Não entre em pânico: Quem foi Douglas Adams, e o que é o Dia da Toalha?
Fãs homenageiam vida e obra do criador de "O Guia do Mochileiro das Galáxias" todo 25 de maio
Dia 25 de maio é o chamado Dia do Orgulho Nerd. Ou ao menos é isso que os espanhóis querem que você pense.
(Não, é sério)
De qualquer forma, esta data tem uma certa relevância para o público nerd, particularmente entre fãs de ficção científica. Por exemplo, foi neste dia, em 1977, que “Star Wars” estreou nos cinemas americanos.
E também, em 2001, foi realizado o primeiro Dia da Toalha, um tributo de fãs à vida e obra de Douglas Adams, que ganhou fama com a série literária - e de rádio. E de TV. E... - “O Guia do Mochileiro das Galáxias”.
Por meio de seu humor irreverente, satirizando elementos da vida moderna e sociedade por meio da jornada espacial de Arthur Dent e seus bizarros companheiros, Adams e “O Guia” ficaram conhecidos por todo o mundo, e mesmo 16 anos depois fãs ainda sentem o peso de sua morte inesperada.
Quase inofensivo
Douglas Noel Adams nasceu em 11 de março de 1952 em Cambridge, na Inglaterra - o primeiro DNA famoso a sair da região, antes de Watson e Crick revelarem a estrutura molecular do ácido desoxirribonucleico no ano seguinte.
Adams era um garoto esquisito, extremamente alto e magricela, ao ponto de não conseguir comprar calças grandes o suficiente para usar na escola.
“[Eu] era a única criança que todos os meus conhecidos tinham visto dar de cara contra um poste, de verdade, de olhos abertos e tudo”, relembrou na biografia “Não Entre em Pânico”, de Neil Gaiman. “Todos imaginavam que alguma coisa devia estar acontecendo em meu íntimo, porque era claro como o dia que absolutamente nada funcionava no exterior!”
Seu interesse por escrever veio cedo, com a aula de Redação de sua escola. Mesmo décadas depois, com o sucesso do “Guia do Mochileiro das Galáxias” e outros trabalhos, Adams dizia que um de seus maiores orgulhos foi de ser o único a receber uma nota 10 em toda a carreira do professor Frank Halford por um texto que escreveu.
“Sempre que travo em algum bloqueio de escritor (o que acontece quase o tempo todo) e só consigo ficar ali, sentado, sem nenhuma ideia de nada, eu penso: ‘Ah! Mas teve aquela vez em que tirei dez por escrever!’ De algum modo, isto me dá mais ânimo do que se eu tivesse vendido um milhão de cópias deste ou daquele livro.”
Adams pensou em várias carreiras para seguir, desde médico até físico nuclear. Isso tudo mudou ao ver um episódio do programa “Frost Report”, em que outro homem alto e magro - John Cleese - conseguia arrancar risadas do público.
Por isso, o jovem Adams decidiu ingressar na Universidade de Cambridge para juntar-se ao famoso grupo teatral e de comédia estudantil, os Lightfoots, onde vários membros do grupo Monty Python começaram suas carreiras.
A experiência com os Lightfoots não foi a que ele esperava - Adams considerava os organizadores do grupo pomposos, enquanto eles não viam graças nas suas ideias -, mas acabou ganhando experiência e certo reconhecimento, chegando até a iniciar uma colaboração (praticamente infrutífera) com Graham Chapman, outro membro do Monty Python.
Infelizmente, Douglas Adams não era o escritor mais prolífico que já viveu (uma de suas frases mais conhecidas é “Eu adoro prazos. Adoro o som que eles fazem ao passar por mim”), e por isso era difícil encontrar um emprego estável.
Isto é, até o produtor Simon Brett perguntar se ele não gostaria de fazer um programa de rádio.
Não entre em pânico
Muita gente não sabe, mas “O Guia do Mochileiro das Galáxias” começou sua vida nas ondas da BBC Radio 4, que decidiu apostar na ideia de uma série de comédia de ficção científica em 1978.
A ideia do Guia surgiu de uma viagem que Adams fez para Innsbruck, na Áustria. Deitado em um campo, completamente bêbado, olhando para as estrelas e com uma cópia do “Guia do Mochileiro para a Europa”, ele pensou: “Alguém deveria escrever o Guia do Mochileiro das Galáxias.”
A série é protagonizada por Arthur Dent, um inglês típico que é salvo da destruição da Terra por seu amigo Ford Prefect, que apesar de parecer humano era na verdade um alienígena vindo de um pequeno planeta nos arredores da estrela Betelgeuse.
Juntos, a dupla mais o Presidente da Galáxia Zaphod Beeblebrox (que tem duas cabeças e três braços), a humana Trillian e o depressivo Marvin, o Andróide Paranóide metem-se em aventuras bizarras, desde a descoberta da resposta para a grande pergunta sobre a vida, o universo e tudo mais - 42 - até um encontro no Restaurante no Fim do Universo e as origens da humanidade na Terra.
A série foi sucesso, e a BBC encomendou mais cinco episódios, que foram ao ar em 1980, além de um seriado de TV conhecido por seus efeitos especiais… não muito bons.
Foi no mundo literário, porém, que “O Guia” encontrou sucesso mundial, com Adams adaptando boa parte da primeira série e alguns elementos da segunda para “O Guia do Mochileiro das Galáxias” e “O Restaurante no Fim do Universo”.
Estas obras venderam milhões de cópias e foram traduzidas para mais de 30 línguas (incluindo português do Brasil), o que levou o autor a escrever mais três livros com histórias inéditas: “A Vida, O Universo e Tudo Mais”, “Até Mais, e Obrigado pelos Peixes” e “Praticamente Inofensiva”.
E mais uma coisa…
Além de “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, Douglas Adams também fez uma série de outros projetos, com vários níveis de sucesso.
Sua outra obra mais conhecida é a série “Dirk Gently”, em que usou seu humor bizarro e irreverente para brincar com gênero de livros de mistério.
Na mesma época em que trabalhava no “Guia”, Adams escreveu dois episódios para a série clássica de “Doctor Who”, que na época estava no Quarto Doutor, interpretado por Tom Baker (talvez a versão mais conhecida do personagem antes da nova série).
Adams também tentou a sorte no mundo dos videogames, criando dois títulos clássicos: “The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy”, um adventure por texto da Infocom lançado em 1984 e que adapta o primeiro livro da série; e “Starship Titanic”, de 1998, que tem participações especiais de John Cleese e Terry Jones.
O jogo do “Guia do Mochileiro das Galáxias” recebeu várias atualizações nos últimos 30 anos, e pode ser jogador de graça no site da BBC (em inglês).
Douglas Adams também era um grande ambientalista, defendendo diversas causas para proteger animais e habitats em risco de extinção ou destruição. Em 1994, ele chegou até a participar de uma expedição e escalada do Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, vestido em uma fantasia de rinoceronte.
Ah, e ele gostava de computadores da Apple antes de virar modinha. Sua última mensagem em seu fórum oficial, inclusive, trazia uma opinião sobre o recém-lançado sistema operacional OS X.
“Eu acho que é incrível. Eu me apaixonei completamente por ele. E a promessa do que está por vir assim que as pessoas começaram a desenvolver em Cocoa é ótima…”
Até mais, e obrigado pelos peixes
Em 11 de maio de 2001, Douglas Adams faleceu aos 49 anos, após sofrer um ataque cardíaco.
A morte, inesperada e vindo de alguém ainda relativamente jovem, chocou a comunidade de fãs. Três dias depois, um indivíduo conhecido como Clyde divulgou uma mensagem na internet sugerindo que, duas semanas após a data de seu falecimento, pessoas fossem às ruas usando o item mais importante de um mochileiro intergalático: uma toalha.
“A toalha é um dos objetos mais úteis para um mochileiro interestelar”, diz o Guia. “Em parte devido ao seu valor prático: você pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode deitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmórea de Santragino V, respirando os inebriantes vapores marítimos; você pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kabrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada as águas lentas e pesadas do rio Moth; pode umedecê-la e utilizá-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (um animal estonteantemente burro, que acha que, se você não pode vê-lo, ele também não pode ver você - estúpido feito uma anta, mas muito, muito voraz); você pode agitar a toalha em situações de emergência para pedir socorro; e naturalmente pode usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoavelmente limpa.”
“Porém o mais importante é o imenso valor psicológico da toalha. Por algum motivo, quando um estrito (isto é, um não-mochileiro) descobre que um mochileiro tem uma toalha, ele automaticamente conclui que ele tem também escova de dentes, esponja, sabonete, lata de biscoitos, garrafinha de aguardente, bússola, mapa, barbante, repelente, capa de chuva, traje espacial, etc., etc. Além disso, o estrito terá prazer em emprestar ao mochileiro qualquer um desses objetos, ou muitos outros, que o mochileiro por acaso tenha "acidentalmente perdido". O que o estrito vai pensar é que, se um sujeito é capaz de rodar por toda a galáxia, acampar, pedir carona, lutar contra terríveis obstáculos, dar a volta por cima e ainda assim saber onde está a sua toalha, esse sujeito claramente merece respeito.”
Por isso, graças a esta referência recorrente, até hoje fãs de Adams e seus livros carregam suas toalhas (escondidas ou não) para onde quer que vão, seja no trabalho, na casa de amigos ou na Estação Espacial Internacional.
O legado de Douglas Adams não terminou com sua morte: “O Guia do Mochileiro das Galáxias” virou um filme em 2005, e ganhou um sexto livro em 2008, escrito por Eion Colfer (de “Artemis Fowl”); “Dirk Gently”, por sua vez, virou um seriado de TV primeiro em 2010 pela BBC, e em 2016 pela Netflix.
De qualquer forma, o Dia da Toalha virou uma atração menor em relação ao Dia do Orgulho Nerd, mas fãs do autor britânico ainda deixam um espaço na mala ou desfilam pelas ruas com suas fiéis toalhas.
Nunca se sabe quando um Vogon pode aparecer.
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