Black Dragons dá exemplo de combate à cultura tóxica nos eSports
Mais um caso de machismo dominou o noticiário de eSports no último fim de semana. Michel "fooX", jogador de Valorant da Black Dragons, apareceu em uma stream ridicularizando o fato de ter sido derrotado pela Fire Angels —equipe composta exclusivamente por mulheres.
A partida, que não foi transmitida, fez parte da qualificatória aberta para o First Strike, torneio organizado pela Riot Games que marca o maior passo do game, lançado em junho, até aqui.
A reação foi imediata: a Black Dragons, que é comandada, inclusive, por uma mulher no posto de CEO (Nicolle "Cherrygumms"), emitiu um comunicado oficial afirmando que a postura do pro-player ia contra todos os princípios de igualdade pregados pela organização e que não havia outro caminho possível que não fosse o da dispensa do atleta.
Mais tarde, ainda no domingo, o próprio Foox escreveu uma nota de esclarecimento, na qual diz que seu comentário "nunca foi de machismo" e "ratifica todo pesar a quem quer que tenha ofendido".
Cultura tóxica vem de longe
A verdade é que mulheres passam, todos os dias, em todos os games, por situações constrangedoras como essa. São destratadas e ofendidas simplesmente por não serem homens. Retrato não só de uma masculinidade frágil, mas também de uma cultura perpetuada neste ambiente —com a máxima de que "videogame é coisa de menino". Não, não é, e respeitar quem está jogando, seja ao seu lado ou contra, é o mínimo para qualquer pessoa decente.
Essa toxicidade já ficou escancarada em 2018, na campanha comandada pela própria Cherrygumms, chamada "My Game, My Name". O trabalho contra o fim do assédio online mostrava como muitas mulheres jogam com nicks masculinos para evitar que sejam alvo de ofensas. Um contexto inacreditável, mas que, como muito bem pontuado na nota da Black Dragons, só aparece para o público quando os envolvidos são jogadores profissionais ou estão em transmissões ao vivo.
O fato de negar o machismo em seu posicionamento oficial prova que foox, campeão mundial de Point Blank, não entendeu absolutamente nada sobre a situação. Posturas machistas estão presentes no nosso dia-a-dia, e o primeiro passo é admitir esse fato e trabalhar para que, um dia, vivamos um contexto melhor. Abaixar a cabeça, absorver o erro e querer melhorar é o que pode ajudar, e não renegar algo que está escancarado ao minimizar uma vitória de um time feminino.
Os esportes eletrônicos têm como peculiaridade justamente o fato de poderem contar com homens e mulheres em um mesmo cenário competitivo sem as amarras que os distanciam em modalidades tradicionais —como características físicas próprias de cada gênero. Porém, a barreira criada no alicerce do contexto pela postura tóxica inviabiliza qualquer senso básico de igualdade em oportunidades. Uma batalha injusta e opressora, baseada em misoginia escancarada.
É necessário que todos os envolvidos, de jogadores a organizações, passando por imprensa e influenciadores, executivos e marcas, entendam como essa luta é de todos. É, acima de tudo, injusto que mulheres tenham de pensar duas vezes antes de abrir um jogo para se divertir ou trabalhar. Um reflexo da sociedade como um todo, mas que acaba potencializado na internet, onde muitos se escondem por trás de identidades falsas ou julgam como "terra sem lei".
Na mesma semana em que observamos a dispensa de Robinho, ídolo do Santos condenado por violência sexual na Itália, e a demissão de Isadora Basile, criadora de conteúdo vítima de ataques na internet durante o período em que foi apresentadora da Xbox Brasil, chegamos à conclusão de que, ao mesmo tempo em que as redes sociais auxiliam a escancarar comportamentos machistas e evitar que passem impunes, ainda vivemos em um ambiente onde não basta uma mulher ser competente para vencer. Elas ainda têm inúmeros obstáculos adicionais a serem percorridos por homens, muitas vezes, bem menos competentes.
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