OAB vai à Justiça contra 'paralisação' da Lei Rouanet no governo Bolsonaro
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) apresentou hoje, à 1ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, uma ação civil pública contra atos do governo Jair Bolsonaro (sem partido) que "têm por objetivo declarado o desmonte da cena cultural no país".
A entidade aponta que "ilegais limitações e indevidas intervenções" na aprovação de projetos submetidos à Lei Rouanet representam "evidente dano ao patrimônio público e social".
"Atos omissivos e comissivos de autoridades vinculadas à União Federal têm acarretado incalculáveis danos ao patrimônio público e social na medida em que violam as garantias fundamentais do direito à cultura e ao acesso à cultura, em total desrespeito à ordem jurídica vigente e aos compromissos internacionais assumidos pela Federação", sustentam os advogados na ação.
O documento de 36 páginas argumenta que "o não funcionamento" e a "paralisação" da Lei Rouanet lesionam a "dignidade do povo brasileiro, por conta do enfraquecimento de vínculos com os ideais, estéticas e símbolos que traduzem o real sentimento de pertencimento a um país e sua cultura, imprescindíveis ao bem comum".
Antes de questionar diretamente as medidas do governo federal, a OAB aponta como contexto a "notória guerra contra a cultura" travada pelo presidente Jair Bolsonaro. A entidade ressalta que, desde a campanha, Bolsonaro atacava a lei Rouanet.
Já com relação à sua gestão, os advogados lembram do rebaixamento do ministério da Cultura à secretaria e apontam a nomeação de pessoas "sem perfil técnico ou qualificação desejável" para a chefia do órgão — em menos de três anos de governo, a pasta já foi assumida por seis secretários.
O primeiro ato do governo federal questionado pela OAB é a "meta" estabelecida pela secretaria especial de Cultura de análise mensal de 120 novas propostas dentro da Lei Rouanet por mês, com 1.440 avaliações por ano.
Segundo a entidade de advogados, tal ação é, na verdade, "uma declaração ostensiva de intenção de ineficiência, uma assunção de que está sendo adotada uma 'operação tartaruga' no setor". O argumento se dá em razão do número de aprovações em 2020 — 4.492.
De acordo com a OAB, "fica absolutamente clara a deliberada intenção de reduzir para um terço o número de projetos aprovados por período".
A entidade ressalta que a consequência de tal "limitação drástica" no número de projetos é uma "redução gigantesca na produção cultural do país, em absoluta asfixia do setor", que vive quase que exclusivamente do mecenato — incentivo cultural com renúncia fiscal, um dos mecanismos de financiamento da Lei Rouanet.
Além da redução do número de projetos aprovados no âmbito da Lei Rouanet, a OAB também argumenta que há uma limitação "qualitativa", "com o intuito de privilegiar aqueles setores culturais que [o governo] considera mais 'nobres' ou 'dignos' de recebimento de fomento em razão de alinhamento político ideológico".
A ação também acusa "utilização" da pandemia da covid-19 como forma de limitar o setor cultural. Nessa linha, o documento registra duas medidas do governo federal: a suspensão da análise dos projetos nas localidades com restrição de circulação, considerando que, mesmo em quarentena, o projeto, uma vez aprovado, poderia ir sendo tocado até que as apresentações para o público sejam novamente liberadas; e a vedação à prorrogação dos prazos para captação de recursos sob a alegação de "que a pandemia não é considerada ocorrência de força maior".
Por fim, a OAB aponta um "ato omissivo" da União, o de ausência de publicação do edital de convocação para o biênio de 2021-2022 da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura). O grupo é a terceira "instância" de aprovação dos Projetos Culturais pela Lei Rounaet.
Os advogados também ressaltam que, em abril, o governo federal baixou uma portaria autorizando que o Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura "poderá sozinho praticar os atos que seriam de gestão exclusiva da CNIC".
Os pedidos da OAB para a Justiça Federal do DF são:
- Que o governo seja obrigado a finalizar a análise de 1566 propostas e 848 projetos, que estão "indevidamente represados", em até 30 dias;
- Que o governo seja proibido de limitar o número de propostas analisadas e de projetos culturais aprovados por período e atenda, no mínimo, às médias de quantitativos de análise e aprovação dos últimos cinco anos;
- Que o governo seja impedido de priorizar a tramitação de processos em função do segmento cultural vinculado, devendo ser dada a mesma prioridade de análise e aprovação a todas as propostas e projetos;
- Que o governo seja proibido de limitar a análise e aprovação de propostas e projetos em relação às localidades com restrição de circulação;
- Que o governo seja obrigado a autorizar as prorrogações de prazo de captação em razão da pandemia da covid-19 como motivo de força maior;
- Que o governo seja obrigado a publicar imediatamente o edital para convocação para o biênio de 2021 - 2022 da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura;
- Que o governo seja obrigado a aprovar todos os projetos que atendam os requisitos e as formalidades legais, nos termos da Lei;
- Que o governo seja obrigado a adotar medidas necessárias para o aumento da eficiência e da produtividade dos órgãos públicos federais ligados à cultura, em especial da Secretaria Especial de Cultura e das Entidades Vinculadas.
Até a publicação desta matéria, a reportagem entrou em contato, por e-mail, com a secretaria de Cultura, mas ainda não havia recebido uma resposta. O espaço está aberto para manifestações.
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