Um dia com RT Mallone, vencedor da primeira edição do reality 'Nova Cena'
De Splash, em Juiz de Fora* Lucas Godoy/NetflixFaz sol em Juiz de Fora quando RT Mallone recebe a reportagem de Splash em sua casa no Arado —como ele chama o bairro de São Benedito, na periferia da cidade mineira.
Em três semanas, o mundo ficará sabendo do segredo que o rapper guarda desde março: ele é o campeão do "Nova Cena", primeiro reality musical brasileiro da Netflix.
Sua avó, dona Benedita, nos cumprimenta no portão com um misto de emoções: a timidez provocada pelas câmeras não ofusca o orgulho com que fala do neto. Ela o descreve como um "menino bom" —depois, RT revela que esse apelido é tão marcante em sua vida que vai dar nome ao seu próximo EP.
O músico cresceu naquela casa rodeado de mulheres: além da avó, também estão presentes a mãe e duas de suas irmãs. Ele explica que também foi criado por uma tia, que estava no trabalho.
Todos estão ansiosos pela estreia, mas esse está longe de ser o início da carreira dele no hip hop: o rapper participou de sua primeira batalha de rima em 2012 e se apaixonou pela cena ao vencer o duelo e ouvir a plateia que não o conhecia gritando "RT". O nome artístico vem das palavras "roho", suaíli para "alma", e "tahir", que significa "pura" em árabe.
Em 2018, lançou seu primeiro álbum, a mixtape "Vendedor de Sonhos".
Ao contrário de outros participantes mais jovens, acompanhou ao vivo —e de dentro da cena— a ascensão dos artistas que foram jurados no reality show. Djonga lançou seu primeiro álbum em 2017, enquanto a estreia de Tasha & Tracie foi em 2019 com o EP "Rouff". Mesmo o veterano Filipe Ret ganhou projeção nacional com "Vivaz", em 2012 —ano em que RT participou de sua primeira batalha.
Para RT, mais do que uma busca pelo prêmio de R$ 500 mil, a competição foi uma forma de se reconectar consigo mesmo e rever uma decisão drástica: a de abandonar o rap depois de anos batendo na trave.
Quer saber o que é mais engraçado? Eu estava saindo de uma depressão e uma decisão de desistir do rap. No momento das seletivas, da primeira audição, eu só estava atrás daquele fogo de novo. O meu amor não tinha morrido, eu só estava cansado. RT Mallone
Ele cita a fase das batalhas, no segundo episódio, como o momento em que sentiu cair a ficha de que estava participando de algo grande. As seletivas eram um território familiar, mas foi ao pisar no palco do duelo que sentiu a dimensão do que estava por vir: "Começou a virar um desafio pessoal, eu precisava me provar".
A parte mais transformadora, no entanto, não foi gravada: foi o confinamento. Pela primeira vez na vida, RT passou semanas focado apenas na música, sem se preocupar com outros aspectos da vida: "Me trouxe de volta. Foi realmente um processo muito pessoal".
Após o tour pela casa, o rapper leva a reportagem para o primeiro compromisso do dia: trançar o cabelo. É na cadeira da trancista que ele confessa que, a princípio, hesitou em se inscrever no reality, pensando que a dinâmica de jurados definindo o que é certo ou errado não funcionaria no hip hop. A música é diferente, por exemplo, de um reality de culinária, em que há parâmetros objetivos de qualidade.
Curiosamente, os jurados se fizeram o mesmo questionamento ao assumirem a função: "Está todo mundo ali tentando tornar objetiva uma coisa que é muito subjetiva. Mas acho muito importante mostrar que, na cena, a gente tem critério", disse Filipe Ret em entrevista a Splash.
No fim, eles não precisavam se preocupar: o fato de ser uma competição sobre a cultura hip hop transformou "Nova Cena" num reality show diferente dos outros. "A gente se aquilombola, né? A gente faz comunidades", explica o vencedor. "O meu processo de cura passa na mão de todas as pessoas que estavam lá".
No momento da batalha, eu entendi o que estava acontecendo. A máscara que eu criei para estar lá caiu, eu desabei. Ao invés de eu me sentir fraco por estar chorando, todos os onze me abraçaram. Naquele momento, eu falei: isso ainda é sobre hip hop. Ainda estamos falando sobre a mesma coisa que eu cresci vivendo. RT Mallone
O dia termina no estúdio, onde RT faz um ensaio de fotos e a primeira audição do EP "Menino Bom", produzido por Muxima —que também participou do "Nova Cena".
Com o primeiro trabalho após participar do reality, ele quer apresentar para o mundo o rap de Juiz de Fora: "É um EP muito daqui, que conta muito sobre como é a noite aqui, o pensamento dos artistas daqui".
Depois de vencer o reality e gravar a participação na 5ª temporada de "Sintonia", RT Mallone tem uma nova meta: fazer tantos shows que não vai precisar encostar no meio milhão de reais.
O sonho agora é representar o rap de Juiz de Fora no lineup dos maiores festivais do Brasil com a consciência que conquistou nessa experiência: "O reality me colocou diante do espelho e me disse: ou a gente se acerta ou a gente desiste agora. E a gente se acertou, então estou mais seguro do que eu sou e do que eu quero fazer".