Topo

Com "Heroes of the Storm", Blizzard corre atrás dos fãs de "DotA 2" e "LoL"

Pablo Raphael

Do UOL, em São Paulo

09/06/2015 17h32

Dois dos games mais populares da atualidade, "League of Legends" e "DotA 2" nasceram juntos, nas ferramentas de edição de mapas de "StarCraft" e de "Warcraft III", ambos jogos da Blizzard Entertainment.

Criação da comunidade, o mapa de "StarCraft" intitulado "Aeon of Strife" foi a base para "Defense of the Ancients", ou simplesmente "DotA", mapa criado em "Warcraft III" em meados de 2003 e aprimorado nos anos seguintes. Muito popular entre os jogadores, o mod de "Warcraft" que colocava dois times de 5 jogadores lutando em uma arena online ganhou a atenção dos jogadores profissionais e presença em campeonatos internacionais.

Alguns dos principais criadores de "DotA" são responsáveis por "League of Legends" da Riot Games. Outros, por "DotA 2", da Valve. Ambos os jogos movimentam fortunas, tanto em arrecadação quanto em premiações pagas em campeonatos assistidos por milhões de fãs ao redor do mundo. Olhando para trás, não há como negar que a Blizzard, concentrada no sucesso de "World of Warcraft", perdeu o bonde do MOBA e, com ele, o mais popular filão do eSport. A produtora perdeu até o direito da marca "DotA" em uma disputa judicial com a Valve em 2012.

Com mais de uma década de atraso, a Blizzard quer recuperar o tempo perdido e reclamar parte do mercado dominado por "League" e "DotA 2". Para isso, a produtora aposta em "Heroes of the Storm", game simples de jogar e pontuado por boas idéias - mas que parece feito mais para a comunidade já existente de fãs da produtora do que realmente para disputar a preferência geral dos jogadores.

O jogo segue a cartilha do gênero: gratuito para baixar, com heróis e trajes alternativos vendidos em microtransações (com 'ouro' do jogo ou em dinheiro mesmo) e um sistema de rotação de personagens liberados de graça semanalmente.

Longe do topo

A Blizzard pode ter demorado para entrar no mercado dos jogos de arena, mas na prática, isso não difere do padrão da empresa: "World of Warcraft" e o mais recente "HearthStone" não foram os primeiros de seus gêneros. Ambos os games se basearam no que já existia e funcionavam para atrair um novo público e sempre transportando a comunidade de fãs leais para a próxima investida. Em ambos os casos, a produtora buscou oferecer mecânicas refinadas e mais atraentes do que as já existentes na concorrência.

Para conseguir repetir o feito com "Heroes of the Storm", a produtora precisa não só cativar os fãs de "StarCraft" e "WoW", mas também despertar o interesse de jogadores de "League of Legends" ou "DotA 2", os líderes do segmento. "LoL" registrava 90 milhões de usuários ativos em abril. "DotA 2" ocupa um distante segundo lugar, com cerca de 10,8 milhões de usuários no mesmo período.

Mesmo menor, a comunidade de "DotA 2" é fiel e apaixonada pelo eSport, capaz de alavancar  US$ 11 milhões para o prêmio do principal campeonato do game, o The International. A soma é maior do que o valor pago no Campeonato Brasileiro de futebol - na cotação de hoje, o The International pagará R$ 36 milhões, contra os R$ 30 milhões divididos entre os 16 melhores times do Brasileirão.

Mesmo na arena da cultura pop, "Heroes" larga em desvantagem: cosplays de "League of Legends" são cada dia mais comuns em eventos de games e memes como o do personagem Zilean (aliás, um meme um tanto quanto boca suja) ultrapassam o domínio dos fãs para conquistar a internet. Os personagens de "Heroes", porém, são bem conhecidos dos jogadores, mas pelos jogos de onde vieram. Ninguém pensa em Arthas, Tyrael ou Raynor como campeões de "Heroes of the Storm" e sim como personagens de "Warcraft", "Diablo" e "StarCraft".

Por outro lado, a Blizzard está numa posição de vantagem na disputa do terceiro lugar: jogos como "Smite" e "Heroes of Newerth", mesmo já estabelecidos, não contam com o capital e a experiência que a produtora tem para investir em marketing, ações com a comunidade e infraestrutura para tornar o jogo competitivo em escala global.

Conquistar um lugar relevante no cenário competitivo e ganhar a preferência dos fãs fora da própria comunidade é o maior desafio que "Heroes of the Storm" vai enfrentar nos próximos anos.

"Heroes" usa personagens de games como "World of Warcraft"

MOBA para quem não gosta?

Alardeado por muitos como um "MOBA para quem não gosta de MOBAs", principalmente pela facilidade em aprender a jogar e pela variedade de mapas e objetivos, "Heroes of the Storm" está longe disso. Se você não gosta das partidas repetitivas em arena, onde precisa avançar derrubando torres e enfrentando outros campeões para, eventualmente, destruir a base do time inimigo, sinto muito. É exatamente disso que "Heroes" se trata e o jogo da Blizzard não oferece nada fundamentalmente diferente.

Dizer que o jogo é um "MOBA para quem não gosta de MOBAs" é como dizer que futebol de areia é o esporte para quem não gosta de futebol. Muda o cenário, mas ainda são dois times correndo atrás da bola e tentando marcar gols no fundo do campo adversário. Melhor seria dizer que "Heroes of the Storm" é o jogo para quem se intimida pela complexidade de "DotA 2" ou pela quantidade enorme de variáveis em "League of Legends".

A favor da Blizzard está a novidade do "Heroes": jogadores iniciantes tendem a se afastar de games já apinhados de veteranos, onde a curva de dificuldade é acentuada pela experiência bruta dos adversários. Mesmo com muitos jogadores vindos das fases de teste do jogo, "Heroes of the Storm" ainda é um campo de batalha onde calouros dedicados podem se sobressair.

Também contam pontos as mecânicas de jogo mais simples do que em "League" ou "DotA 2". "Heroes of the Storm" não tem uma loja de itens nem runas ou outras personalizações que exigem um conhecimento aprofundado do personagem e que, mesmo mudando apenas algumas porcentagens de acerto, velocidade ou recuperação, são cruciais para a vitória ou a derrota.

Você escolhe as habilidades conforme progride na partida e um leque maior de poderes se abre ao subir de nível com o personagem. Quanto mais familiarizado o jogador está com o herói que controla, mais opções de jogo são liberadas, de forma bem didática para não intimidar um jogador novato nas frenéticas batalhas do gênero. Desafios diários estimulam o jogador a experimentar personagens de outras classes e com isso, descobrir outros estilos de jogo, afinal controlar um guerreiro ou um herói de suporte (mais voltado para curar os companheiros) é bem diferente de jogar com um especialista, herói feito para destruir obstáculos e torres inimigas.

O game recompensa o avanço do time como um todo, sem favorecer (ou penalizar) jogadores pelos esforços individuais. Isso é bastante notável nos diversos objetivos secundários, que tornam as partidas um pouco mais imprevisíveis conforme os times se dedicam ao seu cumprimento - pode parecer que esses objetivos são apenas uma distração, mas em boa parte dos mapas, são capazes de virar a partida em um instante.

Cenário competitivo

Ainda é cedo para saber se "Heroes of the Storm" será um sucesso entre os pro-players. Certamente as organizações vão se interessar pelo game da Blizzard e montar times dedicados ao jogo. Afinal, toda premiação é bem vinda. Mas para atrair a audiência e despertar a paixão dos fãs, como fazem os concorrentes, a produtora terá que trabalhar duro. Será preciso convencer os jovens jogadores de que ser campeão de "Heroes" é um sonho tão bacana quanto jogar num time de futebol ou erguer a taça do "The International".

Não é uma tarefa fácil, mas para a Blizzard, não é um objetivo impossível. A produtora não é novata no mundo do eSport, longe disso. Durante anos, o jogo de estratégia "StarCraft" foi um dos eSports mais disputados no mundo. A produtora tenta replicar a fórmula de sucesso e a experiência em torneios de outros jogos, como "WoW" e "HearthStone", mas o apelo competitivo não vai muito além dos muros da comunidade já fidelizada.

Com "Heroes", a Blizzard pode conquistar uma nova audiência, usando o conhecimento adquirido em anos de "StarCraft" e uma percepção fresca sobre o que falta no cenário competitivo. O torneio Heroes of the Dorm, que levou o game para o canal de televisão ESPN, foi um passo nessa direção, associando os times do jogo com universidades, mais conhecidas do público norte-americano do que os nomes exóticos das equipes de eSport. Nem tudo deu certo: ao simplificar a transmissão e exibir a grande final do torneio apenas na TV, a produtora alienou seus principais apoiadores, os fãs e jogadores que assistem as partidas pela internet.

Se nos EUA a produtora já se dedica a levar "Heroes" para a televisão, embarcando na missão de "legitimar o eSport como esporte", no Brasil a Blizzard começa a dar os primeiros passos para popularizar o jogo: é o primeiro título do estúdio com um servidor localizado fisicamente no país, o que permite aos brasileiros competirem com uma infraestrutura equivalente aos norte-americanos, por exemplo.

Ainda assim, o único torneio oficial de "Heroes of the Storm" por aqui é a Copa América, que colocará os brasileiros na disputa com os vizinhos latinos e times norte-americanos. É preciso mais do que isso para estimular as organizações de eSport a investirem no game. Um campeonato brasileiro, nos moldes do CBLoL, seria muito mais atraente do que uma possível vaga no mundial.

Também é bem sacado oferecer uma edição em disco, ainda que paga, do game. Levar "Heroes of the Storm" para as lojas pode atrair um público que não está habituado ao ecossistema da Blizzard, gente que nunca instalou o cliente da Battle.net no computador. O disco traz bastante conteúdo desbloqueado: São cinco heróis (Sonya, Zagara, Li Li, Zeratul e Jaina), a skin Ronin para Zeratul e uma montaria exclusiva, o Golden Tiger. Se o jogador comprar o game em disco ao invés de comprar o mesmo conteúdo separadamente, economizaria R$ 27, além de levar a montaria exclusiva.

"Heroes of the Storm" não é um MOBA para quem não gosta de "LoL" ou de "DotA 2". É a investida da Blizzard no maior filão do eSport e uma boa porta de entrada para quem se interessa pelo gênero, mas se intimida diante da complexidade desses jogos - e da experiência dos jogadores veteranos, sempre impacientes com os recém-chegados. Lançado oficialmente uma semana atrás, o que "Heroes" mais tem são jogadores recém-chegados.