Da pizza à fronteira final: veja a história da Maxis, criadora de "SimCity"
Em 4 de março, a Electronic Arts anunciou o desligamento do estúdio Maxis Emeryville, após quase 3 décadas de existência.
A notícia pode não causado o mesmo choque que teria anos atrás, especialmente após tropeços como o novo “SimCity”, mas ainda é triste ver um estúdio que foi referência de inovação no mundo dos games, sendo responsável por algumas das franquias mais inovadoras e lucrativas da indústria, fechar as portas.
Fundada por Jeff Braun e Will Wright em 1987, a Maxis foi uma das pioneiras no mundo de jogos de simulação e estratégia, moldando o gênero ao lado de figuras como Sid Meier (“Civilization”) e Peter Molyneux (“Populous”). Graças ao estúdio, jogadores puderam cuidar (ou atormentar) de cidades, campos de golfe, formigueiros, ou mesmo a vida cotidiana.
E tudo isso deve-se, principalmente, à pizza.
Fundador da Maxis, Will Wright é visto como um dos maiores inovadores dos games
A pizzada mais importante da História
Em 1986, Will Wright era um desenvolvedor de games em busca de uma distribuidora interessada em levar seu novo projeto às lojas.
Dois anos antes, Wright havia lançado seu primeiro jogo, “Raid on Bungeling Bay”, um shooter de helicóptero lançado para o Commodore 64. Durante o processo de desenvolvimento, o designer percebeu que estava se divertindo mais criando os diferentes mapas e estruturas do que jogando o game propriamente dito.
Utilizando como base o livro “Urban Dynamics”, do engenheiro Jay Wright Forrester, que argumentava que o planejamento urbano poderia ser melhor implementado por simulações de computador do que por humanos, e os trabalhos do matemático John Horton Conway, responsável pelo “Jogo da Vida”, o designer começou a elaborar a ideal inicial, criando um simulador de gerenciamento de cidades.
O jogo trazia uma série de sistemas complexos que envolviam uns aos outros, desde uma alta taxa que poderia levar a um êxodo da população (o que afeta o arrecadamento de impostos e, assim, qualquer projeto de desenvolvimento) até uma educação pobre, que afeta o desenvolvimento industrial e comercial da cidade.
Esta ideia ambiciosa, porém, não agradou os chefões da produtora Brøderbund, na qual Wright trabalhava na época. O principal ponto negativo para eles era o fato do jogo não ter um ponto de vitória claro, o que poderia afastar o público interessado. Após algum tempo, os direitos do projeto revertam para o desenvolvedor, que começou a procurar alguém que quisesse lançá-lo.
O que nos leva à “Pizzada mais importante da História”, como definida por Wright, realizada em Alameda, nos EUA, em 1986. Foi lá que o designer conheceu Jeff Braun, um empresário com grande interesse pela indústria de games. “Will me mostrou o jogo e disse ‘Ninguém gosta dele, porque você não pode vencer’. Mas eu achei excelente. Previ um público de megalomaníacos que gostaria de controlar o mundo”, relembrou Braun à revista The New Yorker.
Juntos, Wright e Braun fundaram a Maxis em 1987, e no ano seguinte retornaram à Brøderbund para garantir os direitos completos do jogo. Ao ver uma versão atualizada do game, os executivos Don Daglow e Gary Carlston reconsideraram a antiga posição da companhia, concordando em ser responsável por sua distribuição.
Assim, em fevereiro de 1989, “SimCity” chegou às lojas, inicialmente para computadores como Commodore Amiga, o Atari ST e o IBM PC. Eventualmente, o game foi portado para diversas plataformas, desde outros computadores como o Commodore 64 e Macintosh até o Nintendo Entertainment System.
O game foi um grande sucesso não apenas em vendas, alcançando o marco de um milhão de cópias vendidas em 1992, mas também tornou-se uma sensação cultural, sendo fonte de artigos em revistas conceituadas como a Time e Newsweek, inspirando desenvolvedores, como Sid Meier, e ganhando fãs dos mais variados tipos.
“Era engraçado, recebemos uma [carta] do prefeito de Portland dizendo ‘Deus,quem dera Portland fosse tão fácil de governar. Eu tenho todo este poder no jogo, mas nada disso por lá”, lembrou Wright à revista Game Informer.
Com a popularidade do jogo, que começou até a ser usado durante aulas escolares, e pedidos de programas de simulação de entidades desde a CIA até a Associação de Lenhadores do Canadá, a Maxis havia colocado seu nome no mapa.
"SimCity 2000" trouxe elementos grandes mudanças à série, como a câmera isométrica
A ascensão e queda do império Sim
Os próximos anos foram um misto de constante bonança e experimentos falhos por parte da Maxis. Financiada pelo incrível sucesso de “SimCity”, a empresa começou a dedicar suas forças a expansão da marca “Sim”, focada nos mais diferentes tipos de simulações.
A primeira tentativa foi “SimEarth”, um jogo baseado na Teoria de Gaia, do cientista James Lovelock, que propõe que a Terra é um organismo capaz de regular elementos orgânicos e inorgânicos para perpetuar a vida no planeta. No game, o jogador poderia alterar fatores como atmosfera e temperatura para manter as diferentes criaturas que habitavam o planeta vivas e evoluindo, além de enfrentar eventos como extinções em massa.
Já o projeto seguinte, “SimAnt”, procurou seguir no caminho contrário, com o jogador sendo responsável por uma colônia de formigas em um quintal de uma casa. Ao contrário dos jogos anteriores da Maxis, este tinha um objetivo final: Eliminar as formigas vermelhas de seu território, e expulsar os humanos da residência.
Estes jogos tiveram boa recepção, e atualmente são considerados clássicos do gênero, mas suas vendas não chegaram nem perto dos números de “SimCity”. Com o público cada vez mais interessado em uma sequência, a Maxis começou a investir no projeto, inicialmente sem a liderança de Wright. Após alguns contratempos, porém, o designer acabou colaborando com o desenvolvimento.
“SimCity 2000” saiu em 1994, e embora o original tenha a importância histórica, este foi o jogo que apresentou muito do que o público imagina ao pensar na série, desde a câmera isométrica até a possibilidade de implantar prédios como escolas, prisões e hospitais nos lugares que quisesse, o que só era feito indiretamente em seu predecessor.
Vários sistemas também foram apresentados ou refinados, incluindo o sistema de impostos, que agora era separado entre os setores comercial, industrial e residencial. Além disso, foram implementadas camadas subterrâneas, para permitir serviços de metrô e transporte de água.
O game foi sucesso absoluto, vendendo cerca de 300 mil cópias em quatro meses e consolidando a posição da Maxis no mercado. A companhia expandiu, recebendo investimento externo, e eventualmente abrindo o capital ao público, tendo um bom retorno inicial.
Em meados de 1996, porém, as coisas haviam mudando de figura. Pressão por parte de investidores forçou a produtora a lançar produtos rapidamente e sem o polimento necessário, incluindo o novo projeto de Wright, o ambicioso “SimCopter”, em que era possível voar pelas cidades de “SimCity 2000” com um helicóptero, tudo em três dimensões.
Ainda assim, o desenvolvimento apressado criou produtos medianos, cujas vendas ficaram abaixo do esperado. As tentativas da empresa de servir como publisher, por sua vez geraram produtos horrendos como o jogo em FMV “The Crystal Skull”, que nem a presença do aclamado ator Edward James Olmos (de “Blade Runner” e “Battlestar Galactica”) conseguiu salvar.
Em declínio, a companhia se viu forçada a procurar interessados em comprá-la, assim como suas propriedades intelectuais. Entra em cena a Electronic Arts que, em busca de uma fatia maior do mercado de PC, adquiriu a Maxis por US$ 125 milhões. Depois disso, Jeff Braun pegou sua fatia dos lucros e deixou a empresa que ajudou a fundar e gerenciar durante os anos 90.
Idealizado por Wright nos anos 90, "The Sims" virou um dos maiores sucessos do mundo dos games
Brincando de bonecas
Na EA, a Maxis passou por um processo de reestruturação, chefiado por um novo gerente, Luc Barthelet, que tinha como objetivo dar foco exclusivo ao setor de PC, e apenas em projetos que chegassem ao Top 10 de vendas em seu lançamento. O tamanho do estúdio foi significativamente reduzido, chegando à metade de seu tamanho antes da aquisição.
Barthelet foi instrumental para o sucesso de “SimCity 3000”. Inicialmente, o game seria totalmente em 3D, o que se mostrou um pesadelo logístico com a tecnologia da época. O executivo mandou o projeto ser retrabalhado, e trouxe como reforço a produtora executiva Lucy Bradshaw - que por sua vez seria a gerente da Maxis em seus últimos anos. A mudança deu certo, e o game chegou a vender 5 milhões de cópias.
Já Will Wright tinha como objetivo trazer um antigo conceito em ação: Inspirado por um incêndio que destruiu sua casa nos anos 90, o designer tinha interesse em criar um simulador da experiência humana. “Eu não acho que pessoas notem o quanto de pensamento tático e estratégico existe em seu dia a dia”, explicou certa vez. “Essencialmente, estratégia em tempo real é nossas vidas”.
A cúpula da Maxis, na época, não se impressionou. “A diretoria olhou para ele e disse ‘O que? Ele quer fazer uma casa de bonecas interativa? O cara está completamente louco”, relembrou Jeff Braun à The New Yorker. A EA, por outro lado, conseguiu perceber as possibilidades lucrativas da ideia, como pacotes de expansão temáticos, e decidiu financiar o projeto, esperando ao menos 160 mil unidades vendidas.
A aposta da EA foi, para dizer o mínimo, acertada. Lançado em 2000, o primeiro “The Sims” é um dos maiores sucessos da indústria de games, vendendo cerca de 16 milhões de cópias até hoje. “The Sims 2”, lançado em 2004, superou a marca com 20 milhões de unidades, sendo uma das marcas mais valiosas da indústria, gerando bilhões de dólares à empresa.
O sucesso da série também mostrou o valor na busca de diversisdade no mercado, já que os jogos tem bastante apelo com o público feminino. Wright disse não ter ficado surpreso com este fato, já que boa parte da equipe de desenvolvimento era composta por mulheres, e sua filha, Cassidy, testou os vários protótipos do primeiro jogo.
Com “The Sims”, a Maxis e Wright voltaram a mostrar sua capacidade de inovação com sistemas mais complexos e, ao mesmo tempo, acessíveis para o público em geral. A influência do jogo é imensa, ajudando a popularizar o conceito de jogos casuais, um dos principais pilares da popularidade do mercado mobile.
Após este feito, porém, a empresa amargaria um lento declínio.
O ambicioso "Spore" acabou ficando bem abaixo das expectativas
Esporos venenosos
Durante o início dos anos 2000, a Maxis procurou lançar jogos que fortalecessem sua marca, como “SimCity 4”, primeiro jogo 3D da série lançado em 2003 (seis anos depois da primeira tentativa tridimensional com “SimCity 3000”) e “The Sims 2”, além de alguns projetos que nunca chegaram às lojas, como “SimsVille”, e que não tiveram grande sucesso, como “The Sims Online”.
Durante este tempo, Wright voltou a trabalhar em uma de suas ideias antigas, iniciando o desenvolvimento de seu projeto mais ambicioso: A evolução de uma forma de vida, desde suas origens unicelulares até a possibilidade de exploração intergalática, inspirado na chamada Equação de Drake, que estima o número de civilizações extraterrestres na Galáxia, e o filme “The Powers of Ten”, de 1977.
A produção do jogo teve início em 2001, mas sua revelação oficial só foi realizada na E3 2005, quando o público teve a primeira chance de ver o possivelmente revolucionário “Spore”. O game misturaria diversas mecânicas de gêneros diferentes para cada fase evolucionária, culminando na possibilidade de explorar uma galáxia com planetas gerados proceduralmente.
O game só chegaria ao mercado em 2008, graças a uma série de atrasos e contratempos. Ainda assim, a reputação estelar de Wright, a este ponto considerado uma das mentes mais brilhantes e inovadoras da indústria, só fez com que as expectativas em relação ao jogo aumentassem, enquanto na verdade o projeto era significativamente mais complexo do que os desenvolvedores esperavam.
“Acho que esperávamos que fosse três vezes mais difícil do que um jogo comum em relação ao design, quando na verdade acabou sendo dez vezes mais difícil”, explicou Wright à Game Informer. Vários modos tiveram de ter suas mecânicas reduzidas, quando não completamente abandonadas, como vôo e uma fase de evolução aquática.
Para piorar a situação, o mercado de jogos de PC em 2008 era extremamente volátil, com publishers implementando medidas extremas para tentar reduzir a pirataria. Em “Spore”, a EA utilizou uma política de segurança draconinana, liberando apenas três instalações para o jogo antes de travá-lo via o programa SecuROM.
Os consumidores se revoltaram, promovendo uma série de boicotes contra o produto. Quando o jogo foi lançado, as críticas foram positivas, mas ficou claro que o produto final ficou muito abaixo do que havia sido prometido. Apesar das grandes promessas da EA e da Maxis, “Spore” não se tornou o próximo grande passo para a indústria, não chegando perto do que “SimCity” ou “The Sims” alcançaram.
Will Wright, por sua vez, deixou a empresa que fundou alguns meses depois, em abril de 2009. O futuro não era promissor para a Maxis.
Com mapas menores e vários bugs, o novo "SimCity" decepcionou os fãs do gênero
Uma última chance
Após a saída de Wright, a empresa ficou no escuro por alguns anos, salvo o lançamento do esquecível RPG “Darkspore”. “The Sims 3” ficou a cargo do chamado The Sims Studio, fundado em 2006, e eventualmente o site da Maxis era redirecionado para a página de “Spore” ou “The Sims”.
Quando era possível esperar o pior, a empresa revelou seu mais novo projeto em 2012, voltando às origens com uma nova edição de “SimCity”, que seria lançado mais de uma década depois de seu predecessor.
Os primeiros vídeos e impressões deram esperanças aos fãs de um retorno digno de uma das franquias mais aclamadas do mundo dos games, como “Deus Ex” viu com “Human Revolution”. Infelizmente, esta sensação não durou muito.
A primeira má notícia é que o jogo seria totalmente online, requerendo uma conexão constante com a internet para funcionar. Para piorar, os mapas das cidades seriam extremamente reduzidos em relação aos jogos anteriores.
Para completar, o lançamento do jogo foi um desastre, sendo impossível se conectar ao jogo por dias. Mais tarde, foi possível constatar que este era o menor dos problemas do jogo, que sofria com diversos bugs e erros de programação que tornavam a experiência frustrante.
Uma série de patches e correções foram aplicadas com o passar dos meses, e no ano seguinte, o jogo recebeu um modo offline, mas o dano já estava feito, e a imagem da franquia foi completamente manchada pelo título.
O fim
Assim, neste ano, após altos e baixos, a Maxis Emeryville finalmente fechou as portas.
O anúncio veio de forma inesperada, via o Twitter de um antigo funcionário, antes da EA revelar formalmente o desligamento do estúdio.
Os dias de glória certamente ficaram para trás, mas ainda é triste ver o fim de uma entidade tão importante para a evolução da mídia de games.
De qualquer forma, a Maxis e Will Wright conseguiram explorar diferentes conceitos complexos, seja cuidando de uma cidade ou gerenciando o dia a dia de uma família, de forma simples e intuitiva, inspirando e fascinando o público por décadas.
Quem diria que uma festa com pizza à gosto levaria a tanto?
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