'Eu nasci político'

Quem é Robinho Santana, artista que foi alvo da polícia e chamou atenção de Oprah

Guilherme Lucio da Rocha De Splash, em São Paulo Rodrigo Fuzar/Arquivo Pessoal

Robinho Santana, 35, diz que nasceu político.

Enquanto seus amigos de infância passavam os tempos livres com a família nos parques e na praia, ele estava junto do seu pai, o líder sindical Vicentinho, em protestos e manifestações.

Mas a luta também era lazer.

Essa noção de política que nasceu na infância sempre esteve com ele. Até em momentos que ele só queria ficar de boa. Era difícil fugir, mesmo na hora de tirar um barato com os amigos.

Cria do Jardim Ruyce, na periferia de Diadema, seu destino parecia traçado, como o de quase todos os jovens da região que cresceram nos anos 1990: ser metalúrgico. Ainda mais quando se é filho de um líder sindical.

Arquivo Pessoal
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Contrariando as estatísticas, Robinho decidiu ser artista.

"O ABC é muito fabril e era o destino de boa parte da molecada [trabalhar em fábricas]. Ainda mais para o filho de um líder sindical. Mas, com meus 17, 18 anos, o skate, a música e arte me chamaram", disse ele, em entrevista por telefone para Splash.

Mas ele não deixou de ser um agente político. Sua arte faz questão de trazer pessoas negras como protagonistas, algo que ele considera revolucionário. Já que museus não retratam negros, muito menos chegam nas periferias, Robinho quer levar essas pessoas e a estética para lá. Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai até Maomé, não é mesmo?

No Brasil, sua obra é caso de polícia. Ele foi alvo de uma investigação da Polícia Civil de Minas Gerais após realizar uma pintura em homenagem as mães negras. Já no exterior, seu trabalho é reconhecido e chamou a atenção até da Oprah.

Eu estava fazendo um ovo frito em casa quando a minha namorada disse que a Oprah compartilhou a imagem da Breonna Taylor no Instagram dela. Eu fiquei sem acreditar.

Robinho Santana

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Filho de peixe, nem sempre peixinho é

Robinho é filho do sindicalista e deputado federal Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP). Metalúrgico com destaque na política sindical, Vicentinho foi presidente do sindicato da categoria em São Bernardo e Diadema, além presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) entre 1994 e 2000.

Robinho diz que ser filho de uma figura como Vicentinho era uma responsabilidade grande.

Minha família inteira é metalúrgica, eu que eu escolhi outro caminho. Meu pai era uma pessoa pública, presidente da CUT. Como vivíamos em Diadema, ele era super visado, uma figura impolítica super influente e conhecido por todos.

Mas as coisas começaram a mudar na adolescência. Ao ser reprovado numa prova do Senai, decidiu ir por outros caminhos. Primeiro, ele conseguiu um bico como office-boy no diretório do PT em São Bernardo e lá conheceu a fotografia.

Ao mesmo tempo, ele descobria a música - mais precisamente o punk rock - e o skate.

O skate me abriu a cabeça. Não gostava só para praticar um esporte, uma atividade física, até porque eu já era fã e jogava basquete. Tem a questão da moda, do estilo, da ligação com a música, o próprio shape já é uma arte.

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Absurdo no Brasil

Em outubro do ano passado, Robinho foi convidado para produzir a maior empena (parte lateral de um prédio, sem janelas) do Brasil, com mais de 2 mil m², em Belo Horizonte. A obra fez parte da 5ª edição do festival de arte pública CURA - Circuito Urbano de Arte.

O artista diz que já existia uma pichação no prédio. Para não fazer uma arte sobre outra, ele convidou o pichador para contribuir com sua pintura: uma mulher negra dando uma das mãos para um filho e segurando outro no colo.

É algo que conecta a todos nós, brasileiros de periferia, algo impactante. Era incrível que as pessoas passavam por lá, queriam reproduzir a imagem.

A obra demorou dias para ser produzida e Robinho se disse muito feliz com o resultado final. No entanto, ela foi motivo da abertura de um inquérito por parte da Delegacia Especializada em Investigação de Crimes contra o Meio Ambiente.

Aquilo foi um absurdo, eu até agora não entendi o que aconteceu. O pessoal da CURA entrou em contato falando sobre o inquérito, mas foi algo muito vago que não deu em nada. Era um caso clássico de criminalização da arte urbana.

Robinho Santana

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Destacada no exterior

Há cerca de um mês, Robinho recebeu um e-mail em inglês. Pensou que era algum vírus, mas a diagramação da mensagem estava muito boa. Se era um hacker, era um daqueles bem cuidadosos.

O e-mail era da redação da Oprah Magazine, que pertence a jornalista Oprah Winfrey, e não tinha nada de vírus. A publicação entrou em contato para convidar o artista brasileiro para uma colaboração.

De início, eu fiquei sem acreditar. Até depois da resposta do e-mail ainda paguei para ver. É algo muito bizarro ser criminalizado aqui e ser reconhecido lá fora, isso diz muita coisa. O momento que o Brasil está passando, as pessoas não ainda não entenderam o que é pluralidade.

A arte que Robinho produziu era uma homenagem a Breonna Taylor, de 26 anos, que foi morta a tiros por policiais durante uma busca por drogas no seu apartamento em Louisville. Não foi encontrado nenhum entorpecente no local e, após sua morte, manifestantes gritavam frase "Say her name" (diga o nome dela, em tradução literal).

Após a publicação na revista, Oprah compartilhou a imagem nas suas redes sociais.

Robinho nem acreditou quando soube.

Foi uma loucura em casa, comecei a gritar. Meu trabalho furou uma bolha mesmo, a Naomi Campbell compartilhou também, tem que falar isso aí (risos). Eu sou fã do LeBron James e fiquei pensando: se a Oprah compartilhou, ele também viu!

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A pintura como mensagem

Com formação em Design e Fotografia, Robinho diz que sempre gostou de desenhar, mas não via espaços para isso. Na roda dos amigos, a paixão pela pintura não era tão levada a séria.

"As pessoas não têm referência de um negro pintor, parecem que não conseguem imaginar", diz Robinho, que é admirador do artista americano Jean-Michel Basquiat.

Seus primeiros desenhos foram casas pequenas que simulavam as periferias que ele conhecia.

Já mergulhado na arte visual, Robinho nunca teve dúvidas que seu trabalho seria político. Quem o acompanha nas redes sociais, já percebeu que seu grande destaque é retratar pessoas negras, principalmente mães e mulheres.

Acho incrível que me perguntem o porquê faço arte com pessoas pretas, sendo que essa pergunta não é feita para artistas brancos que só retratam pessoas brancas. O meu motivo é: os nossos merecem protagonismo.

Robinho Santana

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Filho de dona Josefa Santana, uma conselheira tutelar, ele diz que sua mãe serve de inspiração.

Minha mãe é uma guerreira. Cuidava de crianças no trabalho e em casa. Levo ela como referência de luta, de mulher negra.

Outro ponto reforçado por Robinho na sua arte é a saúde mental da população negra. Ele diz que seu trabalho, de forma subjetiva ou não, tem essa missão de levantar o debate sobre os cuidados que pessoas negras e periféricas devem ter com o que se passa na cabeça. Uma delas mostra uma mulher com um peixe na cabeça, representando a falta de espaço e visibilidade da mulher negra.

Ainda existe um estigma muito forte, principalmente com o homem negro, que saúde mental é algo secundário. Eu faço terapia, sei que é algo que me ajuda muito. Essa visão de que saúde mental é frescura ou secundária tem que ser combatida.

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