Governo está proibido de mudar sede e de controlar Cinemateca
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Depois de tentar na marra "pegar as chaves" da Cinemateca em São Paulo, e de ter o pedido recusado pela Fundação Roquette Pinto, por meio de ofício, o governo federal não desistiu e segue com suas manobras para tentar controlar o órgão.
A fundação (conhecida como Acerp) é responsável pela curadoria e manutenção da Cinemateca, que abriga o maior acervo de audiovisual e cinema da América do Sul.
Nos últimos dias, Mário Frias e Marcelo Álvaro Antônio, secretário de Cultura e ministro do Turismo, respectivamente, iniciaram uma nova tática.
Os dois passaram a defender não só tirar a Cinemateca de São Paulo e mudá-la para Brasíla, como também que o governo deve tomar as rédeas e passar a ser responsável pela entidade.
Bem, documentos oficiais —assinados pela União— e obtidos pela coluna mostram que Frias e Álvaro Antônio deveriam tirar seus equinos da intempérie. Segundo a lei, não vai ser no grito e nem na canetada que vão vencer.
Se os dois tivessem ao menos o trabalho de consultar a Advocacia Geral da União, já saberiam que seus planos ardilosos —mudar a sede ou ocupar a Cinemateca com apaniguados— são ilegais.
Não pode, não
A dupla não pode fazer nada do que planeja porque o termo de doação em 1984 (lavrado em escritura pública) de todo esse acervo à União, pela sociedade Amigos da Cinemateca, DETERMINA que a localização dela é São Paulo, e também IMPEDE o governo federal (seja ele qual for) de aparelhar o órgão com funcionários públicos ou assessores em cargo de confiança.
O termo de doação (feito por escritura pública) visou desde o princípio proteger o acervo e a memória audiovisual justamente de ideologias.
Ou seja, essas foram as condições impostas para que a doação fosse feita. E a União aceitou. Não pode voltar atrás agora. É uma decisão do Estado e nenhum governo temporário pode alterá-la, a não ser pela força de uma eventual ditadura.
Afinal, o importante na Cinemateca é a memória cultural e visual do brasileiro, e não partidos e correntes políticas, sejam quais forem.
E para os tradicionais "bolsonaristas", para quem tudo é culpa da "esquerda", já avisamos: esse documento foi assinado em 1984 pelo governo do militar João Figueiredo.
Se por acaso Frias e Antônio insistirem no plano de mudança e controle, uma chuva de ações judiciais pode cair sobre suas cabeças.
Não só da fundação Roquette Pinto, mas também da sociedade civil. Nesse caso, até que o caso fosse julgado, qualquer mudança ficaria suspensa.
Além disso o Ministério Público Federal já está investigando o governo federal nesse caso (leia mais abaixo).
Como diz um velho ditado, "estar no poder não significa poder tudo".
Filhotes do guru
Frias e Antônio são os mais novos (e cada vez mais raros) "porta-vozes" do "olavismo" no governo federal.
O "olavismo" é uma espécie de seita política comandada (muito) à distância pelo pensador e guru Olavo de Carvalho, hoje radicado na Virgínia, EUA.
Recentemente Frias e Antônio gravaram um vídeo "acusando" a Fundação Roquette Pinto de "impedir" que funcionários do ministério do Turismo (sob o qual a secretaria de Cultura está locada) entrassem no local.
Bazófia.
A verdade é que a Cinemateca já está fechada há meses justamente porque o governo federal deve quase R$ 14 milhões à fundação, e não há meios de manter o local.
No ano passado, o governo, por meio do ex-ministro Abraham Weintraub, decidiu parar de pagar o contrato e tentou rescindi-lo.
O repentino "interesse" do governo federal na Cinemateca, porém, ocorreu justamente depois que a Prefeitura de São Paulo e a Câmara dos Vereadores de São Paulo decidiram ajudar a entidade.
Começaram inclusive a pagar contas atrasadas do órgão.
Paranoicos, os bolsonaristas (e o próprio) já viram nisso uma ação coordenada do prefeito Bruno Covas e do governador João Dória Jr. (ambos PSDB) para prejudicar ou humilhar o governo federal.
Prefeito e vereadores estão cuidando para que o complexo de galpões que abriga o acervo (altamente inflamável), na Vila Clementino, em São Paulo, não siga ameaçado de se tornar uma tragédia histórica e incendiária como a que destruiu com o Museu Nacional, do Rio.
"Proposta indecente"
Enquanto isso, a última proposta do governo Bolsonaro à Acerp era de rescisão "amigável" de contrato, "perdão" da dívida e que a fundação Roquette Pinto se responsabilizasse e arcasse integralmente com a indenização referente à demissão de 70 funcionários especializados (há outros 80 terceirizados na Cinemateca).
A Acerp —obviamente— rejeitou a "proposta" e decidiu ir à Justiça.
Todo o caso —inclusive o calote e a tentativa de rescisão unilateral do contrato— acabou se tornando alvo de investigações do Ministério Público Federal, e estão em andamento.
A Acerp passou a colaborar está cedendo todos os documentos, ofícios e contratos referentes à Cinemateca aos procuradores.
O contrato (atualmente descumprido) entre o governo e a Acerp pela manutenção do acervo vai até março de 2021.
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