Grande baile black

Com Lauryn Hill, Chic Show 50 Anos homenageia festa que foi referência para a identidade negra, no sábado (13)

Camilo Rocha Colaboração para Splash, em São Paulo Divulgação
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Em abril de 1968, Martin Luther King Jr., principal ativista pelos direitos civis negros nos EUA, foi assassinado a tiros.

Nas Olimpíadas daquele ano, atletas negros americanos ergueram seus punhos cerrados no pódio, na saudação associada ao Poder Negro.

Em São Paulo, Luiz Alberto da Silva, o Luizão, criou uma equipe de bailes para jovens negros.

Esse baile era a Chic Show, que faria seu primeiro grande evento em 1974 no Ginásio do Palmeiras, espaço que hoje se situa debaixo de um dos gols do campo do Allianz Parque.

Em 13 de julho, o festival Chic Show 50 Anos acontecerá no estádio para celebrar o aniversário do baile que é referência para a identidade negra na cidade.

"O evento pegou o lado emocional de todo mundo. Para quem viveu aquela época, esse evento vai trazer muitas recordações", acredita André Matalon, sócio da Music On, produtora responsável pelo festival. "E ainda tem o gancho da Chic Show de volta ao Palmeiras."

Aaron J. Thornton/Getty Images

O festival traz a cantora americana Lauryn Hill como atração principal. Seu ex-parceiro no grupo Fugees Wyclef Jean também se apresentará, além de YG Marley, filho de Hill que este ano entrou para o Top 50 Brasil do Spotify com a música "Praise Jah In the Moonlight".

Jimmy 'Bo' Horne, hitmaker do funk e da disco dos anos 70, é outra atração do festival. O lado nacional também vem estrelado, com Rael, Mano Brown, Criolo e Sandra de Sá.

Nas décadas de 1970 e 1980, os lambe-lambes da Chic Show eram presença regular nas paredes da cidade. Eram anúncios de bailes com atrações nacionais e internacionais do soul e do funk americano, também chamada então de "black music".

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Nomes como Tim Maia, Jorge Ben, Gilberto Gil, Racionais MCs, James Brown, Chaka Khan, Earth, Wind & Fire, Kurtis Blow e Public Enemy eram expostos assim ao público geral. Na década de 1990, a Chic Show foi fundamental no desenvolvimento do pagode na cidade com shows de grupos como Raça Negra, Exaltasamba e Soweto.

A Chic Show se tornou uma marca e empreendimento de sucesso, mobilizando dezenas de milhares de jovens, além de impactar economicamente toda uma cadeia de negócios, de comerciantes perto dos bailes aos cabeleireiros black do Centro da cidade.

Apesar disso, nunca conseguiu contar com uma marca patrocinadora. "Eu sempre digo que nosso patrocinador era o jovem negro. Ele nunca deixou a gente na mão", disse.

Splash conversou com o Luizão para relembrar alguns momentos chave da fase inicial da Chic Show.

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Os primórdios

"Eu não comprava roupa, só comprava disco", diz Luizão, que na década de 1960 andava para cima e para baixo com seus LPs e compactos debaixo do braço. Era presença constante em aniversários e casamentos em bairros como Vila Madalena (na época, um bairro dominado por pequenas casas), Butantã, Pinheiros, Lapa e Barra Funda.

Seu trabalho foi ficando mais reconhecido até que ele foi convidado para tocar em um encontro das escolas de samba na São Paulo Chic, uma casa de samba na rua Lopes Chaves, da Barra Funda. Deu muito certo e ele começou a fazer ali um evento aos domingos.

"A gente levava cerca de 1.500 pessoas todo domingo, enchia a rua da frente, passamos a ter contato com jovens negros de todas as regiões de São Paulo", descreve. Uma base sólida de público estava sendo construída para a Chic Show.

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O primeiro grande baile

Certo dia, Luizão foi a um baile de formatura no Ginásio do Clube Palmeiras, no bairro classe média da Água Branca, em São Paulo.

"O Palmeiras era um lugar de elite, um lugar onde pessoas negras não achavam que poderiam fazer um baile", contextualiza. Foi por meio de uma conexão improvável que a porta se abriu.

Um homem que trabalhava para o juizado de menores fiscalizando o baile de Luizão (esses personagens eram comuns na época da ditadura) disse que conhecia o diretor social do Palmeiras, que também era juiz. "Esse diretor era muito boa praça e insistiu com a diretoria até conseguir."

O primeiro baile no Palmeiras teve Jorge Ben Jor (então Jorge Ben) como atração e levou 15 mil pessoas, de acordo com Luizão. Essa era a capacidade do ginásio. Segundo o produtor, todas as vezes a lotação era atingida, quando não ultrapassada.

Nunca tinha cantado para tanta gente preta junta!

Jorge Ben Jor, cantor, no documetário 'Chic Show'

Ele lembra que em uma das vezes em que Tim Maia se apresentou no local, o público excedente chegou a arrebentar as grades para tentar entrar.

Muitos associados do Palmeiras viam com maus olhos a presença daquele evento negro no clube. Mas era um caminho sem volta. "O baile começou a trazer muito dinheiro para o clube, ajudou até a comprar jogador", garante Luizão.

A memória, ela é poder. E, se essa memória começa a ficar cada vez mais distante, as pessoas começam a esquecer quem elas são. A gente precisa saber disso, mano!

Emicida, rapper, no documentário 'Chic Show'

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Baile na ditadura

Luizão lembra do aspecto de resistência que a Chic Show representava ao realizar eventos com milhares de jovens negros durante os anos da ditadura militar. "A polícia militar era muito difícil com o nosso público. As pessoas que iam nos nossos bailes eram trabalhadoras, o problema é que eram pretas", ironiza.

Ele conta que havia todos os tipos de perseguições possíveis: comando, blitz, enquadro, Rota. O baile do Palmeiras terminava às 4h da manhã e era muito complicado ir para casa depois por conta dessa possibilidade de um encontro infeliz com a polícia. As autoridades militares e policiais viam com desconfiança também o possível caráter político desse tipo de encontro. A cena dos bailes blacks do Rio chegou a ser monitorada pelos agentes da repressão na década de 1970.

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A vinda de James Brown

O recorde de público dos bailes aconteceu em 1978, quando a Chic Show trouxe James Brown para se apresentar. Cerca de 22 mil pessoas, excedendo em quase 50% a capacidade do Ginásio do Palmeiras, foram assistir o cantor e músico que era na época a expressão máxima da música soul e funk.

"Quando a gente anunciou que ele viria, o povo achava que era mentira", recorda Luizão. Era um tempo de raros shows internacionais no país e o produtor lembra que trazer um artista internacional desse porte para o jovem negro da periferia na época era algo sem precedentes.

Brown veio completo para a apresentação, com uma banda de 22 componentes, incluindo dançarinas. Os lambe-lambes espalhados pela cidade anunciavam "O maior balanço do mundo" em "Única apresentação para os blacks paulistas".

Bennett Raglin/Getty Images

Chic Show 50 Anos

Com shows de Lauryn Hill, YG Marley, Wyclef Jean, Jimmy "Bo" Horne, Mano Brown, Criolo, Rael, Sandra de Sá e DJs Luciano, Grandmaster Ney e Preto Faria

Quando: sábado, 13/7, às 13h20

Onde: Allianz Parque (av. Francisco Matarazzo, 1.705 | R. Palestra Itália, 200, São Paulo, SP)

Quanto: a partir de R$ 200

Classificação: 16 anos

Ingressos à venda pelo site da Tickets On.

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