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Max Cavalera defende indígenas e elogia protestos contra marco temporal

Max Cavalera defendeu cultura indígena - Reprodução/Instagram
Max Cavalera defendeu cultura indígena Imagem: Reprodução/Instagram

Thais Carrança

Da BBC News Brasil em São Paulo

01/09/2021 16h45

"Eu fico muito feliz que está acontecendo isso aí em Brasília", diz o músico Max Cavalera, atualmente na banda Soulfly e um dos fundadores do Sepultura, sobre a mobilização que reúne mais 6 mil indígenas, de 170 povos, na capital brasileira.

Os povos originários estão no Distrito Federal protestando contra o marco temporal para demarcação de terras, cujo julgamento deve ser retomado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) hoje.

Tem que respeitar a cultura indígena, que está aqui há mais de 500 anos, mais velha do que todos nós. Temos que fazer o possível para evitar que isso acabe um dia, não só a linguagem, mas os costumes, as danças, os sonhos. Isso é coisa muito maravilhosa e que a gente na sociedade às vezes acaba esquecendo.
Max Cavalera

A declaração é dada num momento em que o icônico álbum "Roots" do Sepultura, um dos mais influentes da história do heavy metal, com mais de 2 milhões de cópias vendidas, completa 25 anos. Lançado em 1996, o álbum trouxe a faixa Itsári ("raízes" em xavante), gravada em parceria com o povo indígena da aldeia Wedera, em Canarana, no Mato Grasso.

"Em 25 anos, as coisas mudaram", diz Paulo Cipassé Xavante, cacique que recebeu o Sepultura em sua aldeia em 1996. "Os problemas em relação à questão indígena eram os mesmos, mas a coisa era camuflada. Hoje, nesse governo, é uma coisa mais direta. Não só para o indígena. Para o indígena é pior, mas os direitos dos trabalhadores brasileiros estão sendo desmontados devagar", opina o líder xavante.

Raízes

O músico e o cacique lembram como foi a experiência de gravar o álbum que se tornaria histórico.

"Eu estava em casa, tinha tomado um vinho e estava assistindo um filme chamado Brincando nos Campos do Senhor, do Héctor Babenco, quando me deu a ideia de gravar no meio do Brasil, com tribos brasileiros", conta Cavalera, hoje com 52 anos e morador de Phoenix, no Estado americano do Arizona.

Ele lembra que, a princípio, pensou em fazer a gravação com os Kayapó, porque à época andava ouvindo um disco de cantos de guerra desse povo. Mas, com a ajuda da jornalista Angela Pappiani, do Núcleo de Cultura Indígena, ONG de Ailton Krenak, chegou aos xavantes de Canarana, no Mato Grasso.

"Eu falei para a Angela: 'Pega todo o material relacionado a eles [à banda Sepultura] e manda para nós, que eu coloco no ar para o pessoal aqui'", lembra Cipassé, hoje com 53 anos. "Ela falou: 'Eles são iguais a vocês: cabeludos, tatuados e o pessoal têm preconceito com eles'. Ela mandou os álbuns e eu coloquei no ar no nosso conselho tradicional. O pessoal gostou e falou 'se eles sofrem preconceito igual a nós, vamos fazer o trabalho'."

Segundo Max, a parte técnica da gravação de Itsári foi toda organizada por sua esposa Glória Cavalera e por Angela Pappiani.

"Alugamos dois aviões pequenos e o equipamento. Sabíamos que lá [na aldeia] não tinha energia elétrica, então levamos um equipamento de gravação de oito canais, portátil, com bateria", lembra Max.

"A única coisa que eu pedi para comunicar a eles é que eu sabia que o pessoal que toca esse estilo de música [heavy metal] fuma e bebe muito. Então pedi para eles não trazerem nada disso para fazermos um trabalho com respeito", diz o cacique xavante. "Eles aceitaram."

Max conta que, na chegada à aldeia, conheceu Cipassé e foi apresentado aos principais locais da aldeia, o local das refeições, o das cerimônias. A banda foi apresentada também aos indígenas mais velhos da comunidade, sempre cercados de uma molecada, que "ficou doida" com os visitantes e seus cabelos longos e tatuagens, segundo Max.

"Uma das coisas mais legais da minha carreira inteira foi quando o Cipassé pediu para a gente tocar uma música nossa para mostrar aos indígenas qual era no nosso som. Tocamos a música Kaiowas, do álbum Chaos AD, que é uma instrumental bonita feita de violão e percussão. A gente tocou, com 300 indígenas assistindo e eles pediram bis", recorda o músico.

"Esse foi um dos nossos registros mais legais e uma das vezes em que eu estava mais nervoso para tocar minha música, em frente aos 300 indígenas. Fiquei super nervoso tentando passar a imagem certa para eles, mas no fim eles adoraram."

Passados 25 anos e milhões de cópias vendidas depois, Max diz ainda ter orgulho do álbum "Roots". "A influência dele está em todo lugar, a gente vê nas bandas novas, principalmente no Gojira, no último disco deles. Eu sou super orgulhoso", diz o cantor e guitarrista.

Membros da banda de death metal Gojira estiveram inclusive no acampamento dos indígenas em Brasília, prestando solidariedade à luta dos povos originários. "Estamos aqui para mostrar aos povos indígenas que eles não estão sozinhos", declarou o baterista Joe Duplantier.

A luta dos povos indígenas contra o marco temporal

Os indígenas estão acampados em Brasília desde 22 de agosto, realizando a mobilização nacional "Luta pela Vida", organizada pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). O principal foco da mobilização é o julgamento da tese do chamado "marco temporal" no STF, que pode definir o futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil.

O marco temporal define que os indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que já eram ocupadas por eles antes da promulgação da Constituição de 1988. A decisão pode afetar mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país.

Os indígenas também estão em luta conta um projeto de lei da Câmara (PL 490, de 2017), que basicamente, impõe a mesma tese do marco temporal, além de abrir as terras indígenas para exploração de projetos do agronegócio, de mineração e empreendimentos de infraestrutura.

Assim como a faixa Itsári do álbum Roots apresentou a estrangeiros e brasileiros não indígenas a força da música Xavante, a mobilização indígena em Brasília trouxe para um público mais amplo o poder da canção Guarani.

Um vídeo com indígenas Guarani cantado a música Nhanderu Tupã viralizou nas redes sociais, ajudando a sensibilizar as pessoas para a importância da causa indígena.

O cacique Cipassé destaca a relevância da música para sensibilizar a opinião pública, mas se queixa da solidão dos povos indígenas na luta pela preservação de suas terras, que ele diz ser de interesse de todos os brasileiros e do mundo. Ele também critica a pouca atenção dada pela imprensa à mobilização dos povos originários contra o marco temporal.

"A luta pela questão da demarcação não é só para nós [indígenas], é para todo o povo brasileiro. Mas as pessoas não estão nem aí, falta apoio da opinião pública e da mídia, que parece toda controlada pelos ruralistas e pelos empresários", diz o líder xavante.

"Os indígenas e os simpatizantes não indígenas estão fazendo de tudo para colocar as nossas lutas nas redes sociais, mas quem deveria fazer esse papel é a imprensa. Por isso estamos lutando: para sensibilizar, para conscientizar a opinião pública, pois tendo apoio nós ficaremos fortes e teremos condição de combater", afirma.

"Hoje a gente se sente solitário, sem apoio. Parece que os brasileiros não sabem que os territórios que estão aí preservados na Amazônia prestam um serviço ao mundo inteiro. As mudanças climáticas estão aí e isso é fruto do desmatamento, da atividade do homem, a nossa luta é contra isso."

De volta à estrada após a pandemia

Mineiro de Belo Horizonte e nascido Massimiliano Antônio Cavalera, Max fundou o Sepultura com seu irmão Igor Cavalera em 1984. Devido a desavenças, rompeu com a banda em 1996, formando o Soulfly.

Agora, volta à estrada com o Soulfly nos Estados Unidos, após retiro forçado pela pandemia.

"Os shows têm sido maravilhosos, porque as pessoas estavam realmente com fome. Com aquele sentimento de que algo havia sido tirado delas à força e agora está sendo dado de volta. Então elas estão super animadas, super agradecidas", relata o músico.

"Eu estou super feliz, pois meu habitat natural é no palco. Foi legal dois anos em casa, passar aniversário com minha família, curti a casa e a família bastante. Mas está na hora de voltar a fazer o que a gente ama e essa turnê é só o começo", afirma.

"Ano que vem com certeza deve rolar turnê no Brasil", antecipa à BBC News Brasil.

Durante a pandemia, Max desenvolveu um projeto com seu filho Igor Amadeus Cavalera. Junto ao baterista Zach Coleman, da banda Khemmis, eles lançaram o álbum Go Ahead And Die.

Segundo o músico, trata-se de um trabalho mais político, com riffs "cheios de ódio contra um sistema que apenas beneficia os mais poderosos", conforme o material de divulgação do álbum.

"São letras de agora, do que está acontecendo no mundo hoje em dia: a brutalidade policial, a covid-19. Uma das músicas que eu mais gosto se chama Roadkill e fala sobre os moradores de rua, um assunto que não é muito abordado no metal e no rock em geral, mas nós cutucamos a ferida, mostrando que a maioria dessas pessoas são rejeitadas pela sociedade", afirma.

Em meio a essa fase mais politizada, numa entrevista em maio, Max comparou o presidente brasileiro Jair Bolsonaro com o americano Donald Trump.

"Ele [Bolsonaro] é meio que como o Trump, ele abraça as coisas negativas com orgulho. "Tem orgulho de matar pessoas, orgulho de matar os índios. É meio assustador porque ele tem orgulho dessas coisas", disse em entrevista ao podcast Landry.audio, conforme transcrito pelo site Blabbermouth.net (que se autodefine como "a CNN do heavy metal").

Questionado pela BBC News Brasil se continua a ver semelhanças entre os dois mandatários, Max prefere não entrar em polêmicas.

"Eu não moro no Brasil, então para mim fica um pouco difícil de fazer uma análise", afirma.

"Aqui nos Estados Unidos, tem muito fã do Soulfly que gosta do Trump, então a gente deixa isso de lado, porque independente do gosto político, a gente tem o metal. É igual religião, que ninguém discute, porque discutir só dá merda", acrescenta.

"Acho que aqui [nos Estados Unidos], está melhorando com certeza com o Biden. Um lance legal dele é que ele tem a experiência de toda a vida trabalhando para o país. O Trump era meio de fora, foi uma experiência. Acho que daqui a 100 anos vamos ver essa fase aqui como uma fase sinistra, um erro de experiência. Vamos dizer: 'Olha que coisa louca que a gente fez, a gente botou esse Trump para ser presidente e não deu certo'."

"É assim que eu vejo. E eu espero, logicamente, que no Brasil as coisas também melhorem".