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Jornalista de TV russa denuncia a 'propaganda' do governo de Putin

22.mar.22 - A jornalista russa Zhanna Agalakova assiste a uma entrevista à Reuters, enquanto a invasão da Ucrânia pela Rússia continua, em Paris, França - NOEMIE OLIVE/REUTERS
22.mar.22 - A jornalista russa Zhanna Agalakova assiste a uma entrevista à Reuters, enquanto a invasão da Ucrânia pela Rússia continua, em Paris, França Imagem: NOEMIE OLIVE/REUTERS

23/03/2022 08h45Atualizada em 23/03/2022 08h45

Paris, 23 Mar 2022 (AFP) - A correspondente russa Zhanna Agalakova contemplou, durante anos, a deriva autoritária do governo da Rússia até que a invasão da Ucrânia a levou pedir demissão e a permanecer em Paris, de onde denuncia a propaganda do regime.

Da manipulação de notícias às constantes referências ao "nazismo" ucraniano, a jornalista assegurou em uma coletiva de imprensa organizada pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) que o governo de Vladimir Putin está mentindo para os cidadãos russos.

"Quero que a Rússia me ouça, que as pessoas aprendam a reconhecer a propaganda, que deixem de ser zumbis", explicou Agalakova durante a coletiva na terça-feira.

"Hesitei muito" antes de começar a falar, "mas acredito que não tenho outra opção", acrescentou com lágrimas nos olhos.

Por que agora e não antes da guerra da Ucrânia?

"Ao longo da minha carreira, aceitei as coisas", explicou. Porém, a invasão "foi o meu limite", assegurou.

No meio de março, outra jornalista televisiva, Marina Ovsiannikova, causou comoção dentro e fora da Rússia ao interromper a transmissão do noticiário de grande audiência do Pervy Kanal com um cartaz em que denunciava a ofensiva e também a "propaganda" do regime de Putin.

"Nos últimos dias estamos presenciando turbulências dentro desses meios propagandísticos", garantiu o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, que se recusou, no entanto, a analisar seu impacto dentro da Rússia.

Correspondente em Paris do Pervy Kanal (televisão pública), Agalakova diz ter pedido demissão no dia 3 de março, uma semana depois da invasão da Ucrânia.

Os meios de comunicação russos "só transmitem o ponto de vista do Kremlin", acrescentou.

"Nossos noticiários não mostram o que se passa no país. Só mostram o líder do país, o que ele comeu, quem lhe deu a mão, inclusive de torso desnudo. Mas não sabemos se está casado, se tem filhos", disse a jornalista.

A obsessão pela guerra

"O poder tenta sufocar os meios independentes", diz.

Para justificar a invasão, "o governo utiliza questões extremamente sensíveis para os russos", explicou, em alusão à memória da Segunda Guerra Mundial e os 27 milhões de soviéticos que morreram no conflito contra a Alemanha nazista.

"Quando a Rússia se depara com a palavra nazista, só há uma reação: 'tem que acabar com isso'. É uma manipulação, uma enorme mentira", criticou a jornalista.

O próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, negou as acusações e recordou que é judeu por diversas vezes.

Agalakova não trabalha em seu país desde 2005, quando começou sua carreira como correspondente no exterior, primeiro em Paris, depois em Nova Iorque em 2013 e retornou à capital francesa.

"Pensava que ao explicar a vida na Europa, em particular em Paris, poderia evitar ser uma propagandista", indicou.

A jornalista detalhou, em particular, sua experiência nos Estados Unidos, quando ocorreu a invasão russa da Península da Crimeia, em 2014.

"Não estava à margem da propaganda. Só devia explicar coisas negativas dos Estados Unidos, como, por exemplo, as crianças adotadas e que eram maltratadas", explicou.

"Não menti, cada acontecimento era real, mas quando você pega feitos reais e os mistura, acaba resultando em uma grande mentira", reconheceu.

"Muitos jornalistas, produtores e pessoas que trabalham nos meios de comunicação (russos) pensam como eu", concluiu.

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