Rainha do funk

Kamilla Fialho encarou o machismo de frente e se transformou em uma das maiores empresárias musicais do país

Lola Ferreira Colaboração para Splash, no Rio Zô Guimarães/UOL

Quem quer estourar música não adianta vir. Eu não tenho a menor ideia de como fazer.

Pode ser chocante ouvir tal frase de uma empresária musical do naipe de Kamilla Fialho, 39, mas, para ela, o que está por trás de um artista bem-sucedido é mais importante do que o primeiro lugar nas paradas.

Com quase 20 anos de carreira, Kamilla é conhecida por catapultar nomes como Naldo, Anitta, Lexa e MC Rebecca, além de profissionalizar artistas como MC Sapão. É uma das principais empresárias de funk do país e, hoje, vê sua companhia, a K2L, atingir outros ritmos.

Na juventude, a trajetória de Kamilla apontava para outro caminho. Ela foi vendedora, recepcionista de eventos e apresentadora de programa de funk. "Meu objetivo sempre foi empreender, fazer dinheiro, criar algo novo."

Mas a gravidez mudou tudo e a jogou para os bastidores: "Fui para a geladeira, porque mulheres grávidas eram descartáveis." Com isso, fez nome ao descobrir e ajudar a formar profissionais de um gênero ainda mais marginalizado à época.

De lá para cá, sofreu preconceito por suas fotos de biquíni ("não era levada a sério"), enfrentou crises que ganharam a mídia —como o rompimento de seu contrato com Anitta, que hoje é página virada— e, na pandemia, teve de recalcular a rota. "Como eu me reinvento de novo?"

Mas aprendeu a se colocar como prioridade, fez as pazes com as crises ("elas sempre vêm") e vê sua filha Tília, de 17 anos, fruto do seu relacionamento com Dennis DJ, seguir uma carreira que, ironicamente, nunca imaginou: a de cantora. Em entrevista a Splash, Kamilla abre o jogo sobre funk, carreira e o que faz seu coração bater mais forte.

Empresariar é vender gente

"Eu trabalho desde os 15 anos, era vendedora de shopping. Já trabalhei em duas lojas ao mesmo tempo. Depois, virei apresentadora do programa da Furacão 2000 e fazia eventos. Ficava 12 horas de salto, sorrindo para todo o mundo. Ganhava uma graninha, mas meu objetivo sempre foi empreender, fazer dinheiro, criar algo novo.

Quando acabou meu contrato com a Furacão, eu estava grávida. Já tinha assinado com outra emissora, mas fui para a geladeira, porque, naquela época, mulheres grávidas eram descartáveis. Como eu estava à frente das câmeras, era: 'Você vai engordar e, se vai engordar, não cabe'.

Fiquei sem saber o que fazer: grávida, perdida, aos 22 anos. Então, o pai da minha filha sugeriu que eu empresariasse o MC Sapão (1978 - 2019). Eu já era da Furacão e conhecia todo o mundo, mas insisti que não sabia empresariar. O Dennis me disse: 'Você é vendedora. Empresariar é vender pessoas. Com o resto você vai se adaptando e batendo cabeça'.

O funk não era profissional naquela época, então bastou vir uma pessoa que atendesse o telefone, abrisse um CNPJ e assinasse contrato para pensarem que eu tinha a fórmula mágica."

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Virar um homenzinho

"O funk era dominado por homens. O meu começo foi muito difícil, eu sofri para caramba. Tinha que fingir que gostava de ser seduzida numa reunião para ser respeitada. Depois, fui virando um 'homenzinho': comecei a falar como eles. Fui ficando cinza, é muito estranho e muito ruim.

Mas eu me mantive ali. Eles questionavam minhas fotos de biquíni. 'Como uma empresária que quer ser respeitada posta foto de biquíni?' Eu ouvi isso por muitos anos, como se não pudesse ser competente no que faço. Mas, para o desespero deles, eu sou.

Hoje eles me respeitam, graças a essa luta dos últimos 15 anos. Eu sou a prova de que existem mudanças acontecendo. Vivi um reflexo absurdo desse preconceito e hoje sinto o respeito, o medo dos homens numa reunião. Adoro isso, porque agora ninguém questiona o que eu falo e faço. Muito menos as minhas fotos."

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Quando abre uma porta, todo o mundo entra

"Há 10, 15 anos, eu não conseguia uma gravadora que considerasse o funk música. A gente conseguiu entrar numa gravadora com o Naldo, que trouxe bastante pop e um olhar que não existia. E quando abre uma porta, entra todo o mundo. A Anitta, em seis meses, já tinha superado os números de três anos do Naldo.

As coisas mudaram principalmente porque alguns artistas quiseram ajudar a mudar. A Anitta teve um papel fundamental nessa mudança de pensamento sobre o funk. Ela diz e é verdade: os funkeiros escrevem o que eles veem.

A parte que eu mais amo é tirar a pessoa daquele único lugar que ela podia ocupar. Escolhi o funk porque sinto que estou fazendo algo bom. Dentro de uma comunidade tem talento para cacete, mas é muito difícil se sobressair. Quando eu vejo a pessoa comprando a casa, sustentando a família, crescendo, se posicionando, eu penso que a missão foi cumprida.

Se eu soubesse que ia chegar aos 40 assim, nossa! Achei que ia estar fazendo tricô, com dor nas costas. Mas estou cheia de gás, de disposição, filha criada, não preciso provar nada para ninguém.

Quando comecei, a gente vendia CD, hoje a gente vende música no digital. A comunicação é diferente: tem 200 redes sociais com 300 ferramentas, e eu uso tudo isso a meu favor. Estou dando um curso agora na pandemia que é minha missão espiritual. Dou o planejamento que faço para os meus artistas. Tem coisa dentro da música que não tem numa faculdade, mas está tudo ali.

Eu não dou a fórmula secreta, porque ela não existe, mas é o mapa da mina sobre uma carreira. E, no caminho, tem um monte de enigma para decifrar. Se a pessoa vai ter condição de chegar até lá, aí é responsabilidade dela."

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Casa de ferreiro

"A Tília [filha de Kamilla e Dennis DJ] decidiu ser cantora no meio da pandemia, comigo perdendo 80% da receita da vida. Essa decisão dela me torna uma fênix de verdade. Eu tinha certeza de que ela ia assumir a K2L, porque parte do que sou hoje, principalmente ligada a tecnologia e rede social, vem dela.

Sem os shows do pai, os dois começaram a passar os fins de semana juntos. Foi um grande encontro. Ela ia para o estúdio com ele, ajudava nas lives, fazia desafios do TikTok. Até que apareceu numa live, virou meme e decidiu que queria ser cantora.

Dennis ficou revoltado num primeiro momento, porque queria que ela fosse DJ e produtora musical. Ele tinha certeza de que ela iria por esse caminho.

Decidi, então, que se ela me quisesse como empresária teria de fazer o mesmo processo que todo o mundo: vir até a K2L, assinar contrato, criar um plano de carreira e executá-lo. E ela encarou, foi com unhas e dentes.

O pai dela é gigante. Se ela grava com o pai agora, já fica aquele ar de 'filha do papai'. Ela está começando, tem que seguir o caminho dela até chegar num artista do tamanho do Dennis. Senão, ninguém dá credibilidade para o trampo.

Ela é superprofissional e as pessoas já querem gravar com ela, independentemente de mim ou do pai. A diferença é que a pessoa chega no estúdio e quem está lá é o Dennis DJ, não só o pai dela. Mas ela tem uma cabeça muito boa, faz análise desde os seis anos. Sinto muito orgulho. Ela age super na boa."

Às vezes, eu deixo de ser empresária e sou a mãe maluca. Pergunto por que chamam ela de filha de alguém e não pelo nome, mas ela entende melhor. Sempre me lembra: 'Mãe, a Lexa foi a nova Anitta durante dois anos, relaxa'.

Kamilla, sobre a relação com a filha cantora

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De dentro para fora

"Nunca mais quero ser empresária de artista número 1 na minha vida. O Brasil não suporta o sucesso, principalmente o de pessoas que vêm de lugares improváveis. Quem estiver no top 5 vai ter a mesma grana e projeção sem ter o peso do top 1, sem aquela obrigação de acertar e surpreender sempre. Isso não é saudável, não tem necessidade de trabalhar assim.

A parte legal de pegar um artista é quando monto uma agenda de popstar. A Anitta morria de rir. Segunda era 'day off', e ela ria: 'Sábado e domingo também, porque não tenho nada para fazer'. Mas eu insistia: 'Tem sim!'. Então ela ia para show fazer laboratório, ver quais artistas a gente queria ter como referência.

Se o artista cumpre uma agenda à risca, começam a entender que ele está pensando na carreira dele, de dentro para fora. Não só pra estourar uma música. Quem quer estourar música não adianta vir. Eu não tenho a menor ideia de como fazer. O que acontece é que quando vejo, já estourou e virou fenômeno."

As Donas do Show

Esta reportagem faz parte de uma série de UOL Splash, com histórias de mulheres que não necessariamente são famosas ou estão em cima do palco, mas que se tornaram referências no universo da arte e do entretenimento.

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