Topo

Aos 37 anos, analista de sistemas realiza sonho de infância e lança jogo

Pedro Henrique Lutti Lippe

Do UOL, em São Paulo

28/02/2014 19h15

A partir dos anos 1990, quando a indústria dos games passou a investir em megaproduções e projetos multimilionários, a vida de desenvolvedores independentes tornou-se progressivamente mais difícil. Não havia espaço para jogos pequenos ou mais simples nas plataformas tradicionais.

Mas o advento dos sistemas de distribuição digital nos anos 2000 mudou tudo isso. Renasceu com eles o mercado indie, alimentado pelas produções de aficionados e pequenos estúdios. E hoje, com plataformas como celulares e tablets, nunca foi tão fácil lançar um jogo.

Nunca foi tão fácil... Mas isso ainda não quer dizer as dificuldades acabaram, como mostra a história de Fábio Heberty. Um analista de sistema de 37 anos que sonhava desde criança em criar seu próprio game, ele precisou investir muito dinheiro do próprio bolso, e até mesmo pedir mais emprestado, até finalmente conseguir lançar seu projeto.

ASSISTA AO TRAILER DE "DEAD PUNCH HOSPITAL"

  •  

Zumbis em um hospital

"Dead Punch Hospital" (gratuito e disponível para iOS e Android) é um beat 'em up nos moldes clássicos, inspirados pelos games que Fábio jogava em sua infância, como "Double Dragon", "Final Fight" e "Teenage Mutant Ninja Turtles". "Adequado aos dias de hoje, porém, ele tem alguns elementos que se aproveitam dos dispositivos novos, como a possibilidade de chacoalhar o celular para desviar dos zumbis", explica o designer ao UOL Jogos.

O game tem como protagonista Jack Punch, pugilista que entra em coma após uma luta que termina com um nocaute duplo. Ao acordar, ele descobre seu hospital tomado por uma invasão zumbi. "A história é bem parecida com a de 'The Walking Dead', mas na verdade eu tive a ideia assistindo ao filme 'Extermínio' - tanto que Jack fica desacordado por 28 dias", explica Fábio, fazendo referência direta ao longa-metragem de Danny Boyle.

"Inicialmente, 'Dead Punch' teria três personagens jogáveis - uma colegial, um executivo, e um terceiro. Mas depois decidi que me focaria no boxeador", diz. O conceito de jogo criado por Fábio está pronto há anos, mas só na última quinta-feira (27) ele saiu oficialmente do papel.

Dificuldades

"O mais difícil na hora de criar um jogo, claro, é a questão financeira", explica Fábio. "Tem muita gente boa no mercado para ajudar você com os serviços que você precisar, mas contratá-las não é barato."

"No início, investi dinheiro do meu próprio bolso para contratar os artistas e músicos. Depois, precisei até mesmo contratar um estúdio inteiro", conta. "E uma hora o dinheiro acabou. Então, precisei recorrer aos meus pais. E não tenho vergonha nenhuma disso, pois eles me ajudaram muito. Mesmo sem conhecer a indústria, eles fizeram uma aposta em mim".

Para o analista de sistemas, ter que lidar com a questão de tempo também foi um problema ao longo do processo. "Eu sempre tive todo o apoio da minha família, mas tinha horas em que eu precisava me afastar um pouco e dividir o tempo entre eles e o jogo. E isso é difícil, porque eu já tenho um trabalho em horário normal. Às vezes tinha que pedir paciência para meu filho. Mesmo em um domingo bonito, eu tinha que ficar trabalhando".

  • Protagonista acorda de seu coma e depara-se com uma situação perigosa

Ajuda

A grande reviravolta na trajetória de "Dead Punch Hospital", que estava longe de ser lançado, ocorreu quando Fábio apresentou o projeto para Guilherme Camargo, seu professor no curso de Game Marketing da ESPM. Presidente da desenvolvedora Sioux e ex-gerente geral da divisão de jogos da Microsoft, o executivo demonstrou interesse pela história do aluno.

"Meu envolvimento com o jogo começou no último dia de aula do curso. Antes disso, Fábio mal tinha falado comigo porque era muito tímido. Mas ele me contou a história dele, e como vi que o projeto já estava em um estágio avançado, me interessei", revela Guilherme. "Na verdade, a parte mais árdua da produção já estava toda feita por ele. No fim das contas, o trabalho da Sioux foi a parte mais fácil - a de viabilizar o sonho dele".

"Mais do que incentivar o mercado local, entramos nessa história para ajudar o Fábio, que buscou cursos sobre o assunto, estudou, investiu dinheiro do próprio bolso - fez de tudo para alcançar seu objetivo", explica o executivo. "Mas não foi caridade, pois o jogo é tão interessante quanto a trajetória dele".

Indústria brasileira

Oficialmente parte da indústria, apesar de sua profissão, Fábio Heberty usa de sua experiência para ver o futuro do mercado brasileiro de games com otimismo. "Tudo o que vem daqui pra frente é promissor. Temos muita gente boa fazendo trabalhos legais aqui, inclusive muita coisa pra fora", diz.

Guilherme também demonstra certo otimismo, mas garante que um processo de amadurecimento da indústria precisará ocorrer antes que ela alcance um patamar de verdadeiro sucesso. "Hoje em dia, temos muita gente querendo fazer coisas grandes demais. Todos querem ser o maior sucesso. E as pessoas precisam entender que, como no caso de um músico, nem todo mundo vai lotar estádio pra show", explica.

"Antes de atingir seus objetivos, muitos músicos têm que se virar no papel de guitarrista de banda sertaneja. E na indústria dos jogos é a mesma coisa", conclui o executivo.