Djavan: 'Nasci para vencer'

Alagoano lança disco ao vivo e reflete sobre trajetória: 'Eu não tive vida fácil em momento algum'

Ricardo Pedro Cruz De Splash, em São Paulo Tainá Cavalcante/Divulgação

Djavan, 75, atravessou um "oceano", parafraseando a canção eternizada na voz do artista, para transpor as dificuldades do contexto em que nasceu. Pobre, preto e dono de uma produção artística nada óbvia, o cantor natural de Maceió (AL) tinha uma única certeza no começo da carreira: a música.

Eu nasci músico e desde sempre percebi que eu ia ter dificuldade, mas que eu ia conseguir, porque eu nasci músico e isso era irremediável. Não tinha outra alternativa. Eu ia viver de música porque eu nasci músico. Todas as dificuldades que eu tive por ser negro ou por ter uma música que não era muito usual, eu sabia que eu ia vencer, porque eu nasci para vencer.

Djavan

O compositor, que acaba de lançar o álbum "D - Ao Vivo em Maceió", reflete sobre a própria trajetória em entrevista exclusiva a Splash. Ele fala da origem, do flerte com o futebol, das consequências do racismo, das imposições do mercado fonográfico, do diagnóstico de tremor essencial (distúrbio neurológico do movimento que geralmente afeta as mãos) e dos desafios do mundo contemporâneo.

Assista em primeira mão ao clipe de "Ventos do Norte", faixa do disco de estreia, de 1976, em formato inédito de voz e violão. A produção estreia hoje, 12h, no YouTube.

Músico por destino

Reprodução

O primeiro contato com a música aconteceu ainda na infância, inspirado pela mãe, dona Virgínia, que puxava o canto à beira do rio onde lavava roupa.

"A minha mãe era muito musical. Ela tinha esse dom da música. Mas ela tinha essencialmente o dom da alegria. E ela via em mim, já naquela época, o dom para a música."

Divulgação

Era como se o "destino" já estivesse traçado.

"Eu nasci para a música e, desde sempre, eu fui levado a ela, pela minha mãe, pelo meu próprio instinto, pelas coisas que eu via. As coisas que chegavam aos meus ouvidos, quando eu era muito jovenzinho. Então foi uma vida marcada pelo destino."

Reprodução do Facebook de Djavan

Passagem pelo CSA

Djavan até flertou com o futebol, esporte para o qual "levava jeito" no início da adolescência, mas foi arrebatado mesmo pelo som do violão.

"A música é tão importante na minha vida que o futebol, que foi muito importante durante um período, eu até esqueço de citá-lo. Mas, realmente, eu joguei futebol e as pessoas diziam, na época, que aquilo ia ser o meu futuro pelo talento que eu demonstrava."

"Eu não tive vida fácil"

Divulgação

Ele afirma que se sente mais cobrado a dar explicações sobre a própria música e vida por ser um homem negro.

"Acho que o negro nasce com essa cruz, digamos assim, que é você transpor todas as dificuldades que são inerentes ao negro. Sobretudo, quando ele é uma pessoa que tem uma visão do mundo, das artes, ele é muito mais exigido sobre dar explicação, para poder ser aceito."

Reprodução / Internet

Cantor lembra da estranheza que seu som e suas letras causaram lá no início.

"A minha música, desde o início, despertou uma polêmica que girava em torno da não compreensão musical de algumas pessoas. A minha maneira de escrever foi, durante um período, uma coisa que despertou também uma polêmica grande. Enfim, eu não tive vida fácil em momento algum."

Livre de distúrbio

Músico afirma que os sintomas de tremor essencial, distúrbio neurológico diagnosticado em 2022, ficaram no passado.

"Na época, mesmo na época, assim que recebi o diagnóstico, eu comecei a tratar. Fiquei bom. Eu nem lembrava mais disso. Para você ter uma ideia de quanto consegui debelar esse problema."

Tempos de desafios

Hannah Carvalho/Divulgação

Djavan defende que o mundo está mais desafiador.

"A gente tem acesso a facilidades, digamos assim, que não tínhamos há 20, 30 anos. E essas facilidades trouxeram em seu bojo grandes dificuldades. A internet é uma dificuldade muito grande, apesar de ser tudo que a gente sabe. De nos proporcionar uma velocidade aguda em tudo que você queira fazer."

Lewy Moraes - 1º.abr.1984/Folhapress

Ele também acredita que criar filhos --Djavan tem 5-- ganhou novas camadas de dificuldade.

"É uma loucura. É muito difícil. Como você vai conter toda a atração que a internet disponibiliza? Sobretudo para a garotada. Então, para os pais, a internet é um horror nesse sentido. E ela é tudo de bom também no que a gente sabe. Então, hoje em dia, viver tornou-se muito bom e muito ruim por causa dessas questões. Agora, eu sempre adorei o desafio."

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