10 anos de "Second Life": relembre a ascensão e a queda do metaverso
Metaverso. O termo, cunhado por Neal Stephenson no livro de ficção científica "Nevasca", foi popularizado graças a "Second Life". Quem diria, o mundo virtual criado pela Linden Lab está completando dez anos de idade – e, por mais que a coqueluche em torno de “SL” já tenha passado há muito tempo, o metaverso continua firme e forte, aberto aos residentes – é só acessar https://secondlife.com/?lang=pt-BR e ver por si mesmo.
Em 2003 explicar “Second Life” era um desafio. Não que mundos virtuais fossem algo novo naquele tempo, mas “SL” logo chamou a atenção por permitir que seus habitantes criassem e vendessem itens, ganhando dinheiro de verdade. Foi uma capa da BusinessWeek, que trazia Anshe Shung, primeira milionária do “Second Life” – ela faturou ao menos US$ 1 milhão vendendo terrenos virtuais -, que alçou o metaverso ao status de fenômeno.
“SECOND LIFE” EM NÚMEROS
• 1.120 quilômetros quadrados de “terras vrituais”
• 36 milhões de contas
• US$ 3,6 bilhões gastos em bens virtuais
• 1 milhão de visitas por mês
400 mil novos registros por mês
• 2 milhões de usuários já criaram itens para venda
No Brasil “Second Life” viveu seu auge entre o final de 2006, quando foi lançado graças a uma parceria entre Kaizen Games, o portal iG e a Linden Lab, e o ano seguinte. Foi um período generosa em termos de mídia espontânea: “Muitas empresas não sabiam exatamente o que esperar do metaverso, mas estavam dispostas a entrar para conhecer e entender melhor”, explica Emiliano Castro, diretor de marketing do “Second Life Brasil”, na época.
Eram tempos em que as agências de propaganda no Brasil passavam por um processo de redefinição, já que a publicidade online avançava a olhos vistos, como conta Castro: “Havia uma enorme pressão [dos clientes das agências]. que nos contavam que seus clientes queriam arriscar mais, queriam coisas mais inovadoras, queriam entram mais no mundo online”.
Mas a verdade é que ninguém sabia ao certo como explorar esse tal mundo oferecido por “Second Life”. Por isso foi comum ver cursos e simpósios ensinando profissionais e empresas a explorarem o metaverso. Roberta Alvarenga, na época à frente da agência Cafeína, ministrou mais de 60 deles: “No fundo eu acho que alguns poucos entenderam, e hoje quase ninguém ainda entende o potencial do metaverso. Só as crianças, pois para elas é um jogo”, opina.
ASSISTA AO CLIPE DE CLAUDIA LEITTE EM "SECOND LIFE"
Por que ‘flopou’?
No mês de abril de 2007, em uma reportagem (de capa) da revista Veja, Maurílio Shintati, proprietário da Kaizen Games, disse que esperava chegar a dois milhões de usuários brasileiros em um ano. Em meados de 2009, de forma silenciosa, “Second Life” fechava as portas no Brasil.
Como explicar a derrocada do metaverso por estas bandas? Afinal, o que começara como uma iniciativa promissora e inédita – o Brasil teria a sua própria ilha no “SL”, com client em português e transações em reais -, nunca de fato decolou. A não ser, talvez, em popularidade, já que o Brasil saiu de 15º para 2º lugar na lista de países com mais residentes.
“‘Second Life’ estava muito a frente de seu tempo”, resume Shintati. Não menos importante, a (má) qualidade das conexões de internet e os requisitos de hardware também não ajudaram o público brasileiro, sempre ávido por meios de socialização. “O ‘Second Life’ exigia um ambiente de alto custo para o usuário numa época em que o YouTube [que popularizou o conceito de ‘streaming’] ainda não era popular no Brasil.”
A péssima qualidade de internet não ajudou "Second Life" no Brasil
De fato “Second Life” oferecia muito conteúdo no Brasil, seja criado pelos próprios residentes ou fornecido por empresas e artistas – houve transmissão de diversos shows, por exemplo. Só que tudo isso era baseado em streaming. “Muita gente entrava, experimentava e, como o metaverso dependia de uma conexão muito melhor que as disponíveis, ficava um pouco frustrada. Isso atrapalhava demais a retenção de usuários”, lamenta Castro.
Para Alvarenga, contudo, o problema foi outro: má administração dos responsáveis pelo “Second Life” no país. “O que houve foi uma grande baderna, feita por pessoas que não imaginavam que o processo podia ser simples”, dispara. “Mas minha voz era pouca. Eu era uma mulher de All Star no meio de um monte de homens engravatados, além de todos quererem criar uma transação de lucro máximo”.
O “Second Life Brasil” apostou também em um modelo que cairia em desuso não muito tempo depois: o de assinaturas. Embora fosse gratuito acessar o metaverso, o plano Premium saía por R$ 19,90. Ou seja, devia pagar – e caro - quem quisesse personalizar seus avatares ou comprar propriedades e itens como veículos, terrenos e casas.
Para possibilitar a compra de Linden dólares em Reais foi criada uma moeda intermediária, o Kaizen Cash (KC$). Um banco chegou a se interessar em vender os Lindens em Reais, mas a ideia não decolou, pois dependia de aprovação do Banco Central. Para Alvarenga, a historia poderia ter sido diferente se os Lindens tivessem sido vendidos como acontece com moedas e “cards” de jogos online hoje em dia, ou seja, em prateleiras de supermercados e lojas em geral.
O Orkut venceu
A queda de “Second Life” contrastou com a rápida ascensão das redes sociais, especialmente no Brasil. Logo, todo mundo preferiu ir se socializar no Orkut, afinal, era mais rápido e prático. O metaverso foi esquecido tão rapidamente quanto surgiu.
No fim das contas, muitas empresas que apostaram suas fichas no “Second Life” tentaram aplicar modelos do mundo real no mundo virtual, levando para lá atividades que já eram possíveis desempenhar no dia a dia. "Em um lugar que você pode ser quem você quiser, fazer e construir o que quiser (óbvio, dentro das limitações do software), não há necessidade de termos rua, bancos, prédios", diz Alvarenga.
Mas, se várias dessas companhias perderam dinheiro, ao menos ganharam em exposição de marca e mídia espontânea. Ao menos enquanto a onda durou.
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