Unsighted: as horas finais

Os bastidores do lançamento de um dos jogos indie brasileiros mais aguardados de 2021

Bruno Izidro Do START, em São Paulo Reprodução/START

Unsighted foi lançado em 30 de setembro, uma quinta-feira. O relógio mostrava 13h (no horário de Brasília) e marcava a chegada do jogo que transformou os últimos quatro anos da vida das desenvolvedoras Tiani Pixel e Fernanda Dias.

Apesar disso, o exato momento em que o game foi liberado não teve nada de especial. Não houve festa ou estouro de champagne.

"A gente não sente o impacto logo de cara. Não é algo que a gente fala: 'nossa, quando virar 13h, nossa vida vai ser outra coisa.' Não foi bem assim", contou Tiani, uma semana depois do lançamento.

Para muitos que acompanham a cena independente, Unsighted já é um dos melhores games do ano, mas os bastidores daquele dia mostram um lado nada romântico da criação de jogos, com incertezas, estresse, ansiedade e também pequenas alegrias.

Reprodução/START

O que é Unsighted?

Jogo de ação e exploração em que enfrentamos autômatos que perderam a razão: os Unsighted

7 da Manhã (6 horas restantes)

Reprodução/START
Arquivo Pessoal

Tiani e Fernanda acordaram mais cedo do que o normal. A ansiedade pelo lançamento não deixou que dormissem direito.

Por isso, o café da manhã foi achocolatado, pão com manteiga e reviews do jogo, que já estavam nas mãos da imprensa e alguns streamers há alguns dias.

Ler as análises positivas foi um certo alívio para ambas, que, até naquelas últimas horas, ainda tinham incertezas com o projeto - ainda mais sendo seu primeiro jogo autoral, como diz Fernanda:

A gente sempre tá se duvidando né? Não tem como evitar, eu acho.

O segredo, segundo ela, é não mostrar esse sentimento (ou tentar não mostrar), mesmo que a insegurança esteja gritando por dentro.

"Na hora de escrever o post na conta do Twitter do estúdio ou nos nossos perfis pessoais mesmo, a gente tem que parecer super confiante, porque o Unsighted é o melhor jogo do mundo. 'É isso aí, comprem o nosso jogo porque é a melhor coisa da história (risos)'"

Tá com pressa?

Assim como no primeiro Fallout e em The Legend of Zelda: Majora's Mask, há um limite de tempo para terminar Unsighted. Esse é um aspecto que está profundamente ligado ao gameplay, mas que também pode ser controverso com os elementos de exploração do jogo.

Tiani confessa que elas pensaram várias vezes em remover essa mecânica de tempo, porque sabiam que afastaria parte dos jogadores. Só que esse não seria o jogo que elas queriam fazer, subtraindo muito do que torna Unsighted único.

A solução foi adicionar recursos de acessibilidade, que permitem desligar o limite de tempo na dificuldade mais fácil.

Reprodução/START Reprodução/START

A gente tinha muito medo de as pessoas não entenderem o jogo, por conta dessas decisões mais controversas no design. Medo de isso marcar nosso primeiro lançamento e aí ficar mais difícil vender o próximo jogo. A gente tá feliz que isso não aconteceu.

Tiani Pixel

8 da manhã (5 horas restantes)

Reprodução/START

Para criar Unsighted, Tiani e Fernanda formaram o estúdio Pixel Punk. Parte daquelas primeiras horas da manhã também foram gastas com burocracias da empresa.

Conversando com um contador, elas tinham mais uma preocupação: como não perder dinheiro das vendas do jogo por causa de impostos? (Sim, sempre eles.)

Tiani explica que receber grana do exterior tem muitas complicações: "Por exemplo, uma venda na Steam tem 30% que vai para a Valve [proprietária da plataforma Steam], só que a gente aqui no Brasil tem mais 30% de imposto entre os EUA e Brasil, de taxação sobre venda"

Essa é mais uma coisa naquela lista de "como ser criadora de jogos no Brasil é muito difícil"

Isso significa que, para cada cópia de Unsighted vendida no PC via Steam, que é a principal plataforma do game, mais da metade vai para impostos. Por isso elas ficaram um tempo digerindo o café da manhã com retrogosto de dor de cabeça tributária.

Reprodução/START Reprodução/START

10 da manhã (3 horas restantes)

Reprodução/START

Tiani passou o fim da manhã trocando o estresse burocrático por problemas técnicos.

Sentar à frente do computador para lidar com códigos e correções ainda necessárias no jogo foi uma forma de ela se desligar temporariamente da realidade. Além disso, a dupla já preparava uma "atualização de dia 1" para ser lançada na versão de Steam.

E só nessa versão, por enquanto. Unsighted foi lançado também para Nintendo Switch, PlayStation e Xbox, inclusive disponível no Game Pass, mas essas versões foram portadas por outro estúdio, contratado pela produtora do game, a Humble Games.

A exceção era a versão de Switch, feito por elas mesmas.

"Na Steam, a gente consegue atualizar instantaneamente. Eu resolvo o bug, subo lá e na hora já está disponível para todo mundo. Mas, em todas as outras plataformas, é um processo muito demorado, porque envolve teste e certificação das empresas", explica Tiani.

No final, acabou virando mais um estresse para a dupla.

  • Panqueca

    Ao lado do notebook de Tiani estava Panqueca. Ele tem um espaço cativo na mesa de trabalho, fazendo companhia enquanto a game designer se afunda nos códigos.

    Imagem: Arquivo Pessoal/Tiani
  • Pon

    Tanto Panqueca quanto Pon (aqui, em cima do piano de Fernanda) foram o escapismo de que ambas precisavam durante todo o caos da produção.

    Imagem: Arquivo Pessoal/Fernanda

Os gatos veem que a gente tá estressada e tentam chegar perto, pedindo carinho. Esse é o jeito deles de mostrar que se importam com a gente. E a gente vê que eles estão preocupados também.

Fernanda Dias

Meio-Dia (1 hora restante)

Reprodução/START
Arquivo Pessoal

Mesmo ainda restando pouco para o lançamento de fato, Tiani e Fernanda já resolveram comemorar e se mimar no almoço.

Comer fora? De jeito nenhum. Com a pandemia, elas ficaram ainda mais em casa. Isso chegou até a influenciar alguns aspectos do game, como a presença dos cachorros e mecânica de pescaria.

Esses são momentos calmos na jogabilidade para balancear a vida nada fácil que todos tiveram nos últimos meses por causa da Covid-19.

No fim, elas pediram sushi. A comida foi servida enquanto assistiam a streamer e speedrunner Lizstar jogar Unsighted.

Tiani explica que elas adoram assistir outras pessoas tendo a experiência do jogo pela primeira vez, descobrindo segredos.

Unsighted tem muito esse foco em speedrun. Tem muita coisa que parece que você tá quebrando o jogo, mas é intencional

Para quem não conhece, speedrun é o desafio de tentar terminar o game o mais rápido possível, muitas vezes se aproveitando de bugs.

"A ideia é jogar Unsighted na ordem que quiser e o jogo se adaptar a isso. Foi legal ver isso acontecendo com a Lizstar, mesmo ela jogando só de forma casual mesmo", explica Tiani.

1 da tarde (0 hora restante)

Reprodução/START

Fernanda já estava "abublê" das ideias de tanto que atualizava a página do jogo no Steam a todo momento. Até que, enfim, apareceu o botão de "comprar". Era a certeza que de que tudo tinha dado certo.

Alguns dias antes, ela havia enviado a versão de lançamento para a Humble Games, e foram eles os responsáveis em colocar Unsighted no ar. Então, para elas, o lançamento foi algo quase anticlimático.

É aquilo: não teve nenhuma decisão que a gente tomou nesse dia. As decisões foram todas acumuladas ao longo desses quatro anos. Foi um dia mais de esperar e ver o resultado.

Fernanda só apertou mesmo o botão para lançar a trilha sonora. Além de ser responsável por todas as músicas, ela também ajudou Tiani na programação e no game design.

Mesmo com uma publisher para ajudar em um lançamento internacional, ainda ficou sob responsabilidade delas toda a parte técnica e o marketing do game.

Por isso, um post especial já estava preparado para ser pulicado também no Twitter do estúdio, a principal ferramenta de divulgação da dupla.

No total, a produção de Unsighted envolveu seis pessoas. Entre elas, o artista Glauber Kotaki, responsável pela Pixel Art de alguns dos chefes do game.

Unsighted - Galeria de imagens

Assim como acontece com boa parte da criação de jogos hoje em dia, o lançamento de Unsighted não foi o fim do desenvolvimento... Estava mais para o início da última etapa.

A ficha de que haviam lançado um game, e um dos mais notáveis do ano, ainda não tinha caído para Tiani e Fernanda, porque não tinha nem tempo para essa ficha chegar ao chão.

Com bugs, correções e mudanças para implementar, elas estavam longe de descansar. Tiani lembra do dia como o "mais estressante, e só".

Quando algum jogador falava que encontrou um bug, eu já ficava desesperada para corrigir logo, o que não é uma mentalidade saudável de se ter.

No dia do lançamento, elas foram para a cama às 3h da manhã. Foi o início de uma rotina de crunch, dormindo apenas quatro horas e trabalhando todo o resto do dia no game. Somente algumas semanas depois é que elas conseguem ver o trabalho com o game perto do fim.

Apesar do estresse, inseguranças e medos, Tiani Pixel e Fernanda Dias extraíram um único sentimento de tudo isso: orgulho.

A gente está, sim, muito orgulhosa do que é o Unsighted e o jogo tá atraindo gente que é super apaixonada pelo o que a gente fez. A gente conseguiu criar o game que queríamos.

O jeito é torcer só para que o lançamento do próximo jogo não seja tão assustador como o deste.

Reprodução/START
Reprodução/START Reprodução/START
Topo