory Keating, professor de direito da Universidade do Sul da Califórnia, afirma que "as armas são usadas como cenografia nos sets há mais de 100 anos" e que se os protocolos estabelecidos fossem seguidos, basicamente seria impossível que alguém fosse morto por uma bala em um set.
"O erro é sempre não tomar as precauções que deveriam ser tomadas. E o contexto aqui é que a redução de custos parece algo relevante neste ponto", disse.
"É mais caro fazer as coisas do jeito certo".
Em coletiva de imprensa na quarta-feira, o xerife de Santa Fe, Adan Mendoza, disse que, na sua opinião, "houve certa complacência no set".
"Acho que há coisas que devem ser tratadas pela indústria do cinema e possivelmente pelo estado", afirmou.
'Frenesi'
As contratações em "Rust" estão em análise depois que se revelou que o armeiro Neal W. Zoromski, com décadas de experiência em Hollywood, rejeitou uma oferta de trabalho no filme por identificar "enormes sinais de preocupação" na negociação com os produtores.
Zoromski contou ao jornal Los Angeles Times que os produtores rejeitaram seu pedido para ter uma equipe de duas pessoas: um assistente e um encarregado de armas. Para os produtores, uma única pessoa devia ser encarregada dos dois trabalhos.
"Nunca se deve ter um assistente fazendo as funções de um encarregado de armas. São dois trabalhos demandantes", afirmou em entrevista ao jornal.
Uma equipe de câmeras se retirou do set na manhã da quinta-feira, no mesmo dia em que ocorreu o incidente fatal, e foi substituído por contratados de última hora que não pertenciam a nenhum sindicato.
Os sindicatos têm um papel crucial em exigir o cumprimento das normas para proteger seus membros, explicou Keating.
"Se o encarregado de armas é um funcionário vinculado a um sindicato e não pode ser demitido, esta pessoa está em melhor posição para dizer 'não há forma de nos comportarmos assim, não se atreva a fazer isso...'", comentou Keating.
A armeira de "Rust" era Hannah Gutierrez Reed, de 24 anos. Filha de um veterano no setor, Gutierrez Reed só havia trabalhado em um filme antes deste western. Ela tampouco respondeu aos pedidos da AFP para comentar.
Um encarregado de eletricidade, que pediu para não ser identificado, disse à AFP que desde que as produções voltaram aos sets depois dos confinamentos da pandemia, tem sido mais difícil do que nunca contratar gente.
"Tem esse frenesi, essa demanda por conteúdo para compensar o tempo perdido", disse. "Acho que o que impera é a mentalidade de 'só termine, termine, termine'".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.