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Fora da E3 2011, criador de "Braid" quer surpreender com novo jogo; leia entrevista

LUIZ DAMASCENO

Colaboração para o UOL

01/06/2011 12h57

Em 2008, Jonathan Blow foi alçado da condição de desenvolvedor underground para o posto de herói da cena gamer independente. A culpa foi de “Braid”. Um jogo de plataforma maduro  e pretensioso na medida exata, concebido sob o desígnio de "dialogar com a condição humana". Um imperativo quase filosófico, que Blow entende fundamental para os videogames. Subvertendo clichês do gênero e esquivando-se de soluções fáceis de design, o desenvolvedor foi recompensado com vendas recorde em uma plataforma improvável, a Xbox Live Arcade e, mais tarde, PC e PSN.

Em seu próximo jogo, Blow espera ir além. Escolhido a dedo entre os mais de 80 projetos que diz ter engavetados, “The Witness” é a empreitada mais ambiciosa de sua carreira. E um game difícil de classificar, embora as referências ao clássico “Myst” sejam claras. A começar pela ilha inabitada, cenário único de uma jornada solitária, e os centenas de puzzles distribuídos pela paisagem, esculpida com engine própria.

No site oficial - um blog, como bem convém a um autor independente - Blow mantém um diário onde relata os desafios técnicos e as soluções adotadas, além de divulgar imagens periódicas da ilha. Os leitores, muitos também desenvolvedores, também independentes, comentam e interagem em um ambiente de franco intercâmbio de idéias.

Os detalhes sobre a narrativa de “The Witness” são escassos, e o único vídeo divulgado do gameplay não chega a empolgar; os puzzles exibidos limitam-se a desafios básicos de "ligue os pontos". Mas poucos ficam preocupados. O potencial criativo de Blow é indiscutível e sua abordagem perfeccionista tende a produzir resultados fascinantes e originais. O conceito é, como diz o desenvolvedor, difícil de explicar. Do contrário, não precisaria de um game para expressá-lo. Quem jogar, verá.

Conversamos com Blow para tentar desvendar o mistério. O resultado você confere abaixo:

UOL Jogos: Quando The Witness começou a ser desenvolvido?

Jonathan Blow: Comecei o trabalho como projeto experimental poucos meses antes do lançamento de “Braid”, por volta de julho de 2008. Mas só iniciamos o desenvolvimento em tempo integral em outubro de 2009. Temos três pessoas na equipe e outros que nos auxiliam de forma parcial ou temporária. Por exemplo, há arquitetos envolvidos no projeto, mas eles não trabalham para a empresa.

UOL: Como está o progresso e quais os próximos passos?

JB: Como em “Braid”, trabalhamos no gameplay primeiro, afinal é o mais importante, bem como na engine, a infraestrutura necessária para fazer o gameplay funcionar. Agora, já bastante adiantados, estamos começando a pensar mais na parte gráfica. Também venho desenvolvendo os puzzles finais.

UOL: As etapas do desenvolvimento de “The Witness” estão bem documentados no seu blog, mas o enredo, o gameplay e os objetivos em geral permanecem envoltos em mistério. Saberemos mais até o lançamento?

JB: Vamos falar muito mais sobre isso neste ano. Não falamos antes porque ainda estamos trabalhando em questões muito significativas do game. O que estamos tentando fazer com a narrativa é algo muito diferente. Isso significa que precisamos nos empenhar de verdade para acertar. Acho que muitas pessoas ficarão surpresas.

UOL: O que você pode dizer sobre a ambientação na ilha e a maneira como ela se relaciona com a narrativa? O que a testemunha está testemunhando?

JB: Em resposta a isso, eu vou usar uma citação do astronauta Russel Schweickart, sobre como é fazer um vôo EVA (caminhar no espaço, fora da astronave) e observar o planeta Terra daquele ponto privilegiado:

"E você pensa sobre o que está experimentando e por que. Você merece isso? Essa experiência fantástica? Você a conquistou de alguma maneira? Você foi escolhido por Deus para desfrutar de uma experiência tão especial que os outros homens não podem ter? Você sabe que a resposta é Não. Não há nada que você fez que mereça isso, que tenha conquistado tanto. Não é algo feito especialmente para você. Neste momento você sabe muito bem - e isso vem através de você com tanta força - que você é um órgão sensorial da humanidade.

Você olha para baixo e vê a superfície daquele globo em que você viveu por todo esse tempo e você passa a conhecer todas aquelas pessoas ali embaixo. Elas são como você, elas são você, e de alguma forma você as representa quando está ali em cima - um órgão sensorial, e este é um sentimento de profunda humildade. É um sentimento que lhe diz que você tem uma grande responsabilidade. Aquilo não é para você.

O olho que não enxerga não faz justiça ao corpo. É por isso que está lá, é por isso que você está fora. E de alguma forma você reconhece que é uma peça de toda essa vida. Você está fora daquela fronteira e você precisa trazer essa sensação de volta, de alguma forma. E isso se torna uma responsabilidade bastante especial. Lhe diz algo sobre o seu relacionamento com essa coisa que nós chamamos de vida. E então ocorre uma transformação, isso é algo novo.

E quando você volta, há uma diferença nesse mundo, há uma diferença no relacionamento entre você e o planeta, e você e todas as outras formas de vida no planeta, porque você teve esse tipo de experiência. É diferente. E é tão precioso. Durante todo esse tempo eu usei a palavra 'você' porque não sou eu, não é Dave Scott, não é Dick Gordon, Pete Conrad, John Glenn, é você, somos nós, é a vida."

 

 

UOL: Ainda que “Braid” tivesse muito dos jogos clássicos de plataforma em suas fundações, ele também subvertia muitos clichês do gênero. “The Witness” tem uma abordagem semelhante com relação a adventures?

JB: Não estou certo de como as pessoas vão ver isso. Com certeza “The Witness” é muito influenciado por adventures com gráficos tridimensionais, mas em muitos casos eles são uma "influência negativa", mostrando o que não se deve fazer. Então eu penso que você vai perceber que “The Witness” é menos um adventure do que “Braid” é um jogo de plataforma. Mesmo assim, a influência é óbvia.

UOL: Braid exibia um mundo exuberante e colorido, mas também um design minimalista. Podemos esperar o mesmo do mundo de “The Witness”?

JB: Sim, creio que vocês vão encontrar semelhanças nesse sentido!

UOL: Falando em dimensões... os puzzles mostrados até agora são confinados em painéis azuis e achatados, em duas dimensões. É um contraste evidente com o ambiente 3D de The Witness. Esses limites dimensionais ficarão mais difusos em algum momento do jogo?

JB: Em algum momento do gameplay ficará óbvio o porquê do jogo ser como é. Mais do que isso, não posso dizer.

UOL: Você defende uma abordagem a puzzles segundo a qual o jogador deve buscar uma solução porque ele se interessa e sente-se motivado, e não para ganhar recompensas baratas. Quão fina é essa linha divisória e o quão difícil é implementar esse conceito em um mundo aberto como “The Witness”?

JB: Isso é algo que eu ainda estou descobrindo enquanto nos deslocamos para uma fase de polimento do jogo. É muito desafiante, porque se você remove uma estrutura de recompensas, às vezes o jogador pode achar que a experiência torna-se rasa. Então a questão é: como eu faço para ampliar a riqueza da experiência sem apelar para recompensas sem sentido? É um desafio que eu tenho enfrentado todos os dias agora.

UOL: Você sente que “The Witness” pode ir ainda mais fundo do que Braid ao explorar conceitos filosóficos complexos ao mesmo tempo em que toca o jogador emocionalmente?

JB: Não vou advogar nada sobre tocar o jogador emocionalmente. Mas penso que vocês vão perceber que “The Witness” vai muito mais fundo nessa direção.

 

 

UOL: É interessante observar a reação de quem vê o vídeo de gameplay que saiu na internet. Normalmente é algo como; "bem, parece chato, mas ei, é do Jonathan Blow, então com certeza será um grande jogo". Como você se sente em relação a isso?

JB: Fico satisfeito que me dêem o benefício da dúvida. Mas o vídeo que está na internet mostra apenas os primeiros minutos do game, antes de qualquer coisa realmente interessante acontecer (ou, para ser mais preciso, antes mesmo de você compreender o porquê de ser interessante). Então não é surpreendente que pareça chato. Mas eu espero que quando as pessoas jogarem, que o façam por mais de dois minutos.

UOL: “Braid” proporciona uma experiência bastante solitária e pessoal. “The Witness” parece seguir o mesmo caminho. É uma tendência dos seus jogos?

JB: O design do tipo "solitário" é apenas a maneira como esses jogos foram concebidos. Há muito em comum entre “The Witness” e “Braid” nesse sentido. Mas também há muitos games na minha lista de jogos a fazer que têm estilos totalmente diferentes. Então não acredito que essa tendência vá se repetir em todos os game que eu fizer.

UOL: O argumento central de Braid gira em torno da física, com os diferentes parâmetros do tempo mudando radicalmente a realidade e a própria maneira de jogar o game. Há algum ramo específico da ciência por trás do conceito de The Witness?

JB: Não penso que seja exatamente um ramo da ciência. O tema é um pouco mais amplo, mas é difícil de expressá-lo, e é por isso que estou fazendo um game sobre ele. Mas vocês notarão semelhanças no sentido de que há um foco estreito que permite a exploração de possibilidades que se expandem para além desse foco.

UOL: E a previsão de lançamento? Ainda no final de 2011?

JB: Não, o plano atual é lançar em algum momento de 2012. Não estaremos na E3 deste ano.