"Barba era indispensável", diz brasileiro responsável por Kratos em "GoW"
O rosto mais importante dos videogames em 2018 foi esculpido por um brasileiro. Rafael Grassetti é o artista principal de personagens do Santa Monica Studio, responsável pelo desenvolvimento do aclamado “God of War” de PlayStation 4. Kratos, ícone da Sony desde o PlayStation 2, passou pelas mãos do escultor paulista antes de se tornar no personagem barbado e experiente do novo game da série.
Na semana do lançamento, Rafael sentou com o UOL Jogos para conversar como foi a experiência (e responsabilidade!) de trabalhar em um projeto tão grande, o maior de sua carreira de 15 anos na indústria dos games.
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Fã da franquia, ele explicou decisões como a de colocar uma barba robusta no protagonista, lembrou das maratonas de trabalho antes das revelações do game na E3 e contou bastidores da criação do jogo - como as diversas mudanças que a história passou ao longo do desenvolvimento.
O artista brasileiro também recordou etapas anteriores de sua carreira, durante a qual trabalhou em games como “Mass Effect 3”, “The Order 1886”, “Infamous Second Son” e “Killzone: Shadow Fall”, e falou sobre seus hobbies, como a paixão por jogos de luta.
Confira a conversa
UOL Jogos: Como foi o processo de construção desse novo Kratos?
Rafael Grassetti: Desde que o Cory (Barlog, diretor) fez a primeira apresentação, em que ele explicou a ideia que ele queria passar nesse jogo, a base foi sempre a mesma, o relacionamento entre o Kratos e o Atreus: como Kratos está se descobrindo e como o Atreus está ajudando o jogador a entender a cabeça dele. Ele é um cara mais velho, experiente, tentando ensinar o Atreus a sobreviver, mas a não cometer os mesmos erros que ele cometeu na vida dele. Como a gente ia traduzir isso à aparência dele, às expressões, não ele sendo muito mais velho, mas como a gente ia passar essa experiência visualmente.
Com a roupa a mesma coisa. Os designs iniciais eram bem diferentes, bem mais simples do que a gente terminou. Ele está se afastando da civilização, se escondendo. Ele entendeu que a culpa de tudo que aconteceu, parte disso era ele. Ele estava tentando se afastar, como se fosse o culpado. A gente tentando passar isso na roupa era muito mais simples, mas quando a gente começou a desenvolver bem o jogo, teve que adaptar muita coisa para o processo de upgrade do game, toda parte de você conseguir customizar bastante coisa, tanto para ele quanto para o Atreus. A parte da história e do gameplay acabam indo junto com o visual.
UJ: Quando surgiu a barba de Kratos?
RG: Se você ver as imagens desde o começo, as primeiras que foram usadas como os pilares da franquia na parte de arte, a barba já estava lá desde o começo. Indo para mitologia nórdica, acho que não tinha nem dúvida que a barba ia ser parte do design. Para chegar onde chegou agora demorou anos.
UJ: O que te inspirou na criação do Kratos?
RG: Do Kratos foi um processo onde eu peguei os modelos dos jogos antigos e tentei passar um pouco do realismo para escultura. Diferente de fazer captura facial, achar um ator - e a gente fez isso para o Atreus, tinha um ator, fez a captura das expressões -, para o Kratos a gente tem o ator que fez a atuação, mas não fez captura facial nenhuma de construção. Fez para fazer o movimento, mas não de construção. Eu peguei os modelos dos jogos antigos e trouxe um pouco do realismo para escultura, mas tentando manter as partes gráficas que já eram presentes nos jogos anteriores.
Quando eu trouxe para o realismo, por exemplo, nos jogos antigos o maxilar era muito mais exagerado, ele tinha todo esse jeito mais caricato. Eu consegui, tentei pelo menos, trazer todas essas feições usando a barba também, mantendo a forma do rosto antigo... foi um processo bem longo. Aos poucos, eu fiz três rostos diferentes, até chegar onde a gente chegou. Roupa a gente também fez centenas de variações para chegar onde a gente chegou.
UJ: Além de Kratos, em que personagens você trabalhou no jogo?
RG: No começo eu estava fazendo bastante coisa, mão na massa. Participei ativamente da criação do Kratos, do Atreus, dos draugr que são os inimigos principais. Tudo que a gente vê na E3, na primeira revelação que a gente teve, eu participei de quase tudo que está ali. Depois, quando a equipe foi aumentando e a gente foi construindo vários outros departamentos, eu acabei mudando de cargo e comecei mais a supervisionar muita coisa. Eu mantive algumas coisas que eu queria fazer desde o começo, como a Jörmungandr, a serpente, e outros personagens que a gente não revelou ainda, mas eu acabei indo mais para a parte de direção e fazia menos produção.
UJ: A história mudou muito desde a concepção original?
RG: Do roteiro inicial, da primeira apresentação que o Cory fez para mim, era muito diferente. A base era a mesma, a relação entre pai e filho, mas a jornada era contada de uma forma completamente diferente. Quando a gente começou a colocar no jogo mesmo, no papel, tudo o que gente ia ter tempo de fazer, onde o personagem vai e como ele vai, mudou muito essa construção. Mas o universo continua igual como ele contou pela primeira vez.
Demorou alguns anos até a gente começar a pensar nisso e como isso foi afetando o que a gente tinha construído até então. Muitas dessas coisas foram feitas durante o processo e mudando também. Tem muita gente dos “God of War” anteriores no estúdio, então muita gente tem uma ideia de como o jogo teria que ser. Tem muitos fãs dentro do estúdio também, então cada um tem uma ideia do que seria um novo jogo do “God of War”. E o Cory foi contra muitas das ideias, então foi um processo longo de convencer, até mesmo dentro do estúdio, até onde a gente consegue puxar para parar de ser o “God of War”. A gente ia até o limite, voltava um pouco. A gente fez mais de 100 variações.
UJ: Como foi a responsabilidade de dar sequência ao histórico do Santa Monica Studio de produzir jogos incríveis visualmente?
RG: Como fã da franquia, eu era um dos que tinha uma ideia de como o jogo deveria ser. Na parte artística, eu fiquei muito feliz que o Cory deu liberdade suficiente para fazer exatamente o que eu queria ter feito com os reinos e como a gente ia contar essa história. Eu fiquei bem feliz. O suporte da Sony para o estúdio, e do Cory com os diretores do projeto fez ser o que é agora. É por isso que todo mundo está tendo uma reação tão positiva.
UJ: O “crunch” é um período famoso e temido no desenvolvimento de jogos. Como foi a carga de trabalho em “God of War”, em especial na reta final do projeto?
RG: Toda E3 é uma marca para o projeto, foi pelo menos, porque a gente estava sempre tentando convencer não tanto os fãs, as pessoas que tinham uma expectativa para o que o “God of War” seria, durante o projeto inteiro mudou muito. As pessoas falavam ‘ah, não vai ter combate’, a gente segurou muita coisa. Dentro do estúdio a gente sabia que estava tocando em todos esses aspectos, mas a gente segurou exatamente para ir convencendo as pessoas aos poucos. Rolou muito todas as E3 esse “crunch”. Mas para mim foi um “crunch” durante quase todo o processo, quatro anos quase que eu estou trabalhando bastante aí. Por isso que eu preciso de uma folga. Mas o resultado todo mundo está muito feliz, então valeu a pena com certeza.
UJ: Qual o tamanho da equipe de um jogo como God of War?
RG: A equipe varia de tamanho, quando chega a determinada parte do projeto a gente contrata bastante gente para ajudar a terminar, e a Sony tem um ótimo departamento onde a gente acaba transferindo essas pessoas a outros projetos quando o projeto acaba terminando, chegando ao final. Ao todo, a equipe tinha 350 pessoas no total, tirando outsourcing, a gente mandava modelos para fora e tudo mais. Departamento artístico, de cenário, chegou a ter 4 pessoas, mas no geral são umas 20, que são as fixas mesmo, e de personagens a gente chegou a ter 10 artistas, mas agora são fixos mesmo são seis.
UJ: Dentro do estúdio, a galera para para jogar alguns games de luta ou outros competitivos?
RG: Todo dia, tem que ter! Saiu o Dragon Ball [FighterZ] que eu só perdia porque não tive tempo de treinar, mas a galera sempre pega e é muito forte. Street Fighter, pelo fato da galera, no God of War, ter o combate como um dos principais pilares da franquia, acho que o pessoal é muito viciado nesse tipo de coisa. Inclusive tem campeão de Street Fighter lá, então rola uma competição legal. Futebol eles não jogam muito não, não vejo muito. Mais Street Fighter mesmo.
UJ: Outros brasileiros trabalharam com você no jogo?
RG: Quando eu entrei a equipe era menor, a gente estava vindo desse outro projeto, e aí quando o “God of War” acabou expandindo e a produção realmente começou, eu tive a oportunidade de montar a equipe lá dentro, então tem dois brasileiros que eu trouxe para minha equipe (Glauco Longhi e Igor Catto), que também são muito talentosos na parte de personagens. Tem bastante italiano, acho que o estúdio é bem diverso.
UJ: Brasileiros estão ganhando espaço em grandes estúdios?
RG: A maioria acaba fazendo frila daqui do Brasil. Tem bastante brasileiro, não tanto na parte de videogames lá. A maioria dos brasileiros acaba indo para parte de filme ou publicidade, porque a gente tem um mercado maior para isso. Quando eles acabam tendo ofertas, acabam tendo mais experiência nessa área. Tem muita mão de obra talentosa aqui no Brasil, principalmente na parte artística, e lá fora a gente precisa muito de mão de obra, então é difícil achar artistas talentosos lá. Acho que a gente tende a crescer cada vez mais. A gente começou há pouco tempo a ter educação ou faculdade em games. O acesso à informação é muito bom agora, com internet, cursos online, que tem lá fora, tende a crescer cada vez mais.
UJ: Trabalhar com esculturas é um hobby seu. Como isso te ajuda na hora de trabalhar na criação de personagens?
RG: Eu faço bastante escultura tradicional. Comecei em São Paulo, fazia bastante modelo em massa mesmo. Para quem mexe com 3D, entende, esse conhecimento acaba se transferindo quando você vai fazer uma escultura digital. Todo o fundamento de escultura tradicional eu uso para estudar, mas para relaxar um pouco também.
UJ: Dá para esperar novidades sobre a série nos próximos meses?
RG: O trabalho sempre continua, o estúdio está sempre produzindo, está sempre um passo a frente do que o consumidor está vendo. Independente do que seja o projeto, o estúdio sempre tem diversas ideias. O Santa Monica Studio sempre foi conhecido por títulos menores ou maiores, não maior que “God of War”, mas outros títulos, então sempre continua. A franquia em si, o universo para quem vai jogar o jogo, a gente está construindo um universo, então tem muita coisa dá para ser feita ali, se vai ser feita eu não sei, mas é um novo começo para franquia.
UJ: Tem espaço para sequências? Até por que umas pontes não foram usadas no último jogo.
RG: Eu espero que sim. (Risos)
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