Bienal, 70 anos #4: Década de 80 esbanjou criatividade com grafite, música e (muitas) telas
Do UOL, em São Paulo
24/07/2021 04h01
O quarto episódio do podcast "Bienal, 70 anos" aborda a década de 80, que foi marcada pelo fim da ditadura no Brasil e a volta da liberdade. Com apresentação de Marina Person, o podcast —uma coprodução do UOL e da Fundação Bienal de São Paulo— tem dez episódios. As publicações são sempre aos sábados, e você pode ouvir o quarto episódio na íntegra no arquivo acima.
A reabertura democrática do Brasil, a volta dos artistas exilados após a Lei da Anistia e o fim do boicote provocaram uma avalanche de novas obras, criatividade e questionamentos. Tudo isso refletiu nas salas da Bienal. Se nas últimas edições, para alguns, o evento andava um pouco apagado, agora a exposição voltava ao centro das discussões artísticas do mundo.
Um marco importante desta década foi a apresentação do artista americano Keith Haring, que ficou conhecido por pichar os vagões do metrô de Nova York com contorno de pessoas, cachorros, robôs e televisões. Ele era discípulo de Andy Warhol e encontrou seu jeito próprio de criticar a sociedade americana. Na 17ª Bienal, em 1983, Haring foi convidado para cobrir um muro branco com seus grafismos de estilo simples e moderno. Na época ele tinha 25 anos e, além de pintar, também foi visto andando de bicicleta pela exposição. Era a influência do movimento hip hop que chegava à Bienal de São Paulo.
Essa foi uma escolha arrojada, possível por causa de uma mudança estrutural que aconteceu na Fundação: a decisão de se ter um curador-geral em vez de uma comissão que escolhia as obras a serem expostas. O fato de se ter um único curador dava um caráter mais autoral para as exposições.
O primeiro a ocupar este cargo foi o professor e crítico de arte Walter Zanini, conhecido pelo trabalho que fazia à frente do MAC (Museu de Arte Contemporânea) da Universidade de São Paulo. Ele foi curador das edições de 1981 e 1983.
Na 16ª edição (1981), Zanini propôs mostrar como a arte poderia ser uma aliada no tratamento de doenças mentais com a exposição de pinturas dos pacientes da psiquiatra Nise da Silveira. Nise revolucionou o tratamento da psiquiatria, trocando os eletrochoques e a lobotomia por atividades musicais e práticas artísticas. As telas produzidas por seus pacientes se espalharam pelo mundo e, com essas peças, esse tipo de terapia também ganhou espaço.
Já a 17ª Bienal, aquela com participação de Keith Haring, confirmou o compromisso de Zanini com a experimentação. Ele convidou artistas do grupo Fluxus para ocupar o andar térreo do Pavilhão. O Fluxus foi um movimento que reuniu artistas do mundo todo, que pensavam em um novo jeito de fazer arte: uma arte mais interativa e questionadora.
No dia da abertura o grupo apresentou algumas performances. O artista Ben Vautier dormia numa cama, enquanto outro integrante, Dick Higgins, tocava no piano uma música que não soava muito melódica. No podcast (ouça a partir de 6:09 no arquivo acima), você consegue ter uma mostra disso.
A edição seguinte, a 18ª (1985), ficou conhecida como a Bienal da Grande Tela e rendeu polêmica. Isso aconteceu pela forma como a curadora Sheila Leirner, a primeira mulher a ocupar esse cargo nas bienais, expôs a montagem das pinturas. Em três corredores de 100 metros de extensão por 6 metros de largura cada, Sheila enfileirou os quadros com uma pequena distância entre eles.
O objetivo era criar a sensação de uma grande tela única, feita pela junção de todas as obras. Muita gente não gostou. E a discussão sobre a disposição das obras dominou a crítica. Os outros andares, que tinham trabalhos multimídia, instalações e esculturas, receberam menos atenção.
Outro destaque da 18ª edição foi a performance da sérvia Marina Abramovi e do marido Ulay. O casal ficou conhecido por radicalizar a relação do corpo com a arte, explorando a dor e resistência física. Eles apresentaram na Bienal a obra "Nightsea Crossing'', na qual os dois ficavam sentados em uma grande mesa, cada um em uma ponta, se olhando fixamente por sete horas.
Na Bienal seguinte, de 1987, Sheila Leirner inverteu o espaço e idealizou uma exposição organizada verticalmente. Um dos principais convidados desta edição foi Anselm Kiefer, um pintor alemão neoexpressionista de telas de grandes proporções, com pinceladas grossas e vigorosas. Outro destaque foi uma obra do pernambucano Tunga. Uma instalação de 15 metros de altura que escorregava do teto ao piso pelo grande vão central do Pavilhão da Bienal, feita com chapas e fios de aço e que pesavam toneladas. Se do primeiro andar parecia uma escultura, do terceiro, o que se via era um desenho.
Além de muita história e curiosidades, este episódio do podcast traz entrevistas com o curador Ivo Mesquita, a professora Elisabeth Lima, do curso de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, a jornalista e crítica de arte Leonor Amarante, a curadora Sheila Leirner e o artista Nuno Ramos
No décimo episódio, o podcast trará respostas para perguntas do público sobre arte e o evento. Mande sua dúvida para o email Bienal70@bienal.org.br, que ela pode ser respondida. Você pode ouvir Bienal, 70 Anos, por exemplo, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, Amazon Music, no Youtube e também no site bienal.org.br/70anos.