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Mesmo difícil e só para PS4, "Bloodborne" atrai legião de fãs; entenda

Pablo Raphael

Do UOL, em São Paulo

07/04/2015 15h56

"Eu sou um caçador, ou ao menos foi o que me disseram. Um cavalheiro vitoriano sombrio, armado com uma espada em uma mão e uma pistola na outra. O campo de caça é Yharnam, uma versão surrealista de Londres, com uma arquitetura convidativa e assustadora.

Não sei ao certo, porém, quem ou o que estou caçando: as ruas estão apinhadas com bandos de homens altos, suas faces em decomposição tão assustadoras quanto as armas que empunham. Essas gangues de mortos-vivos estão sempre prontas para me perseguir, sem precisar de algum outro motivo além da minha presença.

Os habitantes de Yharnam estão escondidos, trancados em casa e ocasionalmente, consigo falar com algum deles. Alguns até tentam me dar conselhos, mas a maioria simplesmente ri do meu infortúnio. O único lugar seguro é um cemitério, infestado de fantasmas com feições deformadas. Minha única companhia é uma boneca de porcelana. Sinto que ela tem uma utilidade, uma razão para estar ali. Se ao menos ela pudesse falar.

Se os bandos de mortos-vivos ou os enormes e vorazes lobisomens nos becos da cidade já não fossem o bastante, ainda há criaturas maiores, “chefões" capazes de apagar qualquer avanço alcançado até aqui com um ou dois golpes certeiros de suas lâminas…

Ouço passos atrás de mim. Me disseram que eu sou um caçador, mas em Yharnam eu me sinto como se fosse a caça.”

Essa é a ambientação de “Bloodborne”, nos primeiros 20 ou 30 minutos de jogo após caminhar livremente por Yharman pela primeira vez. Ao menos foi assim que me senti nos momentos iniciais do game, que traz um cenário horripilante, cheio de perigos e sem nenhum conforto para o jogador, muito menos alguma instrução clara sobre o que fazer dali em diante.

O jogo é difícil, daqueles em que qualquer falha do jogador é punida com a morte, coisa que por si só enfraquece o jogador e cria novos problemas. Não é um jogo para qualquer um e mesmo assim, atrai uma legião de fãs. Não foram divulgados ainda números totais de vendas, mas "Bloodborne" está no topo dos jogos mais vendidos em mercados como Europa e Japão desde o lançamento.

Rompendo as regras

“Bloodborne" rompe várias convenções dos games atuais, adotando práticas que fariam executivos de marketing virarem os olhos na maioria das grandes produtoras, mas esse parece ser o segredo do sucesso do jogo da nipônica From Software.

O game, exclusivo para PlayStation 4, vem de uma linhagem antiga de jogos macabros e difíceis. “King’s Field”, “Shadow Tower”, “Demon's Souls”, “Dark Souls”. A From é uma produtora com pedigree em torturar seus seguidores e ao mesmo tempo, em envolve-los nas experiências mais “hardcore”.

Ao contrário de quase todas as grandes produções mais recentes, “Bloodborne" não indica todas as direções e objetivos ao jogador, nem o conduz pela mão do começo ao fim da aventura. O jogo não dá praticamente nada para você. A satisfação está em descobrir e avançar diante desse obstáculo.

Mesmo o sistema de combate de “Bloodborne" quebra padrões estabelecidos pela própria From Software em “Demon’s Souls” e na série “Dark Souls”. Nesses jogos, você conta com um escudo, coisa que a From Software removeu no novo game.

SANGUINOLÊNCIA

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    Dominar os diferentes ataques, como o golpe visceral, é essencial para sobreviver

“Os jogadores assumiam uma postura muito passiva, protegidos atrás do escudo esperando pela oportunidade de contra-atacar”, explicou Hidetaka Miazaki, diretor do jogo e mente sádica por trás da série “Souls” em entrevista a revista britânica Edge.

A idéia em “Bloodborne" é forçar o jogador a atacar para sobreviver. É possível esquivar para os lados e para trás, de maneira bem mais ágil do que em “Dark Souls”, mas se você for acertado por um inimigo (coisa que vai acontecer com freqüência), o melhor a fazer é golpear rapidamente de volta: assim, a saúde do personagem do jogador não se perde.

Ao estimular o ataque como forma de defesa, “Bloodborne” vai aos poucos mudando a forma que o jogador pensa dentro do game, transformando o instinto de preservação em paranoia: morrer é perder os Ecos de Sangue (moeda usada na evolução e compra de itens). Para recuperar os pontos perdidos, é preciso voltar ao lugar da morte, como nos jogos da série "Souls"... isso se algum monstro não tiver roubado os Ecos caídos no chão. Nesse caso, é preciso localizar a criatura e dar cabo dela para ganhar os pontos de volta.

Ao ir contra as regras do design de jogos atuais, "Bloodborne" mostra que há um público carente por games desafiadores, tanto veteranos calejados quanto uma nova geração de jogadores que apreciam um bom desafio. O jogo adota práticas comuns tanto nos clássicos do passado quanto em produções independentes.

Suas masmorras do Cálice são inspiradas nos populares jogos "Rogue Like", a exploração do cenário lembra os "Castlevania" de outrora e os chefões enormes e implacáveis remetem aos bons tempos de "Ghouls'n Ghosts". O que a From Software conseguiu aqui, além de inovar dentro da já bem sucedida fórmula da série "Souls", foi resgatar a satisfação do desafio em uma grande produção exclusiva para um console de última geração, o PS4.

Veja como derrotar alguns dos chefões de "Bloodborne"
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Comunidade hardcore

É preciso descobrir tudo em "Bloodborne" por conta própria - ou com a ajuda de vídeos na internet, guias ou trocando informações com amigos e outros jogadores, a “comunidade” em fóruns online. Você pode até jogar na base da tentativa e erro - e o fato do jogo estar (bem) dublado e legendado em português vai ajudar - mas para descobrir tudo o que o jogo tem a oferecer, é melhor recorrer aos colegas - fazer parte dessa turma é uma das coisas que torna o game tão legal, a experiência "fora do jogo".

EM BUSCA DO MAIS FORTE

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    Para quem já terminou a campanha de "Bloodborne" e desvendou muitos de seus segredos, o desafio final é encarar as masmorras do Cálice. São 'dungeons' geradas de forma quase aleatória, populadas com chefões únicos e muito mais difíceis. Para completar, a 'vida' do caçador é cortada pela metade nesses cenários.

A comunidade troca informações, discute estratégias e melhores maneiras de jogar: qual arma funciona melhor em dada situação, como enfrentar cada chefe ou encontrar itens escondidos pelo labirinto intrincado que compõe as ruas de Yharman. Seus membros adotam um vocabulário único, que só faz sentido para os iniciados.

Outros, buscam maneiras menos ortodoxas de superar os desafios do game e testam métodos como deixar o game ligado durante 12h seguidas antes de jogar (prática que torna os adversários bem menos ameaçadores) ou correm para completar o jogo no menor tempo possível - sem lutar com ninguém, apenas esquivando dos adversários até chegar ao derradeiro chefão ou pulando algumas cercas do cenário para ir do primeiro ao último estágio em 44 minutos.

E, claro, há aqueles que buscam fazer tudo o que o game tem a oferecer, coletando todos os troféus de "Bloodborne" no processo. Esses são recompensados com o raro e cobiçado troféu de Platina. O usuário do Reddit conhecido como Daymeeuhn foi um dos primeiros a conquistar a Platina de "Bloodborne" nos EUA.

"Como eu faço meu próprio horário de trabalho, tenho o privilégio de mergulhar fundo em qualquer novo game que eu queira muito jogar", contou Daymeeuhn ao site VG247. O jogador é um grande fã da From Software e descreve sua primeira passagem por "Dark Souls" como a experiência mais mesmerizante de sua vida.

Daymeeuhn não é um típico "caçador de troféus", um daqueles jogadores que colecionam Platinas de todo e qualquer jogo. "Eu gosto muito de descobrir coisas. Para mim, o atraso no lançamento do guia de estratégia foi uma das melhores coisas quando 'Bloodborne' saiu".

"Isso fez com que todos os segredos do jogo fossem descobertos pelos jogadores nos primeiros dias", contou. "Foi preciso explorar cada canto de Yharman e os troféus representam esses segredos. Nos primeiros dias, nos guiávamos apenas pelas descrições dos troféus. Quando terminei o jogo pela primeira vez, fiquei surpreso com quantos troféus envolvendo chefes secundários ainda faltavam. Foi aí que decidi jogar tudo de novo até conseguir a Platina".

ASSISTA AO TEASER DE "BLOODBORNE"; LEGENDADO

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Missão desafiadora, mas não impossível

Um dos segredos para o sucesso de "Bloodborne" está no design excepcional do jogo. A experiência é desafiadora, cheia de segredos e mistérios. Os combates são implacáveis, mas não injustos. E, depois de algumas horas dominando as mecânicas do game, a aventura não parece assim tão difícil ou impossível, como, por exemplo, em "Demon's Souls" ou no primeiro "Dark Souls".

A From Software consegue, com um planejamento delicado, evitar a frustração total dos jogadores. Com dedicação, você não vai se encontrar travado em algum ponto do jogo nem se sentir injustiçado ao tombar diante de um inimigo mais poderoso.

Você vai 'morrer' jogando "Bloodborne"? Vai. Muito. Mas vai acabar pegando o jeito. Talvez até apague o progresso e crie um novo personagem algumas vezes antes de se sentir confortável. Mas quando começar a vencer, vai descobrir a rara satisfação de derrotar os chefões em um game que realmente reconhece sua habilidade.