Uma Richthofen de cinema

O que mostra o terceiro filme sobre o assassinato que chocou o Brasil?

Fernanda Talarico e Weslley Neto De Splash, em São Paulo Stella Carvalho/Divulgação
Tuca Vieira/Folhapress
Suzane Von Richthofen, presa por ajudar a matar o pai e a mãe

"Existiam muitas contradições"

A frase de Ricardo Salada, membro do Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo, dita durante entrevista ao podcast Vênus, resume por que Suzane von Richthofen, Daniel e Cristian Cravinhos confessaram ser os culpados pelos assassinatos de Manfred e Marísia von Richthofen — crime que parou o Brasil em 2002.

Com uma sequência de álibis refutados pela Justiça, o trio assumiu a autoria do crime sete dias após a morte do casal, pais de Suzane.

O desenrolar da investigação e as confissões são mostrados em "A Menina que Matou os Pais - A Confissão", produção do gênero true crime, disponível a partir de hoje no Amazon Prime Video.

Flávio Grieger/Folhapress
Enterro do casal von Richthofen. À época, ainda não se sabia que a filha, Suzane, estava envolvida

O que o novo filme mostra?

O terceiro longa chega à plataforma quase dois anos após o lançamento de "A Menina Que Matou Os Pais" e "O Menino Que Matou Meus Pais", produções lançadas simultaneamente e que apresentam duas versões diferentes do crime, uma de Suzane e outra de seu ex-namorado, Daniel.

Já o novo título tem o intuito de mostrar o trabalho da polícia para desvendar o mistério. A narrativa começa a partir do momento que os dois primeiros filmes acabam, com a morte do casal Von Richthofen pelas mãos dos irmãos Cravinhos. Acompanhamos, a partir dali, as tentativas de criar álibis e despistar a polícia.

Baseado nos autos do processo e no livro "Casos de Família", da criminóloga Ilana Casoy — que acompanhou o caso e é corroteirista do filme —, "A Menina Que Matou os Pais — A Confissão" recria situações inusitadas que ficaram famosas entre o público.

Um exemplo é o momento do enterro de Manfred e Marisia, quando o caso ainda era chamado de Crime do Brooklin e não se sabia do envolvimento da filha nos assassinatos.

Nas imagens, registradas à exaustão por repórteres, Suzanne von Richthofen chora a perda dos pais. No entanto, ela usa blusa preta curta, deixando o umbigo à mostra, destoando totalmente do momento trágico.

No longa, Carla Díaz, atriz que interpreta a jovem, aparece com as mesmas roupas. Como acompanhamos a visão policial, os oficiais que investigam o crime acham estranho o comportamento.

Segundo Roberto Tardelli, promotor de Justiça que acompanhou o caso, aquele momento soou como um alerta. "Notei no velório do casal, quando vi a Suzane com o cabelo escovado e uma blusinha baby look, percebi haver algo errado. Depois de tantos anos de promotoria, falei para quem estava me ouvindo: ela está gritando gol", contou em papo exclusivo com Splash.

Adriano Vizoni/ Divulgação Recriação do momento do enterro no filme

Recriação do momento do enterro no filme

'Passeio por um museu'

Outro famigerado momento é a visita dos investigadores à mansão onde os homicídios aconteceram. Suzane completou 19 anos três dias após o crime e chamou amigos para comemorarem seu aniversário.

Inicialmente, os oficiais foram até o local à procura de pistas que poderiam indicar o caminho da investigação. No entanto, se chocaram ao encontrar a garota de biquíni e fumando, como se sua família não tivesse sofrido um crime brutal.

"Parecia estarmos fazendo um passeio por um museu. Ela estava com um cigarro na mão", relatou a Splash Cintia Tucunduva, delegada que acompanhou todo o caso.

O filme retratou o momento em que este fato acontece, com Suzane, em tom de deboche, perguntando como pode auxiliar os policiais.

Tamanhos disponíveis: 1x1 3x4 4x3 9x16 16x9 16x12 80x80 100x70 128x96 142x100 142x200 300x100 300x200 300x300 300x420 300x500 615x300 564x430 615x470 956x500 1024x768 1920x1080 1920x1107 Stella Carvalho/Divulgação Carla Diaz é Suzane Von Richthofen e Leonardo Bittencourt é Daniel Cravinhos

Carla Diaz é Suzane Von Richthofen e Leonardo Bittencourt é Daniel Cravinhos

Cesar Rodrigues / Folha Imagem

A confissão

Os policiais envolvidos na investigação viraram a noite do dia 6 de novembro de 2002 em busca das confissões. Daniel e Suzane foram convocados após a Justiça ser informada que Cristian usou o dinheiro roubado na mansão para comprar uma moto. Ele pagou US$ 3.600, em dinheiro.

Segundo o que é mostrado em "A Menina Que Matou os Pais — A Confissão", foi a partir da compra que um dos irmãos Cravinhos se tornou o principal suspeito. Por ser usuário de substâncias ilícitas, a delegada o pressiona e aponta que ele não teria juntado todo esse dinheiro, "teria gastado tudo em drogas".

Você precisa juntar provas para fazer com que as pessoas comecem a entender que você já sabe, ou caiam em contradição. A polícia é acostumada a fazer isso com ladrões malandros. Imagina com um leigo?
Ricardo Salada ao Vênus Podcast

Ao ser pressionado por horas e ter caído em contradições quanto aos horários de seu álibis, Cristian Cravinhos foi "o primeiro a cair", como dizem os delegados do filme. Ele revela que a ideia não foi dele e se defende ao dizer que aceitou o plano para não deixar Daniel cometer os assassinatos sozinho.

O namorado de Suzane foi o segundo a confessar e justificou sua participação no crime para salvar a amada, que sofria na mão dos pais abusivos.

Por fim, a então herdeira dos von Richthofen assume seu envolvimento. No filme, ela se declara culpada e diz à delegada que gostaria de passar "o Natal em casa".

Suzane foi a última a confessar. Estava convicta que não havia nada que poderia comprometê-la na situação. Uma pessoa totalmente leiga no padrão policial, totalmente fora da realidade.
Ricardo Salada ao Vênus Podcast.

Divulgação
Bárbara Colen interpreta a delegada Heloísa em 'A Menina que Matou os Pais -- A Confissão'

Delegada Heloisa

"A Menina que Matou os Pais — A Confissão" retratou não apenas os envolvidos diretamente no caso, mas também os policiais que participaram. Por isso, pessoas como o perito Ricardo Salada foram retratadas de maneira verossímil. Inclusive, o personagem mantém o nome do policial da vida real.

No entanto, o mesmo não aconteceu com Cintia Tucunduva, a delegada que conduziu a investigação do caso. No longa, a responsável por desvendar o crime é interpretada por Bárbara Colen e se chama delegada Heloísa.

Em entrevista exclusiva a Splash, Cintia Tucunduva conta não ter sido procurada pela produção do filme para contribuir com detalhes sobre a investigação.

Ao ser questionada pelo motivo de não incluí-la, Ilana Casoy explica se tratar de uma "ficção de true crime". "A Cíntia não fez o caso sozinha, ela trabalhou com o Ado, com o Maze, com o Salada... De alguma forma, eu quis homenagear todo mundo, mas, é claro, existe um limite máximo."

Tucunduva disse não ter entendido o motivo. "É a leitura dela [Ilana]. Não compreendi bem a razão dessa leitura, porque se a Suzane é Suzane, se o Daniel é Daniel, e se o Cristian é Cristian, eu não entendi por que trocaram o nome. [...] Não tenho como opinar".

Stella Carvalho/Divulgação

Julgamento ficou de fora

O conturbado julgamento de Suzane e dos irmãos Cravinhos movimentou a mídia em 2006, mas não é mostrado no novo filme. Depois que os três confessam e são apresentados à imprensa, em 2002, a produção dá um pulo temporal de quatro anos e e os vemos em celas, após o julgamento, esperando a decisão do júri.

O trio foi condenado em julho de 2006. Suzane Von Richthofen e Daniel Cravinhos, a 39 anos e 6 meses de prisão. Já Cristian Cravinhos recebeu a pena de 38 anos e 6 meses.

Durante o julgamento, que durou cinco dias, o caso destacou mais um protagonista: o experiente advogado Mauro Nacif, responsável pela defesa de Suzane em júri popular. No filme, um advogado aparece rapidamente ao final, apenas para avisar a cliente do resultado.

A Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, a Acrimesp, tentou fazer com que o julgamento fosse transmitido ao vivo na TV, segundo divulgou O Globo em junho de 2006. O pedido não foi acatado pela Justiça.

A primeira sessão foi cancelada após um pedido de Mauro Nacif. "Foi um julgamento muito conturbado. Havia uma amiga de Marísia que servia como testemunha importante. A moça era psiquiatra. Eu não concordei em começar sem ela".

Mauro acredita que a tese utilizada foi a melhor para o caso. Ele alegou coação moral irresistível — quando uma pessoa é induzida a cometer um crime e não tem condições de negar participação.

Elogiado por seu desempenho na época, Nacif fez o que parecia impossível: transformar uma votação entre os jurados em uma disputa acirrada. Por quatro votos a três, o júri entendeu que Suzane até poderia ter sido coagida, mas não de maneira irresistível.

Quais argumentos foram usados? "Era uma moça bonita, virgem e estudava direito. Uma moça loira, bonita, linda. E ela ficou extremamente envolvida na parte sexual com o namorado, que era mais velho, experiente".

Incentivo ao consumo de drogas e suposta "ganância" dos irmãos Cravinhos também foram argumentos usados durante o júri. Em contrapartida, a defesa de Cristian e Daniel alegou que Suzane sofria abusos do pai, o que supostamente motivou o planejamento do crime.

Como foram encontros com Suzane? "Ela sempre foi receptiva. Veio com a colocação de que ela tinha sido dominada e convencida. Era uma moça de apenas 18 anos. Ainda era fraca, o sexo dominava a parte emocional. Ela tem raiva do ex-namorado e do irmão dele. Inclusive, referia-se a eles como 'aquela corja'".

André Porto/Folhapress

[Equilíbrio] no júri ocorreu por mérito de um brilhante advogado. Mauro Nacif foi um craque. Aprendi muito com ele.

Roberto Tardelli, Promotor de Justiça responsável pela acusação contra Suzane

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Para Nacif, seria possível convencer o júri após mudanças instauradas em julgamentos nas últimas décadas. O advogado argumentou que teria maior facilidade em formular as perguntas para os jurados a partir de sua explanação sobre o caso no tribunal.

Suzane teve sua pena revisada ao longo do período, e hoje está definida em 34 anos e 4 meses — com término previsto em fevereiro de 2038. Ela está em regime aberto, depois de 20 anos presa.

Eu não mudaria minha argumentação. Suzane von Richthofen seria inocentada hoje.

Mauro Nacif, Advogado de Suzane von Richthofen em julgamento

O que envolvidos no processo pensam de Suzane?

Se ela fosse uma digital influencer, nós estaríamos em uma mulher batendo 100 milhões de seguidores.

Roberto Tardelli, Promotor de Justiça

Ela não tem nada de louca. É um moça extremamente normal que foi envolvida em um ato terrível que ocasionou a morte dos pais.

Mauro Otávio Nacif, Advogado de Suzane von Richthofen no julgamento

Na prática, quem tem perfil de homicida conta tudo quando a casa cai. Eles acabam falando o que fizeram, entrando em detalhes.

Cintia Tucunduva, Delegada que acompanhou o caso

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Os irmãos Cristian e Daniel Cravinhos

Reconstituição

A reconstituição do crime também foi um dos momentos marcantes da investigação, segundo Cintia Tucunduva. A então delegada disse que Daniel Cravinhos chorou ao ver a pessoa que representava Manfred na simulação preparada pela polícia.

"Daniel não tinha condições psicológicas de fazer essa reconstituição. [...] Um dos peritos falou: 'Olha, o ambiente está muito pesado, vamos fazer uma oração para dar uma melhorada'. Foi a cena mais distinta que vi na minha carreira".

No filme, não há a recriação de quando os culpados reconstituem o crime.

Rogério Cassimiro/Folhapress

Troca de acusações

O Fantástico (Globo) mostrou trechos exclusivos do julgamento realizado em julho de 2006. A troca de acusações entre Daniel Cravinhos e Suzane von Richthofen é nítida nos depoimentos.

Em "A Menina que Matou os Pais — A Confissão", os ex-namorados trocam farpas rapidamente quando estão cada um em uma cela. Daniel a questiona sobre ter escondido um suposto abuso sexual do pai — tese nunca provada — e Suzane o culpa por ter "acabado com a vida" dela.

Palavra dos réus

Depois de um ano, Suzane disse que queria matar os pais. [...] A vida já estava perdida. Ela pensou em tirar a mangueira do freio do carro, colocar fogo em um sítio com eles dentro.

Daniel Cravinhos

Ele (Daniel) tentava de todas as formas destruir a imagem linda que eu tinha do meu pai. Do 'paizão', amigo.

Suzane von Richthofen

Ela (Suzane) virou para mim e disse: 'Calma, Chris. Fica tranquilo. Você não me tirou nada. Você me deu uma vida nova.

Cristian Cravinhos

A impressão dos jurados

Uma pessoa carente em todos os sentidos de afeto.

José Willians de Souza, Em entrevista ao Fantástico

Não passou carência afetiva. Para mim foi uma pessoa fria, não estava sentindo nada.

Cleide Caris, Em entrevista ao Fantástico

Um dos momentos marcantes do julgamento envolveu uma declaração do promotor Nadir de Campos Júnior, que apontou o dedo para Daniel durante a argumentação, segundo o relato do Fantástico. O réu confesso chorou e foi consolado por Cristian. Ambos deixaram o tribunal, e apenas Suzane seguiu na sessão.

É repugnante, abjeto e nojento matar alguém e, depois, na entrada de um motel, dizer que quer a suíte presidencial. Isso é nojento e asqueroso.

Nadir de Campos Júnior, Promotor que acompanhou o júri

Assista ao trailer de 'A Menina que Matou os Pais -- A Confissão'

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