Sucesso inesperado, "Life is Strange" aborda temas como bullying e suicídio
Entre janeiro e outubro de 2015, o estúdio francês Dontnod Entertainment e a publisher Square Enix surpreenderam o mundo dos games com "Life is Strange", um jogo vendido em episódios para PC e consoles.
No papel da jovem Max Caufield, que retorna a sua cidade natal para estudar fotografia, descobrindo poder voltar no tempo após uma tentativa de assassinato, o jogador é confrontado com uma série de problemas cotidianos polêmicos durante a narrativa, incluindo bullying, suicídio, depressão (entre outros diversos problemas psicológicos), até mesmo eutanásia.
No fim, mesmo com críticas comuns a certos elementos - em especial aos diálogos e o final relativamente controverso -, "Life is Strange" foi um dos títulos mais aclamados de 2015, recebendo uma série de indicações e prêmios de Melhor Jogo e Melhor Narrativa do Ano.
Nada mal, para o que começou como uma ideia de três desenvolvedores em seu tempo livre.
"É difícil lembrar como o jogo evoluiu a este ponto", explicou o co-diretor e diretor de arte do jogo, Michel Koch, em entrevista com UOL Jogos. "Só a fase de concepção durou quatro ou cinco meses".
Inicialmente, o trio se inspirou nas sequências de mudança de memórias do jogo anterior do estúdio, "Remember Me" para criar as mecânicas de volta no tempo. Pela paixão de Koch pela região, e por sua presença na cultura pop em séries de TV como "Arquivo X" e "Twin Peaks", os desenvolvedores decidiram situar a história em uma escola preparatória no Estado do Oregon, na fictícia cidade de Arcadia Bay.
"Achamos que, por ser um jogo focado em escolhas e consequências, e com o poder de voltar no tempo, seria legal situar no colegial, porque é um momento em que as suas decisões ajudam a moldar quem você será como um adulto".
A narrativa passou por uma série de mudanças do seu conceito inicial até a versão final, mas talvez sua maior diferença seja justamente o que veio a ser foco central do game: a turbulenta relação entre Max e sua amiga de infância, Chloe Price.
"Havia uma versão da história sem a Chole - bem básica, de uma página", explicou Koch. "Mas sabíamos que faltava algo. Tínhamos bons momentos, mas não funcionava como um todo. Assim surgiu a ideia de uma melhor amiga, que veio a ser a Chloe, e sabíamos que a dinâmica entre as duas poderia funcionar".
De fato, muito da narrativa final do game envolve o conflito entre a mentalidade da tímida e introspectiva Max com a atitude agressiva de Chloe, que juntas procuram saber o que aconteceu com uma estudante desaparecida há meses sem pistas - tudo isso enquanto visões de um tornado prestes a destruir Arcadia Bay atormentam a protagonista.
Proposta arriscada
Inicialmente, "Life is Strange" seria projeto independente, com investimento menor em relação a outros projetos do Dontnod, o que deu mais liberdade a Koch e seus colegas na elaboração da história e seus temas.
Em 2013, porém, o Dontnod passou por um momento crítico: "Remember Me" não foi um grande sucesso de crítica ou público, e a publisher Capcom decidiu não investir em uma sequência. A situação tornou-se tão instável que, em janeiro de 2014, rumores de que o estúdio fecharia as portas começaram a circular pela internet.
Sendo assim, o Dontnod foi forçado a vender o projeto - algo significativamente mais complicado do que lançá-lo independentemente, especialmente ao se considerar a natureza conservadora de publishers, que não tem confiança em games estrelados por protagonistas femininas.
"Nós mostramos o jogo para várias publishers, e a maioria delas mostrou interesse pelo projeto, mas também disseram 'não temos certeza' ou 'parece legal, mas não sabemos se vai vender bem'", relembrou o diretor.
Esta não foi a primeira vez que um projeto do estúdio foi recebido desta forma, já que "Remember Me" também traz uma mulher como protagonista (embora a heroína daquele jogo, Nilin, seja radicalmente diferente de Max em termos de personalidade).
Felizmente, a Square Enix decidiu apostar na ideia, e segundo Koch deu liberdade para manter os conceitos essenciais do game.
"No fim foi bom porque era o que era, já que começou como um projeto independente, o que nos deu a liberdade de trabalhar com duas garotas, e naquele ponto já era tarde demais para mudar isso", explicou. "Somos muito gratos pela Square Enix por ter nos dado esta oportunidade".
Não bastasse esta barreira, os desenvolvedores tinham como desafio a implementação dos temas controversos dentro da narrativa: em certo momento, por exemplo, Max pode ou não salvar uma estudante de cometer suicídio, dependendo de ações anteriores do jogador; Também é possível, durante o game, decidir ou não fazer eutanásia em um personagem.
Estas questões foram fonte de bastante preocupação para a equipe de desenvolvimento, que tentou estudá-las e retratá-las da melhor forma possível.
"Procuramos por documentários e artigos, e nosso roteirista pesquisou bastante para garantir que estivéssemos lidando com estes temas de forma inteligente, sem tomar atalhos ou estereotipá-los demais - o que poderia trazer a reação oposta ao jogador", disse Koch. "Também não queríamos fazer nenhum julgamento de valores. Era importante se manter neutro com este tipo de coisa, mesmo em algo como a decisão da eutanásia, porque o jogador deveria decidir por si mesmo".
Futuro em fluxo
Mesmo com as ressalvas de outras publishers, a aposta da Square Enix e o Dontnod deu certo, e "Life is Strange" alcançou a maraca 1 milhão de cópias antes do lançamento de seu quarto capítulo. Na última semana, o jogo recebeu uma edição em disco com todos os episódios, além de uma versão especial com um livro de arte e trilha sonora.
Ainda há muitos rumores envolvendo uma possível segunda temporada, que ainda não foi anunciada oficialmente pela Square Enix ou pelo Dontnod Entertainment. Os produtores já deixaram claro, porém, que se houver um novo jogo da série, ele terá um elenco completamente novo de personagens.
"Há muitas coisas que gostaríamos de usar e melhorar com o que aprendemos na primeira temporada: melhorar o diálogo dos personagens, a criação de personagens", declarou Koch. "E há muitos temas que nem foram abordados nesta temporada que poderíamos discutir, como racismo ou imigração. Mas novamente dependeria de que história fizermos e de como o personagem principal se relacionaria com eles".
Enquanto a segunda temporada de "Life is Strange" não está oficialmente em produção, o Dontnod ficará mais focado em outro projeto, "Vampyr", produzido pela equipe de "Remember Me".
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