O adeus ao Patrão

Silvio Santos morre aos 93 anos: relembre a trajetória do maior comunicador da TV brasileira

De Splash, em São Paulo Lourival Ribeiro/SBT

Silvio morre: tudo sobre a despedida do maior comunicado da TV brasileira

Lourival Ribeiro/SBT

Animador de auditório. Empresário. Dono do próprio canal de TV. Visionário. Gênio para uns, louco para outros. Há quem o definisse como mito. É inegável que a biografia de Silvio Santos se confunde com a história da televisão brasileira. O apresentador, que morreu aos 93 anos, neste sábado (17), em São Paulo, construiu um império e para sempre será lembrado como um dos maiores nomes da comunicação do Brasil e do mundo.

O hospital Albert Einstein, onde Silvio estava internado, confirmou em boletim médico que o apresentador morreu às 4h50, em decorrência de uma broncopneumonia após infecção por influenza (H1N1).

Foram 60 anos de televisão. Desde que fez sua estreia à frente do programa Vamos Brincar de Forca, na extinta TV Paulista, Silvio Santos começou a escrever uma trajetória de muito sucesso, muitas polêmicas e muito dinheiro, sempre à frente do SBT, uma das principais emissoras de TV do país, que fundou em 1981.

O maior período que ficou afastado de seu filho mais famoso foi durante a pandemia. Quando voltou às gravações, depois de quase dois anos afastado das telas, um esquema de segurança com testagem e "pulseiras anti-covid" foi montado, mas isso não foi suficiente para blindar o Homem do Baú da doença que vitimou mais de 700 mil brasileiros.

Silvio se vai após 43 anos de SBT. Sobre o canal, Guilherme Stoliar, sobrinho do apresentador e ex-presidente do Grupo Silvio Santos, definiu, quando do aniversário de 90 anos do Patrão, em dezembro, que essa perda seria "muito difícil":

O SBT é o xodó do Silvio. A maior estrela é o próprio dono. Vejo uma dependência muito grande. Os dois se confundem, você não sabe o que é um e o outro. Nunca se falou no Grupo Silvio Santos no pós-Silvio Santos. Nunca foi assunto de reunião.

Silvio deixa um patrimônio que vai muito além da emissora. Empresário nato, desde a adolescência trabalhando como camelô nas ruas do Rio manifestou talento para os negócios. Era um patrão bravo e exigente, como disse uma das filhas. Mas também muito responsável e gentil, na opinião de outros funcionários.

Lourival Ribeiro/SBT

O império de Silvio Santos

O homem de negócios e também do rosto mais conhecido da televisão brasileira deixa seis grandes empresas de diferentes áreas —mas ao longo das nove décadas de vida, gerenciou mais de 30 negócios. Assim, Silvio Santos cravou seu nome na seleta lista de bilionários brasileiros, com uma fortuna estimada em R$ 1,6 bilhão, de acordo com o ranking de 2023 da revista Forbes.

"Líder nato, ele arrebanhou pessoas para trabalharem junto com ele. Assim, formaram esse grupo de empresas que o tornou empresário", avaliou a atual presidente do grupo e filha "número seis" do apresentador, Renata Abravanel, na festa dos 90 anos do pai.

O império de Senor Abravanel começou a ser construído em 1958, quando fundou o Grupo Silvio Santos. O primeiro empreendimento do apresentador foi o Baú da Felicidade, comprado do pai de Carlos Alberto de Nóbrega, Manuel de Nóbrega. Mas isso nós vamos explicar mais para frente.

Em entrevista a Splash em 2020, a filha "número dois", Silvia Abravanel, exaltou o papel de Silvio no comando das empresas, especialmente do SBT. A emissora, parte fundamental da família, também é responsabilidade de todas elas.

Sempre tive noção que ele tinha formado um império. O SBT chamo de nosso sétimo irmão. Apelidei assim por a emissora ser a menina dos olhos do meu pai. O SBT foi algo que ele construiu pelas mãos dele.
Silvia Abravanel

Mas o império quase ruiu. Em 2010, Silvio Santos teve de vender o banco PanAmericano, um de seus maiores patrimônios, após ser descoberto um rombo de R$ 4 bilhões, provocado por fraudes entre 2006 e 2010.

Lourival Ribeiro/SBT

O presidente que controlava o grupo na época da crise do banco PanAmericano, Luiz Sebastião Sandoval, deixou o cargo e foi substituído por Guilherme Stoliar, sobrinho de Silvio, que esteve à frente da presidência por 10 anos.

Enxergar as empresas como parte da família era, segundo Silvia, o segredo para o sucesso.

Eu sempre vi meu pai falando de todas as empresas dele com muita responsabilidade. Eram famílias que dependiam delas. Ele nunca deixou a desejar porque ele sempre se preocupou com o próximo, com as famílias que trabalhavam com ele. Ele sempre valorizou os funcionários. Como empresário, ele me ensinou a ser humana.

Desde 2019, quem gerencia o império é Renata, que carrega as lições de seu pai:

Eu e meu pai conversamos muito ao longo de momentos importantes na minha vida, desde a escolha da faculdade até meu primeiro emprego. Sem dúvida meu pai é um exemplo, uma referência e uma verdadeira inspiração para mim. Tudo que ele conquistou com muito suor e as vidas que ele conseguiu tocar através do talento e do trabalho dele.

As referências não pararam na formação de Renata, claro.

É incrível observar ele 'em ação' como patrão e homem de negócios. Ele tem uma visão, uma sensibilidade e uma sabedoria ímpar. Sei que sou suspeita, mas trabalhando junto com ele é fácil de enxergar como ele conquistou o carinho e admiração de tantos brasileiros.
Renata Abravanel, em entrevista a Splash, em dezembro de 2022.

Reprodução/Instagram

O começo de tudo

Você hoje está sentado nesse banco, Carlos. E se não fosse ele não teríamos esse banco nem essa televisão. Você veio como meu irmão, meu amigo. Uma pessoa que vai me ajudar a fazer o que o seu pai gostaria de fazer comigo
Silvio Santos, em depoimento para Carlos Alberto de Nóbrega na estreia da "Praça é Nossa" em 1987 no SBT

As palavras de Silvio remetiam a Manuel de Nóbrega, pai de Carlos Alberto, a quem ele sempre se referiu publicamente com enorme gratidão. A consideração não poderia ser menor.

O início do Baú da Felicidade nada mais é do que uma história de amizade e de uma sociedade bem-sucedida. Silvio ajudou o pai de Carlos Alberto a reerguer a empresa, que passava por dificuldades financeiras, e depois assumiu o controle do negócio que se tornou o embrião do Grupo Silvio Santos no fim dos anos 1950.

Era uma coisa meio espiritual. O meu pai considerava o Silvio como um filho.
Carlos Alberto, sobre a ligação do pai com Silvio Santos

Filho de comerciante, Silvio nunca deixou de ter a essência do camelô que com 14 anos encontrava maneiras criativas para ganhar dinheiro. Carlos Alberto de Nóbrega, amigo do Patrão havia 60 anos, relembrou uma história marcante entre os dois:

O Silvio era locutor de uma rádio no Rio e amigo do meu tio, que mandou uma carta de recomendação para o meu pai. O Silvio fez uma coisa muito bonita, que mostra o caráter dele. Sem o meu pai saber, o Silvio fez um teste de locutor na Rádio Nacional, passou e aí ele foi falar com meu pai e entregou a carta. Ele não queria entrar só por causa da carta, mas pelo valor dele.

A FORTUNA DE SILVIO SANTOS

Silvio Santos

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL
Arquivo

De empresário a quase presidente

O expansionismo de Silvio não tinha limites. Acostumado a perseverar nas suas ideias mais loucas, o apresentador sonhou com cadeira presidencial, quando concorreu ao cargo político mais alto do Brasil nas eleições de 1989. Sua candidatura pelo PMB (Partido Municipalista Brasileiro) foi cassada após um pedido de Eduardo Cunha para extinguir o partido do comunicador.

Todo o processo da campanha de Silvio Santos à Presidência do país — que durou apenas 15 dias, o suficiente para colocá-lo como líder das pesquisas — foi descrito por Marcondes Gadelha, seu candidato a vice, no livro "Sonho Sequestrado".

"A gente não queria o Silvio só como presidente, mas como exemplo de que o trabalho compensa, que vale a pena produzir. Por causa da história de vida dele: começou como camelô e se tornou dono de um império de TV que chegou a faturar US$ 1 milhão por dia. Ele chegou a dirigir 33 empresas saudáveis."

E como ficaria o SBT caso Silvio fosse presidente?

Se ele tivesse sido eleito, não afetaria em nada a vida do SBT ou da própria Globo. Ele me pediu para falar com Roberto Marinho para dizer que no governo dele, ele teria o mesmo tratamento. O pessoal do SBT não apoiava. O [Luiz] Sandoval, presidente da holding, dizia que com o Silvio indo para o Planalto, o SBT perderia a grande estrela do canal.
Marcondes Gadelha

Em 1992, tentou novamente se eleger como prefeito de São Paulo, anunciando sua candidatura ao vivo no Programa Silvio Santos. Mais uma vez, teve a candidatura impugnada. Desistiu da política.

Silvio, porém, seguiu manifestando suas visões políticas no SBT, fundado durante a presidência de João Figueiredo, nos estertores da ditadura militar. À época, sua emissora exibia A Semana do Presidente, uma espécie de plataforma para que governo militar divulgasse seus feitos.

Desde então, seguiu dando palco para muitos presidentes, de Bolsonaro a Lula.

Reprodução/Instagram/sergiomallandro

O vendedor de sonhos

O SBT não era só o maior xodó de Silvio Santos, mas se tornou a maior e melhor vitrine para as suas empresas. Sempre foi assim que Silvio atuou na TV, conciliando programas com venda de seus produtos. Mesmo antes de ter um canal para chamar de seu.

Na estreia na TV, na década de 1960, ele usava o espaço de seu programa para vender carnês do Baú. Com o SBT, ele ganhou mais poder para alavancar as empresas do grupo e já não precisava mais depender dos donos de TV para fazer o que bem-quisesse.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, se aproximou de Silvio quando ele alugava horário na Globo para exibir o seu programa entre os anos 1960 e 1970. Para o ex-diretor geral da Globo, o apresentador tinha o mérito de ter criado o "mundo Silvio Santos", transformando-se em seu principal produto.

Silvio Santos acima de tudo era um vendedor, mais até do que um animador de auditório ou comunicador de televisão. De comunicador tem gente melhor do que ele, mas como vendedor não tem ninguém.
Boni

Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram
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