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Ricardo Feltrin

OPINIÃO

Opinião: "JN" pode ter perdido público devido ao seu próprio "ranço"

Colunista do UOL

13/12/2021 00h09

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Como a coluna publicou com exclusividade nesta segunda (13), o "Jornal Nacional" perdeu mais de 40% dos aparelhos de TV ligados no país neste século.

Então, ao menos duas em cada cinco TVs que em 2001 sintonizavam o principal telejornal da Globo no horário nobre, deixaram de fazê-lo nos últimos 20 anos.

Há vários motivos que podem ser listados para a perda de interesse num produto que monopolizou a atenção dos brasileiros nas décadas de 60, 70,80 e 90 e no início deste século, e que ainda é líder isolado de audiência (sempre bom lembrar).

Assim como ver a novela das "oito" (hoje a das 21h30), assistir ao "JN" era uma liturgia no país. Não é mais.

A perda de audiência do produto não é um fenômeno sazonal. Como mostra a matéria de hoje, ela se mostra constante e repetitiva como uma tendência, e não como um fato temporário ou isolado.

Ano após ano, o "jornalão" da Globo apresentado hoje por William Bonner e Renata Vasconcellos está perdendo cada vez mais o apelo (e a importância) junto ao telespectador de todas as faixas etárias —mas especialmente os jovens.

Ninguém gosta

Por que o "JN" se tornou um produto mal visto por muita gente? Aparentemente um amplo espectro de telespectadores não gosta mais do telejornal.

Sejam direitistas, esquerdistas ou até mesmo gente mais ponderada, para muitos o "JN" hoje é previsível e até meio que "surrado" em suas pautas.

Do ponto de vista estrutural parece que falta viço, vitalidade, energia. Ele cansa e traz quase "zero surpresas" de segunda a sábado. Sua linha editorial parece gasta.

Primeiro porque boa parte das notícias que ele exibe a partir das 20h30 de segunda a sábado já passou o dia todo no ar na internet, por exemplo.

Além disso, nos últimos anos o jornal tem dado cada vez menos "furos" jornalísticos —a principal "commodity" de qualquer veículo de comunicação e uma marca que já foi "registrada" do telejornal.

Agressão de um lado, ranço de outro

Outra característica que o "JN" adquiriu foi a de se tornar um veículo de "oposição" permanente. Ao ponto de parecer "rançoso"

Para este colunista, não é de hoje: isso começou lá por volta de 2016, último ano do governo Dilma, e se acentuou a olhos vistos a partir da eleição de Bolsonaro.

Não que esse governo ou outro mereçam qualquer nota positiva de rodapé, caros leitores.

Mas, como conclusões internas de uma pesquisa feita pela própria emissora em 2019 apontaram, mesmo que não aprovasse Bolsonaro e suas pautas, ainda assim a Globo viu que tinha necessidade —e talvez até obrigação— de continuar falando e exibindo conteúdo para os eleitores do presidente. Afinal, não dá para escolher público numa TV comercial.

Sem ingenuidade, por favor

Não vamos ser bobocas ou parvos. Bolsonaro tem tratado a Globo como lixo há anos.

E,pior ainda: há tempos já chegou ao nível da ignorância pura e simples, como ontem (12), quando "capangas" (não dá pra chamar de assessoria) do presidente agrediram uma equipe da Globo.

Não foi a primeira vez. Talvez a emissora devesse parar de colocar em risco a integridade física e mesmo a vida de seus repórteres na cobertura desses eventos inúteis voltados ao "umbigo" presidencial.

Seria mais coerente e seguro para seus funcionários. Esses eventos ultimamente nem são mais a notícia em si. Ela acaba sendo os maus tratos ou agressões recebidos por seus jornalistas. E depois dá-lhe editorial "repudiando" o tratamento.

Desde que assumiu o poder, uma das poucas promessas que Jair cumpriu foi exterminar com praticamente todo dinheiro público em campanhas publicitárias na emissora da família Marinho.

É possível inclusive que o governo federal tenha gasto mais dinheiro na "invisível", porém governista RedeTV este ano do que gastou na Globo.

Claro, pior para o governo também, que não vê suas obras e campanhas divulgadas nacionalmente. E, queira ou não, a Globo ainda é a maior potência das comunicações no Brasil.

Em contrapartida, a Globo meio que tem tratado Bolsonaro quase que da mesma forma com que é tratada. A diferença é que não o agride fisicamente e ele está no poder e sentado sobre o cofre de dinheiro.

Inimigos figadais

A emissora líder de ibope e faturamento sempre repete o "mantra" de que "dinheiro federal representava apenas 4% do (seu) faturamento".

Pode até ser, mas 4% pode ser a diferença entre fechar o balanço anual no prejuízo ou no lucro. Então, no final das contas, faz diferença, sim.

Além disso, lembremos que Bonner virou alvo da Receita Federal e teve de pagar uma obesa multa por supostas irregularidades na declaração (ele confirma a autuação, mas nega qualquer irregularidade).

E, vejam bem, Bonner é só um entre as dezenas de globais que estão sendo ou foram investigados pelo órgão.

Por que estou falando nisso?

Porque até para alguém apartidário e isento, vendo tudo do lado de fora, hoje é evidente —embora seja até justificável— o desgosto do "JN" (e da Globo) com o governo.

Sem julgar motivações, tampouco a razão, ponderemos que, se isso acabou "contaminando" o jornalismo —e o "JN"—, boa coisa não vai sair. Muito menos o equilíbrio necessário para qualquer cobertura.

Por fim, o futuro do "JN" e da Globo parecem cada vez mais incertos com o aproximar das eleições presidenciais de 2022.

Isso porque a emissora e o "JN" também são detestados por petistas e por Lula, o líder nas pesquisas e que não para de falar em "regulamentação da mídia" —um possível eufemismo para "intervenção" ou, no mínimo, intromissão.

Esse parece ser não só o grande sonho da direita, mas também o da "esquerda" brasileira.

A Globo caminha para uma sinuca. Aliás, talvez todos nós.

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