Topo

Jornada para o Oeste: conheça o romance chinês que inspirou "Dragon Ball"

Uma das principais obras da literatura chinesa, "Jornada ao Oeste" serviu de inspiração para a criação de "Dragon Ball" -
Uma das principais obras da literatura chinesa, "Jornada ao Oeste" serviu de inspiração para a criação de "Dragon Ball"

Rodrigo Lara

Do Gamehall

28/04/2017 04h00

Um personagem com formas humanas - apesar de também ter um rabo peludo -, que sempre anda acompanhado por um bastão capaz de expandir seu comprimento e, quando está com pressa, salta sobre uma nuvem que serve de transporte aéreo. Esse era Goku no início de "Dragon Ball", cujo conjunto de características facilmente nos levaria a pensar que seu criador, Akira Toriyama, exagerou na dose de saquê enquanto o idealizava.

A verdade é que, tanto a criação de Goku quanto o início de "Dragon Ball" têm mais a ver com a literatura do que um possível estado de consciência alterado de Toriyama. Para sermos mais exatos, a inspiração do mangaka - e ele assume isso abertamente, como veremos adiante - veio de um dos quatro grandes romances da literatura chinesa: "Jornada ao Oeste", do escritor Wu Chengen.

A obra foi escrita durante os últimos anos da dinastia Ming e publicada em 1592. Ela retrata a viagem de um monge chamado Xuanzang para a Índia, com o intuito de encontrar escrituras budistas por lá. Acompanhando o monge estão três discípulos: Sun Wukong (também conhecido como Rei Macaco e, em japonês, como Son Goku), Zhu Bajie e Sha Wujing.

Rei Macaco - Reprodução - Reprodução
Sun Wukong, o Rei Macaco, é um dos principais personagens de "Jornada ao Oeste" e fonte de inspiração direta para a criação de Goku
Imagem: Reprodução

Goku, o Rei Macaco?

Destes discípulos, o que mais se destaca é o Rei Macaco. Dos 100 capítulos da obra, os sete primeiros são dedicados a contar sua história e ele é o único dos discípulos do monge Xuanzang a ter essa honraria. Dentre suas habilidades, uma é curiosa: ele é capaz de se transformar em 72 animais ou objetos diferentes, mas quando ele adota a forma de um humano, sua cauda continua aparente.

Sun Wukong também dominou uma técnica que o permitia viajar pulando entre as nuvens e possuía uma arma chamada Ruyi Jingu Bang, um bastão mágico que é capaz de mudar de forma, tanto encolhendo para ficar do tamanho de uma agulha quanto crescendo em proporções enormes.

Esses três pontos guardam enormes semelhanças com o pequeno Goku, seu rabo aparente, seu bastão mágico e sua nuvem voadora. Sem contar a sua transformação em Oozaru, um macaco gigante.

Dragon Ball - Goku criança com logo - Arte/UOL - Arte/UOL
Inicialmente, Goku seria um macaco, mas Toriyama decidiu desenhá-lo na forma humana e dar um "toque" adicional: um rabo
Imagem: Arte/UOL

Há ainda outros detalhes que aproximam o romance chinês do que é visto em "Dragon Ball". No início da história, Goku conhece Bulma e decide a acompanhar em uma busca por algo "sagrado" - no caso, as esferas do dragão -, sendo por vezes uma espécie de guarda-costas a personagem. Eles são acompanhados por Oolong, um porco capaz de mudar de forma, de maneira bastante similar ao que ocorre com Zhu Bajie, que também é um suíno que pode se transformar.

Em seguida o ladrão Yamcha se junta ao grupo. E, de acordo com Toriyama, isso não é uma mera coincidência: em entrevista relatada na enciclopédia "Dragon Ball Daizenshuu 2", ele diz que "Bulma seria Xuanzang, Oolong seria Zhu Bajie e Yamcha seria Sha Wujing". O plano para Goku, por outro lado, era de que ele fosse um macaco. "Isso não seria muito inovador, então eu decidi fazê-lo humano e colocar uma característica única, um rabo".

Dragon Ball - Heróis iniciais - Reprodução - Reprodução
Bulma, Goku, Yamcha e Oolong eram a representação, respectivamente, de Xuanzang, Sun Wukong, Sha Wujing e Zhu Bajie, os personagens principais de "Jornada ao Oeste"
Imagem: Reprodução

Passagens do enredo das duas obras também acabam sendo próximas. Um exemplo é quando Goku, morto por Piccolo na batalha contra Raditz em "Dragon Ball Z", acaba caindo do caminho da serpente enquanto ia até o planeta do Sr. Kaio. Uma vez no inferno, ele vence um desafio contra dois demônios e consegue comer a fruta de uma árvore do local, ganhando um poder extra. No caso de "Jornada ao Oeste", o Rei Macaco é guardião de um jardim de pessegueiros e, mesmo proibido de fazer isso, acaba comendo todos os frutos, se tornando imortal e extremamente forte.

Esse argumento de uma árvore que aumenta a força de quem consumir seu fruto foi utilizado novamente no filme "Dragon Ball Z: A Árvore do Poder" que, apesar de não seguir o cânone da obra, acaba flertando novamente com a ideia de "fruto proibido".

Cópia? Não, apenas inspiração

O próprio Akira Toriyama admite que sua obra foi bastante inspirada pelo romance chinês. Na mesma entrevista relatada em "Dragon Ball Daizenshuu 2", ele diz que, após "Dr. Slump", a ideia era que o o seu novo trabalho tivesse "um cenário e uma sensação chinesa". "Eu pensei em basear a história em 'Jornada ao Oeste', criando uma versão modernizada. Eu pensei que seria mais fácil se essa história servisse de base e eu apenas tivesse que fazer algumas adaptações", contou.

Goku enfrenta Freeza - Reprodução - Reprodução
Com o decorrer do mangá e do anime, "Dragon Ball" se afastou de "Jornada ao Oeste" e Goku passou a enfrentar ameaças e inimigos cada vez mais poderosos, como Freeza
Imagem: Reprodução

Apesar de inspirações pontuais depois - como as passagens de enredo citadas acima - "Dragon Ball" acabou se afastando de "Jornada ao Oeste" após esse arco inicial, quando a ênfase da obra passou a ser a luta de Goku para ser o mais forte do planeta. A busca pelas esferas do dragão acabou dando lugar aos torneios de artes marciais, ao confronto contra o exército da Red Ribbon e à luta contra Piccolo Daimaoh. Já em "Z", a aventura seguiu esse rumo de "Goku e seus amigos contra ameaças cada vez piores", o que foi visto na invasão dos saiyajins e as batalhas contra Freeza, Cell e Majin Boo.

Mesmo se tornando perene com o tempo, a influência de "Jornada ao Oeste" sobre "Dragon Ball" foi decisiva para a criação do universo de uma das obras japonesas mais influentes da cultura pop. Quem quiser se inteirar maior sobre o romance chinês pode ler o próprio livro ou, ainda, assistir produções baseadas nessa obra, como os filmes da série "A Lenda do Rei Macaco", encontrados no serviço de streaming Netflix.