Com acesso antecipado e Kickstarter, jogadores viram coautores dos games
Quando liberou o acesso ao inacabado "Minecraft" para quem comprasse o jogo em 2009, a produtora sueca Mojang deu inicio a uma revolução na forma com que jogadores e desenvolvedores se relacionam.
O sucesso de "Minecraft" chamou a atenção não só para os jogos independentes, feitos por estúdios pequenos ou até mesmo por um único programador, mas também impulsionou formas alternativas de financiar a produção dos games - em particular sites como o Kickstarter e o sistema de Acesso Antecipado do Steam.
O Kickstarter é o mais bem sucedido entre os sites de arrecadação coletiva, os "crowd-funding". Em 2012, a produtora Double Fine pediu US$ 400 mil para produzir 'Double Fine Adventure' (lançado em janeiro deste ano como "Broken Age") e recebeu mais de US$ 3 milhões dos 'backers' - como são chamados os membros da comunidade que contribuem para um projeto . O impacto foi tanto que diversos outros jogos buscaram o site para alavancar seu desenvolvimento.
Hoje, games são a principal categoria no Kickstarter, que também ajuda a produzir filmes, discos e outros produtos. Em 2013, 446 jogos foram financiados com dinheiro arrecadado na página, aproximadamente US$ 60 milhões.
Caso mais extremo é o de "Star Citizen", simulador espacial que além dos 30 dias no Kickstarter (uma campanha no site só pode durar um mês) também conta com uma campanha em sua própria página - o jogo já conta com US$ 37 milhões oferecidos pela comunidade. É um valor digno das grandes produções da indústria.
NOMES DE PESO
Designers de sucesso no passado, como Chris Roberts (foto) e Tim Schaffer, tem mais chances de angariar contribuições dos fãs para projetos de jogos no Kickstarter
Já o Steam oferece uma alternativa mais parecida com a estratégia da Mojang: produtores independentes liberam o acesso antecipado ao jogo para quem fizer a compra.
Você paga o valor cheio e pode começar a jogar imediatamente - ainda que o game muitas vezes esteja longe da qualidade final. Lançado em 2013, o sistema hoje responde por alguns dos games mais vendidos na plataforma.
Jogos como "Day Z" e "Rust" são exemplos recentes da fórmula de sucesso: o primeiro ainda está em estágio inicial de desenvolvimento e já arrecadou mais de 1 milhão de cópias. O jogo de sobrevivência "Rust" trilha o mesmo caminho, com 750 mil cópias vendidas e contando.
Hoje, 93 jogos fazem parte do programa de Acesso Antecipado do Steam.
"As pessoas deveriam ver o Acesso Antecipado e o Kickstarter como micro-investimentos", sugere Dean Hall, criador de "Day Z". "Muitos jogadores usam o acesso antecipado como apostas: 'vou comprar esse jogo se ele for bom' - quando deveriam olhar para o projeto e avaliar seus méritos e não apenas esperar o resultado final".
Porém, um investimento geralmente envolve aplicar um capital para receber algum rendimento de volta. Tanto no Kickstarter quanto no Acesso Antecipado, o jogador receberá o game - e em alguns casos, alguma outra coisa, como o nome nos créditos, sua foto num quadro dentro do jogo ou uma camiseta. O usuário ajuda o processo produtivo, mas não recebe um retorno financeiro das vendas.
O que motiva, então, alguém a colocar dinheiro em um game que não está pronto, ao invés de comprar outro já concluído ou simplesmente esperar o projeto chegar ao fim?
Diversão e colaboração
A sensação de fazer parte do desenvolvimento de um jogo que talvez não fosse possível de maneiras convencionais é uma motivação recorrente, tanto no Acesso Antecipado quanto no Kickstarter.
Para Victor Augusto Matsumoto, 20 anos, gerente de co-working em Londrina (PR) e jogador de "Rust", existem dois motivos para participar de um 'acesso antecipado': "diversão com os amigos e ajudar no desenvolvimento do jogo".
"Alguns usuários entram no game só pela diversão, não se interessa pelos logs, nem reportar bugs ou exploits [como são conhecidos os erros que aparecem nos jogos nesse estágio e costumam ser descobertos e informados pelos jogadores]. Porem tem a outra metade que sempre que encontra um bug, informa o suporte", explica.
"Não é assim só com os brasileiros, isso se encaixa em todos os jogadores", comenta Victor, que além de "Rust", participa do acesso antecipado ao popular "Day Z" e costuma jogar outros games em estágios de teste, como o RPG online "Elder Scrolls Online".
No caso dos projetos financiados no Kickstarter, a coisa é mais complicada, pois você precisa esperar o game sair - ou ao menos entrar em fase de testes - para colocar as mãos no produto que ajudou a desenvolver.
Isso não desanima o administrador Rodrigo Rezende, 26 anos, do Rio de Janeiro e 'backer' de "Star Citizen". "Quando vi o trailer de anúncio do jogo, pensei na mesma hora: Tenho que fazer parte disso!".
CONSELHO DE VETERANO
"Ao comprar um jogo no Acesso Antecipado, é preciso ter em mente que o game não está pronto e por isso vão aparecer muitos bugs e problemas", lembra Victor Augusto, que joga games ainda em estágio inicial de produção, como"Rust" e "Day Z"
"Hoje eu me orgulho de ser um Early Backer do game, quer dizer, fazer parte das pessoas que apoiaram o desenvolvimento do jogo logo nos primeiros dias, onde a incerteza sobre o projeto, sobre a seriedade do projeto eram muito grandes", comenta Rodrigo que já investiu US$ 395 em "Star Citizen".
Rodrigo acompanha todas as novidades sobre o game, publicadas pela produtora CIG no site oficial, onde os 'backers' podem entrar em contato diretamente com a equipe para tirar dúvidas e discutir o desenvolvimento de "Star Citizen" - uma liberdade que não existe em uma grande produção convencional e que se traduz em um engajamento dos fãs na divulgação do game.
"Eu tento contribuir com a divulgação de 'Star Citizen' como posso, dentro de minhas limitações. Tive sorte do sucesso do meu tópico no Fórum UOL e consegui ganhar destaque no Google, aparecendo na primeira página ao procurar por 'Star Citizen Brasil'. Incrível! Claro que deu um trabalhão fazer o tópico, mas quando se faz algo que gosta o tempo passa voando!".
"Eu sinto que tenho certa responsabilidade para com isso", comenta Rodrigo."Grande parte dessa responsabilidade vem justamente na posição de destaque no Google. E a CIG [produtora do jogo] já falou que a maior força de marketing deles somos nós, os próprios jogadores... então fico feliz sempre que alguém esbarra sem querer no meu tópico e de alguma forma se interessa por 'Star Citizen'".
Claro que o engajamento nem sempre é o caso. Muitos 'backers' se limitam a pagar uma quantia para ter o game quando o lançamento chegar e ficam satisfeitos com isso. O mesmo vale para os games disponíveis em Acesso Antecipado.
"Tem muita gente que acaba se estressando, e resolve esperar o game ficar pronto. Tenho alguns amigos nos EUA que ja pararam de jogar por conta dos bugs e outras falhas, mas ja falaram que vão voltar quando 'Rust' ficar pronto", conta Victor Augusto.
Dicas para iniciantes
Ao entrar em um game disponível em acesso antecipado no Steam, é preciso ter em mente que o jogo ainda está em desenvolvimento e por isso vão aparecer muitos bugs e outros problemas, diz Victor.
"Se você tiver isso em mente, o que sobra é a diversão com os amigos e saber que está ajudando a empresa a tornar o jogo melhor".
Já Rodrigo recomenda que o jogador se informe bem antes de contribuir para um projeto no Kickstarter. "Leia bastante sobre o projeto e pergunte o tanto quanto puder. É importante você se informar para que não seja levado pelo impulso das promessas".
"Já tive vontade em apoiar outros projetos mas no final das contas não tive o interesse em abrir a carteira e financiar o projeto. Muitas vezes por desconhecer a equipe por trás do jogo", comenta Rodrigo.
CONHEÇA O SIMULADOR ESPACIAL "STAR CITIZEN"
"Em 'Star Citizen' a equipe é formada por Chris Roberts [produtor do clássico 'Wing Commander'] e desenvolvedores que trabalharam com ele na antiga Origin. Chris Roberts está até participando da programação do jogo, escrevendo códigos.Pra mim , isso foi mais do que o suficiente para ter a confiança de que precisava para financiar".
"Chris Roberts é 'o cara' quando o assunto é simulador espacial, ele fez grandes jogos de sucesso no passado como 'Wing Commander' e 'Freelancer'. Ele tem nome no mercado, sua reputação o ajudou muito nesse sentido. Ele não precisava ficar explicando quem ele era. Ele é Chris Roberts de 'Wing Commander', seu passado de sucesso falava por ele".
Se cautela e informação são essenciais para evitar o arrependimento, também é importante lembrar que o principal motivo para apoiar um game no Kickstarter é justamente a sensação de fazer parte.
"Ajudar no desenvolvimento de um jogo do calibre de 'Star Citizen' desde o comecinho não tem preço".
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