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Cerca de 15 anos atrás, mais ou menos, a TV Globo descobriu que tinha um problema sério para resolver em seu quadro de funcionários.
Sua dramaturgia sempre foi a melhor do Brasil e teve melhores atrizes, atores, coadjuvantes, cenógrafos, diretores, novelistas; tudo ali era e está no nível da excelência.
O jornalismo da casa, também. Repórteres gabaritados e reconhecidos e premiados nacionalmente, traziam furos jornalísticos a todo momento, em quase todos os telejornais da casa (hoje nem tanto).
Os programas de auditório, por sua vez, eram líderes de audiência no Brasil. Não havia ninguém que ameaçasse suas atrações, exceto Gugu Liberato que, durante um certo período, nos anos 90, rivalizou com o ibope do "Domingão do Faustão".
A Globo também sempre teve os direitos exclusivos de transmissão dos principais eventos esportivos do mundo, e equipes de primeira linha nessa área também.
Qual o problema, então?
Pois bem, que problema sério a Globo poderia ter para resolver com tanta riqueza, bons profissionais, infraestrutura e qualidade de conteúdo?
O problema se chamava "Galvão Bueno".
Diretores da emissora da família Marinho perceberam que o principal jornalista e locutor esportivo era provavelmente seu único "ponto fraco". Porque era único em sua área.
Sim, a Globo já tinha Cléber Machado (sondado insistentemente pela RecordTV no passado), assim como hoje tem o empolgado Luiz Roberto e o divertido Milton Leite no grupo.
Mas, nenhum deles tinha ou tem o carisma, alcance e apreciação do público como Carlos Eduardo Galvão Bueno dos Santos.
Tudo isso não saiu das vozes na cabeça dos executivos da Globo, e sim daquela que foi provavelmente a primeira ou uma das primeiras pesquisas qualitativas feitas especificamente sobre o esporte da casa.
Público feminino
O que mais chamou a atenção, na época da pesquisa da Globo, foi que nenhum de seus locutores tinha tanta aprovação com um público normalmente afastado do esporte televisivo: mulheres!
Segundo esta coluna apurou à época, muitas entrevistadas afirmaram que, a despeito de não entenderem ou gostarem de futebol (ou F1 ou qualquer ou qualquer outro esporte), elas gostavam de acompanhar a Copa e outros eventos narrados por Galvão.
Opinaram que a forma didática, alegre, irônica e até piadista de sua locução atraíam e tornavam qualquer evento compreensível por elas. Principalmente as donas de casa.
Vejam bem: não estou dizendo que Galvão era uma unanimidade naquele tempo, assim como não é hoje.
Se tem algo que infelizmente sempre vai existir no mundo são os "haters" (odientos, em tradução livre); essa gente (frustrada) que ataca qualquer pessoa que se destaque, e não só na TV.
Mas, o que a pesquisa mostrou de mais importante, foi uma dura verdade dura para a Globo: as telespectadoras não lembravam o nome de mais nenhum locutor esportivo da Globo.
A emissora descobriu que uma de suas estrelas era absolutamente incomum. Simplesmente não tinha substitutos. Tal descoberta causou certa alegria, mas também pavor.
Foi como se uma empresa descobrisse de repente que um de seus executivos conhece tanto de sua área e se tornou tão imprescindível que, se ele ficar doente ou precisar se afastar, todo o setor sentirá o baque. Inclusive os "consumidores" (no caso, telespectadores)
Procura-se um locutor
Tendo aprendido isso, a Globo fez algo inédito: estreou uma "oficina de locutores", nos mesmos moldes que por décadas fez com sua "oficina de atores" (hoje extinta).
O objetivo era descobrir, assim como na dramaturgia, alguma nova voz e novo rosto que pudesse, um dia, engrossar seu quadro de locutores. Quiçá ser um substituto à altura de Galvão.
A coisa ficou tão complicada que, depois de cerca de um ano de "oficina", a Globo apenas desistiu de achar uma "nova voz" e passou a "caçar" possíveis narradores em outras emissoras e veículos, como o rádio.
O resultado: fracasso
A emissora nunca descobriu nenhum novo talento da narração esportiva à altura desse senhor que hoje tem 72 anos e que, entre outras coisas, produz um vinho premiado (investimento que quase o levou à falência, inclusive).
Quinze anos depois, o "problema Galvão" não só continua insolúvel como subiu um degrau. A Copa do Catar será sua despedida das narrações esportivas.
Tanto ele é especial para a Globo que, ao lado de Cid Moreira, terá um contrato vitalício. Ela não quer que ele jamais pise em mais nenhuma emissora. Vai manter a relação contratual como uma espécie de parceria, como esta coluna publicou. Além disso ele atuará em outras áreas, como a internet, além da TV.
Luciano, o Bolacha
Não é possível deixar de lembrar o saudoso Luciano do Valle (1947-2014) neste texto.
Do ponto de vista prático, não há dúvidas que Luciano certamente fez muito mais para o esporte nacional do que Galvão.
O vôlei e o basquete brasileiros, talvez, só chegaram ao patamar atual por causa da visão e investimento (emocional) do ex-locutor da Band. Até a sinuca Luciano conseguiu popularizar. Sua importância é indiscutível.
Além disso, o "Bolacha", como era chamado amorosamente por seus muitos amigos, tinha um estilo de narração empolgante e único também. Quando Galvão chegou na Globo, a estrela do microfone era (merecidamente) ele.
Mas, nem mesmo ele atingiu tanto um dos públicos mais valiosos —se não o mais valioso— da TV: as telespectadoras (e até as crianças).
A verdade é que Galvão transcendeu o esporte. Assim como Sílvio Santos, Fausto Silva, Gugu Liberato, Jô Soares ou Xuxa, goste-se ou não, ele já está no panteão dos maiores comunicadores brasileiros de todos os tempos.
Galvão Bueno ainda nem foi embora, mas já está fazendo falta. Merece nosso agradecimento.
Ricardo Feltrin no Twitter, Facebook, Instagram, site Ooops e YouTube
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