Bolsonaro está 'assustado' e mais enfraquecido do que se imagina, diz Paulo Coelho na ONU
O escritor Paulo Coelho, embaixador da Paz da ONU, disse hoje que Bolsonaro está "assustado" e "acredita que ele esteja muito mais fraco do que a gente imagina". "Ele não está com essa bola toda, não", enfatizou.
"Ganhar e perder faz parte da vida, mas ameaçar como ele está ameaçando que só vai aceitar o resultado das eleições se ele ganhar, isso já é um sinal de total fraqueza. A fraqueza de alguém que sabe que está sozinho", disse o escritor que, após dois anos sem dar entrevistas, voltou a falar hoje em público de maneira virtual.
As críticas foram feitas em evento paralelo da 47ª Sessão no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Com o tema "A erosão da liberdade de expressão no Brasil", o encontro online, organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), alertou a comunidade internacional sobre os ataques do governo à liberdade de expressão no Brasil.
Segundo o escritor, "Bolsonaro só gosta de pessoas que dão notícias boas", chamando o presidente de "pequeno aspirante a Stálin".
"Eu acredito que as pessoas chegam no Palácio e não dizem o que elas tinham que dizer. Se disserem alguma coisa que ele não gosta, ele manda embora. É que nem o terror que era o Stálin. Acho que Bolsonaro está cercado de gente que só lhe dá boas notícias."
Essa situação, segundo Paulo Coelho, lembra uma história famosa, "A roupa nova do rei", um conto de fadas do dinamarquês Christian Andersen.
"Dois costureiros chegaram ao palácio e disseram: nós fazemos uma roupa maravilhosa com fios invisíveis. Eu acho que o Bolsonaro está um pouco assim. E um garotinho disse: o rei está nu."
"O rei está nu e eu não acho que Bolsonaro está com todo esse poder", insistiu o escritor. "Pela primeira vez, ele está sendo associado à palavra corrupção. Ele escapava, mas, de repente, a CPI está trazendo uma corrupção dentro do governo. O rei está nu." Segundo Paulo Coelho, se olharmos para Bolsonaro, veremos "um homem assustado, com medo".
"Um homem ataca dessa maneira porque é a maneira que tem para reagir. Mas, hoje, é um homem com medo", afirmou, dizendo que se fosse médico do Palácio, daria um chá de camomila para o presidente.
"Quando as pessoas começam a esbravejar, meu amigo, a coisa está mal. Ele está assustado, reparem os olhos dele: são olhos de um homem com medo."
O escritor disse também que, atualmente, existe uma vitimização que ele não aceita.
"Nós não éramos vítimas, nós não somos vítimas. Nós não recebemos essa liberdade deles. Conquistamos nossa liberdade com sangue, suor e lágrimas", lembrou, recordando, por exemplo, que o pai de Felipe Santa Cruz, da OAB, é um desaparecido político da ditadura.
Paulo Coelho contou que depois que foi preso e torturado, demorou uns sete anos para "colocar as peças de novo juntas, mas coloquei".
"São batalhas que acabam com você ou te fazem mais forte. Nesse caso, me fizeram mais forte."
Felipe Neto: "Brasil vem sofrendo grande ameaça"
Felipe Neto, youtuber e empresário que foi atacado por criticar a gestão do presidente Bolsonaro, disse que estamos vivendo "tempos sombrios no Brasil".
Felipe disse que nunca buscou uma posição de destaque no debate político nem em debates sociais, por ser um youtuber de comédia e entretenimento, mas que foi sendo "impossível olhar para o que está acontecendo hoje no Brasil e não se indignar".
"A única razão pela qual eu fui alçado a essa posição de estar aqui hoje foi pelo silêncio de muitos artistas e influenciadores. O silêncio covarde, o silêncio de quem deveria ter se posicionado que, por medo, por receio de perder seguidores, de ter críticas ao seu nome comentadas na internet, calaram suas bocas num momento em que mais era importante que eles falassem alguma coisa."
Críticas a artistas e influenciadores que estão em silêncio
Comentando a frase de Paulo Coelho sobre os artistas terem se unido na ditadura e criado músicas e driblado a censura, Felipe disse que "o que nós vemos hoje, no Brasil, infelizmente, é um cenário um pouco mais assustador".
"Quem lidera a música hoje no Brasil são os cenários do sertanejo, do funk. O da música popular brasileira perdeu muita força, infelizmente, embora ainda tenha, e grandes artistas estão junto com a gente. Mas outras partes da música se omitiram completamente. Quando não se omitiram, se aliaram ao presidente e isso eu nunca tinha visto. Sempre olhei para a arte como um sistema de resistência a opressores, nunca tinha ouvido falar da arte ser aliada da opressão. Mas hoje, o que a gente tem visto no Brasil é isso", afirmou, acrescentando que juntos com alguns artistas, pseudojornalistas, "nós temos parte da imprensa dando voz a essas pessoas e comunicadores digitais que defendem ou se calam."
"E o silêncio pode ser tão perigoso, tão problemático para o nosso país quanto a aliança com Jair Bolsonaro. O silêncio desses influenciadores foi que me colocou na posição onde fui colocado, porque eu não falei nada demais. Eu só tenho muitos seguidores. Se essas outras pessoas com muitos seguidores também tivessem se posicionado, estaríamos juntos. Mas a grande maioria optou pelo silêncio", afirmou.
O youtuber disse que "cresceu com o medo de que a ditadura pudesse, um dia, voltar", mas que foi percebendo uma mudança de narrativa com as novas gerações em que "os jovens foram começando a ouvir outras pessoas, talvez um pouco mais velhas, trazendo discursos mais brandos a respeito da ditadura no Brasil".
"De repente a gente se vê numa situação onde, por conta do advento da tecnologia da comunicação, esses pequenos grupos que promoviam esses discursos violentos, que gostavam de lembrar saudosamente dessa violência, encontraram eco e conseguiram eleger figuras nefastas em países que nós não imaginávamos que fosse possível. O Brasil é um deles, como foram os Estados Unidos. Nós temos, realmente, uma situação extremamente alarmante", disse.
Felipe Neto falou também sobre como "o movimento bolsonarista gosta de inverter a narrativa para que sejam eles os perseguidos".
"Nós temos nesse momento a ameaça de um decreto a ser lançado pelo presidente da República que visa proibir que redes sociais possam deletar conteúdo ou banir contas no Brasil. Eles dizem que isso é defender liberdade, que um neonazista tem a liberade de fazer publicação de supremacia, que defensores do governo Bolsonaro possam promover seu ódio, sua violência, suas mentiras, e que nada disso possa ter qualquer tipo de sanção das plataformas. Isso é um ataque direto à democracia, tudo isso fantasiado de defesa da liberdade", afirmou ele, que tem mais de 40 milhões de seguidores nas redes sociais.
Segundo o youtuber, "é importante que o mundo saiba que o Brasil está sob uma grande ameaça". Ele ainda ressaltou que tem a mesma idade da Constituição brasileira.
Ataques sistemáticos a jornalistas
Laura Greenhalgh, diretora-executiva da Comissão Arns, chamou atenção para o fato de o presidente Jair Bolsonaro estar na "lista vermelha" divulgada pela ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) de líderes contrários à liberdade de imprensa, "ao lado de alguns tiranos e ditadores". Citando dados de 2020 da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT), Laura informou que 68 jornalistas foram alvos de ofensa, 39 deles com agressões físicas.
"O presidente envia a seguinte mensagem: a imprensa não é confiável, jornalistas não são confiáveis, então, a imprensa não deveria existir", disse, lembrando dos ataques feitos pelo presidente a jornalistas, entre elas Patrícia Campos Mello, vencedora do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa de 2019. A repórter e colunista do jornal "Folha de S.Paulo", que também participou do evento, foi alvo de agressões e ameaças do governo federal brasileiro por suas reportagens sobre a disseminação de notícias falsas nas redes sociais por assessores e empresários que apoiam Bolsonaro.
Também participaram do evento, transmitido online, Pierpaolo Cruz Bottini, professor livre-docente de Direito da USP e coordenador do Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB Nacional; José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça do governo FHC e presidente da Comissão Arns, e Felipe Santa Cruz, advogado e presidente da OAB.
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