Kscerato em ascensão

A nova promessa do Counter-Strike brasileiro segue brilhando pela FURIA

Gabriel Oliveira Colaboração para o START

Uma vida inteira dedicada ao Counter-Strike (CS), da infância pobre em São Paulo às atuações brilhantes em campeonatos internacionais com premiações milionárias. Reconhecido pela habilidade individual, o pro-player Kaike "Kscerato" Cerato trilhou o mesmo caminho de dificuldade de muitos esportistas: de origem humilde, perseverou na busca pelo sonho de viver de eSports e hoje se destaca na FURIA, equipe brasileira que está entre as 15 melhores do mundo.

Kscerato começou a jogar CS ainda na versão 1.6, quando tinha 9 anos de idade, por incentivo do irmão, o também jogador Kauan "Kncerato" Cerato. Frequentou lan houses, participou da escolinha do astro Gabriel "FalleN" Toledo, disputou campeonatos e enfrentou a transição para o Global Offensive (CS:GO).

Em 2018, a carreira de Kscerato decolou, com a contratação pela FURIA Esports. Ele começou na equipe de base e depois subiu para a principal.

O jogador despontou nos torneios nacionais e no exterior, saindo do anonimato das horas de jogatina em casa para o estrelato nos principais palcos do mundo. Atualmente, com 20 anos, Kscerato é considerado um dos mais habilidosos cyber-atletas de CS:GO do Brasil e sonha com muito mais.

Arte/UOL | Foto: HLTV
Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Início na lan house

Foi em uma lan house de bairro, com cinco computadores, que Kscerato deu os primeiros tiros virtuais, em 2009, aos 9 anos, em mapas clássicos como fy_pool_day, cs_rio e de_aztec. Ele morava com os pais e o irmão no Jardim Helena, bairro humilde do extremo leste de São Paulo, e não tinha máquina própria em casa. O estabelecimento estava localizado a menos de 5 minutos de caminhada de distância.

"Na época, era mais por diversão. Eu e meu irmão ficávamos no computador brincando. Com o tempo, se tornou vício. Passávamos muitas horas lá e queríamos jogar todos os dias", relembra Kscerato, em entrevista exclusiva ao START.

Um computador residencial só chegou seis meses depois do início no CS 1.6, sendo dividido entre os dois irmãos e ainda com internet de conexão ruim. "Era na base da raiva", brinca o pro-player.

Kscerato começou a participar de competições não Steam, ou seja, fora da plataforma oficial do jogo em 2010, mesmo ano em que passou a contar com dois computadores em casa. Ele não tinha dinheiro para comprar o CS 1.6 na Steam. "Na época era 50 contos, era caro pra nós. Jogávamos eu, meu irmão, um vizinho e dois moleques da Zona Leste".

A Steam veio como presente para Kscerato e Kncerato no Natal de 2010, em um esforço dos pais para continuarem incentivando a diversão dos irmãos. Era uma maneira também de mantê-los entretidos e seguros em casa, já que o bairro onde a família mora é perigoso.

Nós éramos felizes [na infância e na adolescência]. Meus pais nunca deixaram faltar nada para nós. Mas também não pedíamos muita coisa, só queríamos jogar o nosso CS.

Kscerato, jogador da FURIA

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Divulgação/MiBR

Escolinha do FalleN

Hoje adversário na equipe Made in Brazil (MiBR), FalleN deu aulas para Kscerato e o irmão no passado. Eles participaram das primeiras turmas da escolinha de Counter-Strike da Games Academy, capitaneada pelo astro brasileiro, em 2011, quando o CS 1.6 estava em decadência no Brasil.

"Era bastante inovadora, porque o FalleN já era uma lenda no jogo. Ele tinha conquistado bastantes campeonatos. Era uma inspiração", rememora Kscerato. Ele e o irmão tinham abatimento na mensalidade. "Sabendo da nossa situação, o FalleN fazia um planinho especial. Era um desconto 'da hora'".

O jogador conta que aprendeu demais nesse período. "Eu percebi que tinham muitos detalhes que eu não via na época, por ser muito novo e não ter experiência. Foi quando comecei a entender mais sobre o jogo profissional".

Divulgação

Estatísticas individuais

No CS:GO Kscerato tem índice de desempenho de 1,21 (a média é 1), conforme o site especializado HLTV. São mais de 10 mil eliminações de adversários e 7,6 mil mortes. Na ESEA Season 31 Global Challenge, da qual a FURIA se sagrou campeã, o jogador alcançou a impressionante marca de 1,43 em oito mapas disputados. De 74 campeonatos contabilizados no histórico do HLTV, Kscerato ficou com estatísticas positivas (maior do que 1) em 66 deles (89,2% do total).

Arquivo pessoal

Novo coldzera?

Frequentemente Kscerato é comparado com Marcelo "coldzera" David, jogador brasileiro atualmente na FaZe, eleito duas vezes o melhor jogador de CS:GO do mundo, em 2016 e 2017, devido à habilidade apurada de ambos. "Para ser o novo coldzera, eu preciso chegar muito mais longe. Ele foi duas vezes o melhor do mundo, eu não estou nem próximo disso. Mas eu encaro a comparação como uma inspiração. Não é uma pressão, é um incentivo", diz Kscerato.

Divulgação/MiBR

Interesse da MiBR

Kscerato chamou a atenção da MiBR. O clube, o principal de CS:GO do Brasil, já fez propostas pelo jogador, mas não conseguiu tirá-lo da FURIA. Em entrevista ao e-Sportv em 2019, Kscerato admitiu o sonho de jogar pela MiBR. Ao START, adotou discurso diferente: "Foi uma honra receber o convite, os caras fizeram muito pelo CS brasileiro, mas eu estou feliz na FURIA. Eu acredito que a FURIA pode ser gigantesca e quero defender a equipe custe o que custar".

Um 'Clutch' de Kscerato contra a Vitality

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Virando profissional

Kscerato continuou no CS 1.6 até 2013, quando começou a migrar para o recém-lançado CS:GO. Ele disputou campeonatos por diversas equipes, sempre ao lado de amigos e do irmão, Kncerato.

Apesar da atividade em competições, o pro-player não tinha uma carreira profissional. Um contrato como cyber-atleta surgiu apenas com o convite para fazer parte da equipe de base da FURIA, em 2018, depois do título conquistado pelo time de Kscerato, o TEAMMATE, na Liga Amadora da Gamers Club de dezembro de 2017.

"Ganhamos o campeonato, veio a proposta da FURIA. Foi um momento difícil, porque eu estava confiante com meu time na época. Conversei com bastantes pessoas de confiança, meus pais, meu irmão, meus parceiros de equipe, sobre o que eu deveria fazer. Eu percebi que a FURIA poderia alcançar muita coisa porque tinha investimento. Como viemos do CS 1.6, sabemos como é difícil ter investimento assim. Muitas vezes tem organização que promete salário e outras coisas e nunca entrega. Dava para ver que na FURIA era sério. Foi meu primeiro contrato profissional", relembra o pro-player, exaltando o incentivo que recebeu dos companheiros da equipe da qual saiu. "Eles me apoiaram muito".

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Esse cara usa 'cheat'!?

Não demorou muito para que a carreira desse outro salto: Kscerato teve partidas tão impressionantes que, em dois meses, saiu do time de base para compor a equipe principal da FURIA.

Antes, porém, ele passou por um teste de fogo pensado por um dos donos do clube, Jaime Pádua. O executivo determinou que o cyber-atleta jogasse as finais de uma competição online de uma lan house em São Paulo para poder ser observado de perto por conhecidos. É que havia, na comunidade, rumores de que o jogador usava cheat (programa ilegal para trapacear no jogo) e que, por isso, era tão bom.

"Todo mundo achava que eu era cheater, porque eu não tinha PC, monitor e equipamentos bons e dava bala nos caras", diverte-se Kscerato, que arrebentou nas partidas decisivas daquele torneio e recebeu a proposta para entrar na FURIA. "Eu amassei geral! Fiquei top 1 em todas as estatísticas do campeonato".

Foi o irmão de Kscerato que deu o 'sim' para a FURIA, segundo conta o jogador. "Eu estava na sala de casa quando ligaram e me chamaram. Perguntaram se eu queria ir. Eu fiquei chocado e não consegui responder. Foi meu irmão que aceitou por mim".

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Irmãos que jogam junto

O irmão de Kscerato, hoje com 23 anos, está presente em praticamente todas as memórias dele nessa mais de uma década dedicada ao Counter-Strike. Os dois começaram juntos, competiram juntos e sonharam juntos.

Por isso, o pro-player costuma lembrar que Kscerato não existiria sem Kncerato, parceiro de jogatinas e maior entusiasta de sua carreira.

"Meu irmão representa a vontade. Eu jogo por ele e estou vivendo o mesmo sonho dele. Passamos muitas coisas juntos. Toda noite ficávamos sonhando e imaginando como seria nosso futuro no CS, morando fora", destaca Kscerato.

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De irmão para irmão

Um depoimento de Kauan "Kncerato" Cerato

"Eu apresentei o CS para o meu irmão e o levava para jogar comigo. Na época, tínhamos só um computador em casa e competíamos para ver quem chegava primeiro para ir jogar. Começamos a passar horas e horas jogando, sempre na brincadeira, até que um dia percebemos que tinha como levar aquilo a sério. Jogamos campeonatos online e em lan. Com o CS 1.6 ficando para trás, iniciamos no CS:GO e, naquela época, já dava para ver o talento que meu irmão tinha. Ele testava smokes e flashes o dia inteiro. Lembro que ficávamos imaginando jogar um major ou um campeonato grande fora do País. Eu tive que dar um tempo no jogo e meu irmão recebeu convites para alguns times e teve belos resultados. Foi e é muito gratificante acompanhar a carreira do meu irmão. Ele está vivendo o sonho que a gente sempre sonhou. Nossa relação é muito boa, nos falamos e nos ajudamos todos os dias. Ele é um orgulho para todos nós e uma referência para mim, como jogador, irmão e amigo".

Kauan "Kncerato" Cerato

Minha família sempre foi muito boa comigo. Eles me apoiaram bastante em todas as minhas decisões, até quando eu não podia decidir porque era menor de idade. Eu morava em lugar perigoso e meus pais preferiam me deixar de boa em casa jogando o meu CS.

Kscerato, jogador da FURIA

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Uma nova vida

Pela FURIA, Kscerato tem rodado o mundo disputando campeonatos e já passou por países como Suécia, Polônia, Finlândia, China e Reino Unido. A base do clube está na cidade estadunidense de Boca Raton, para onde os jogadores se mudaram em junho de 2018.

"É totalmente outro mundo", avalia Kscerato. "Segurança, saúde, alimentação e transporte são melhores do que no Brasil. É tudo mais fácil e com mais qualidade. É um ótimo lugar para se viver. Espero, um dia, trazer meus pais para morar comigo nos Estados Unidos".

Embora esteja vivendo uma nova vida, mais confortável do que a que tinha em São Paulo, Kscerato defende que é o mesmo de sempre.

"Eu continuo sendo aquele moleque que entrou na lan house sem saber o que era CS. Eu aprendo a cada dia, sempre buscando ser melhor, sempre com humildade. Não deixo as pessoas para trás e as apoio, como elas me apoiaram. Isso é o que importa: ser família, humilde e amigo", pontua o jogador.

Ele conta que está sempre de olho nas necessidades dos pais, que moram na mesma casa onde tudo começou. Para o irmão, deu um computador top de linha de presente. Uma retribuição a todo o apoio que recebe.

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Segredos para o sucesso

Kscerato entende que a trajetória de pouco mais de 10 anos no CS é significativa porque, conforme argumenta, é resultado de extrema dedicação. "Mostra que, se você nunca desistir e fazer as coisas certas, não pisando em ninguém, você chega onde eu cheguei".

Ele relembra que, desde criança, aprendeu a suportar a zoação e as provocações dos adversários por ser sempre o mais novo nas competições e, por isso, priorizou as amizades ao invés dos conflitos. "Eu engoli muita merda e foquei no meu trabalho".

O resultado começou a aparecer em 2018, quando Kscerato passou a se destacar, primeiro nacionalmente e depois no exterior.

"O motivo para me destacar tanto é que eu sempre joguei muito. Por mim, eu jogaria 16 horas por dia de CS, eu nem dormiria", confidencia o pro-player, também exaltando um curso técnico de Eletrotécnica que o fez abrir a mente como competidor. "Eu comecei a pensar mais rápido e racionalmente. Isso me ajudou".

Para ser sincero, eu não me acho tão bom. Eu posso ser um jogador melhor do que acham, eu nunca estou satisfeito com o que eu faço. Sou conhecido por ter muita mira, mas é uma coisa que nem treino. Procuro aprimorar outras coisas, como pensamento tático e comunicação.

Kscerato

Show de Kscerato contra a North

Divulgação/HLTV

Premiação controversa

Em dezembro de 2019, Kscerato se envolveu em uma polêmica ao reclamar publicamente, no Twitter, da escolha de FalleN como melhor jogador brasileiro de CS:GO do ano por jurados do Prêmio Esports Brasil. Ele concorria com o capitão da MiBR ao lado do companheiro de FURIA Yuri "yuurih" Gomes.

Questionado sobre o assunto, Kscerato é incisivo ao sustentar sua posição e suas publicações na rede social.

"Ele não jogou o suficiente em 2019 para ganhar o prêmio. Foi bastante injusto. Eu senti meio que raiva e tristeza, porque é uma coisa que muitas pessoas querem saber, quem foi o melhor. Tenho certeza que todo mundo do CS achava que eu ou o yuurih iria ganhar. Para mim também estava muito claro. Isso não tira o mérito do que o FalleN fez pelo CS brasileiro no passado todo".

Ele defendeu seu direito de se manifestar publicamente, mesmo após ter recebido uma enxurrada de críticas de parte da comunidade. "Eu acho que devo falar o que penso de uma maneira que não falte com o respeito com ninguém. Estou no meu direito".

Kscerato alega, porém, que não se importa com prêmios individuais. "Isso pouco importa para mim. O CS não é individual, é coletivo. São seis pessoas na equipe. Se um vence, todos vencem. Se um perde, todos perdem".

Divulgação/HLTV Divulgação/HLTV

Futuro

Kscerato vê que a FURIA pode crescer mais no cenário internacional com tempo e oportunidades. O clube brasileiro, que figura no top 15 dos melhores times de CS:GO do mundo, conforme ranking do site HLTV, não disputa todas as principais competições e ainda tem campanhas modestas. Há torneios nos quais o time brilhou, como no vice da Esports Championship Series (ECS) Season 7, e outros em que não se deu bem.

Em dois campeonatos mundiais disputados em 2019, o Intel Extreme Masters XIII - Katowice Major e o StarLadder Berlin Major, a FURIA amargou a 20ª/22ª colocação.

"Faltam tempo e oportunidade. Eu acho que, se a gente jogasse em um nível maior, estaríamos obtendo experiência mais rapidamente. Jogando contra equipes tier 1, podemos aprender mais. Com o tempo, iremos conquistar essas oportunidades", analisa Kscerato.

Ele destaca que o seu objetivo no Counter-Strike é sempre melhorar e se realizar profissionalmente. "Minha meta é dar meu máximo sempre. Eu não quero só ganhar um major. Se eu der o meu melhor, vou conquistar infinitas coisas além de títulos, como amizades e experiências fora do jogo. Pode-se dizer que o meu objetivo é ser feliz".

Stephanie Lindgren/DreamHack

Pior momento

A derrota na final da DreamHack Open Rio de Janeiro 2019 para a AVANGAR, do Cazaquistão, é o pior momento da carreira de Kscerato. "O jogo estava na nossa mão. Foi uma derrota muito significativa porque eu joguei muito mal. Tomei decisões erradas e "pinei" na mira. Me senti frustrado".

Arquivo pessoal

Melhor momento

Kscerato não acredita que teve um só momento de destaque da sua carreira. "Uma coisa que eu levo para minha vida é aproveitar todos os dias. Toda situação tem uma coisa para se aprender. Tudo me marca. A cada momento que você vive tem que se dar uma importância".

Divulgação

Outros jogos

O pro-player não tem o costume de jogar outros games além de Counter-Strike. Ele conta que, de vez em quando, se arrisca no Call of Duty: Black Ops. Sobre o superpopular Free Fire, diz que chegou a testar, mas que não se sentiu atraído, pois prefere os jogos de computador aos de celular.

Depoimentos

Saymon Sampaio/BBL

Rinaldo "ableJ" Moda, cyber-atleta da W7M Gaming

"Ter jogado com Kscerato foi uma experiência muito louca. O moleque é pureza e humildade pura. Ele é, disparado, o jogador mais habilidoso e o melhor individualmente do Brasil. O 'time to kill' dele é muito rápido e o spray, um dos melhores do mundo. Ele irá entrar no top 20. Tenho ótimas expectativas em relação a ele neste ano e nos próximos".

Saymon Sampaio/BBL

Guilherme "Spacca" Spacca, ex-jogador profissional e comentarista

"As recentes atuações, principalmente contra times tier 1, só mostram o quanto Kscerato está preparado para buscar o título de melhor jogador do mundo em um futuro próximo. Ele é extremamente inteligente em situações difíceis, vencendo clutches bizarros e garantindo rounds extremamente importantes para a FURIA".

Sangue frio contra a Astralis

Reprodução/YouTube Reprodução/YouTube
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