"Ainda Estou Aqui", filme de Walter Salles Jr. que está causando alvoroço, conta a história da família de Rubens Paiva, um político que foi arrancado da sua casa no Rio de Janeiro em 1971 e morto pela ditadura militar.
Além de levar o cinema brasileiro para o páreo do Oscar, o filme tem o mérito de trazer novamente para o debate esse período da história que parece distante, mas que insiste em se mostrar bem próximo.
O golpe que derrubou o presidente João Goulart fez 60 anos em março. Moralista, o regime instalado fortaleceu a censura governamental, que de uma maneira ou de outra já se fazia presente na sociedade.
Com a Constituição de 1967, nasceu o DCDP (Divisão de Censura de Diversões Públicas) e foi popularizada a figura do censor. Com o AI-5, em 68, a censura prévia das obras é imposta. Em 70, o decreto Leila Diniz inventava o "material subversivo à moral e aos bons costumes".
Estava tudo cercado. E os artistas tinham que se adaptar.
Roberto Carlos cantava suas novas músicas ao telefone para os censores para saber se valia a pena mandar para o crivo ou se ia sofrer alteração.
Silvio Santos visitava a Divisão de Censura e Diversões Públicas de São Paulo com frequência para reclamar e receber orientações de um amigo.
Chacrinha se sujeitou a adaptar seu programa para não sair do ar. E o problema nem eram só as chacretes rebolando. Nem o bacalhau passava.
Grandes figuras da mídia eram obrigadas não só a conhecer, mas a negociar com os censores federais.
Mas engana-se quem pensa que eles eram generais "malvados", envolvidos com torturas ou outras práticas ditatoriais. Os censores eram funcionários públicos comuns, de cargos considerados simples. Muitos foram remanejados ao setor após trabalharem em departamentos relacionados às pastas de Educação ou Comunicação.
"Eu prestei o concurso pra Polícia Federal, pra censura. Meu irmão já era delegado federal. Ele estava em Ilhéus. Pra telefonar pra Ilhéus era o dia inteirinho. Ele vivia em Brasília. Falei, vai abrir concurso em Brasília, você pode se informar pra mim? Deu na televisão, mas não sei de pormenores", conta Maria Aparecida Coelho, 81. "Prestei, passei e fui pra Brasília fazer um curso rápido. O de delegado durou 9 meses, o meu, 3 meses."
Antonio Fernando de Sylos, 84, considera-se comunista desde os 15 anos e construiu carreira no jornalismo até compor o departamento de censura pouco antes do golpe militar. Ele avaliou peças de teatro na maior parte do tempo em que trabalhou em Brasília, entre 1964 e 1970, quando não aguentou mais e se desligou. "A pressão ficou muito forte e eu me mandei embora."
A historiadora Miliandre Garcia acha "exagero" dizer que havia pessoas de cabeça aberta na censura. "Mesmo o sujeito considerado 'melhor' para se dialogar entre os censores era muito conservador. Achar que a censura tinha pessoas que estavam ali somente para trabalhar é um pouco de exagero."
Splash analisou mais de 100 documentos assinados por técnicos da Divisão de Censura e Diversões Públicas. A reportagem localizou quatro pessoas que desempenharam a atividade em São Paulo e Brasília. Músicos, historiadores e especialistas também comentaram sobre o trabalho dos "fiscais do silêncio" —os responsáveis por censurar músicas, livros, filmes, peças de teatro e propagandas.