30 anos de "Street Fighter": os sopapos que revolucionaram os games
"Street Fighter" é daqueles jogos que todos conhecem e já jogaram. Tente encontrar alguém que cresceu durante ou após os anos 90 que nunca tenha fingido, em algum momento, desferir um “hadouken” contra seus amiguinhos de infância. A dificuldade da tarefa (impossível) atesta o tamanho do impacto produzido pela série — que comemora (com atraso!) trinta anos neste mês, com o lançamento de “Street Fighter 30th Anniversary Collection”.
Os números impressionam: mais de 40 milhões de cópias vendidas e faturamento na casa das dezenas de bilhões de dólares. Em termos de notoriedade, seus personagens só ficam atrás do bigodudo Mario, o símbolo-mor da Nintendo e da indústria dos games como um todo. Um legado que ultrapassa com folga a fronteira dos games, com marcas profundas em todo o imaginário pop.
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Em sua trajetória, Ryu e cia já foram vistos em 20 jogos da série principal, além de versões no cinema, animações, webséries, quadrinhos, brinquedos e todo tipo de produto imaginável. E isso sem contar as inúmeras participações especiais em outros games e os crossovers com as mais diversas franquias — quantos outros personagens podem se gabar de terem batido de frente com os sempre onipresentes super-heróis da Marvel?
O auge da popularidade ocorreu no começo da década de 90, com o lançamento de “Street Fighter II”. Naqueles anos, era possível encontrar um arcade do jogo em praticamente qualquer estabelecimento. Do shopping à padaria da esquina: todo local poderia servir de cenário para um confronto, em perfeita alusão ao título do jogo. Uma época em que as crianças se livravam da obesidade deixando de comprar lanche na escola para assegurar fichas no fliperama.
Esse estrondoso sucesso mudou por completo a cultura dos arcades, até então mais focados em experiências single-player, plantando a semente para jogos focados no confronto direto entre dois adversários. Ali eram estabelecidos os alicerces dos esports.
“Street Fighter” é daqueles fenômenos culturais que mudaram tudo em sua volta. Uma espécie de “Star Wars” do mundo dos games (com M.Bison fazendo o papel de Darth Vader). Diante de um legado tão significativo, nada melhor que olhar para trás e relembrar essa trajetória de sucesso.
O começo de tudo
Chega a ser difícil de acreditar, mas a jornada de sucesso de “Street Fighter” teve início com um título que quase ninguém jogou e que apenas os mais aficionados reconhecem. Influenciada por jogos como “Karateca” e “Karate Champ” e buscando pegar carona na popularidade de filmes sobre artes marciais, a Capcom decidiu apostar na ideia do produtor Takashi Nishyama de desenvolver um jogo que colocaria lutadores de diversos estilos um contra o outro em uma arena digital.
Em 1987, nascia “Street Fighter”, e com ele conceitos que ditam as regras do gênero dos games de luta até hoje, tais como as barras de energia, a ativação de golpes especiais mediante movimentos específicos (os golpes clássicos hadouken, shoryuken e tatsumaki senpuu-kyaku foram criados aqui), colocar dois jogadores para lutar entre si, o modo arcade, as fases bônus, etc.
Mas se todas as ideias estavam presentes desde o início, o mesmo não se pode dizer da qualidade: essa ficou para as continuações.
Contando apenas com Ryu e Ken como personagens jogáveis, “Street Fighter” tinha comandos imprecisos, que resultavam em um gameplay sofrível. Enfrentar Sagat, o grande chefão do jogo, era uma loteria: mais que jogar, cabia ao jogador torcer para que seus comandos fossem lidos corretamente e para que a máquina computasse os golpes.
Devido a esses problemas e a ausência de uma versão para o Nintendinho (NES), console mais popular da época, o jogo não causou grande comoção, chamando mais atenção pelo carisma dos personagens (além de Ryu, Ken e Sagat, o game original apresentou figuras como Adon, Eagle, Gen e Birdie — para ficar nos que voltaram a aparecer nas sequências) e pela temática, calcada na violência urbana, que viria a influenciar outra franquia famosa da Capcom, o saudoso “Final Fight”.
O divisor de águas
Foram necessários mais quatro anos para que “Street Fighter” cravasse de fato sua marca na história dos games, em uma sequência que quase não veio à tona. Devido a recepção morna do original — e buscando surfar a onda dos "beat 'em ups" — a Capcom chegou a vender seu mais novo jogo, “Final Fight”, como uma continuação direta de “Street Fighter”, o que explica a ligação que ambas as franquias mantêm até hoje.
Felizmente, o erro foi corrigido e “Street Fighter II: The World Warrior” deu o ar da graça em 1991. O sucesso foi imediato: trazendo de volta Ryu e Ken, além de seis novos personagens jogáveis e quatro chefes, o novo jogo se tornou a pedra fundamental do gênero, adicionando gráficos deslumbrantes, trilha sonora icônica, comandos precisos e o inovador conceito de combos à fórmula do original.
Graças ao design variado dos personagens — tanto visualmente quanto em termos de gameplay — “Street Fighter II” acabava agradando a quase todos os gostos. O game oferecia a possibilidade até então inédita de que cada jogador desenvolvesse seu próprio estilo, expressando sua personalidade por meio das possibilidades do jogo. Havia espaço para todas as estratégias imagináveis: agressividade bruta, técnica refinada, paciência para contra-atacar, domínio do espaço, etc. Nasciam ali o “meta” do jogo e também as desculpas folclóricas dos derrotados, como culpar o controle pela surra tomada.
O sucesso era tão grande que obrigou a Capcom acelerar o trabalho a fim de produzir novas versões do jogo (os DLCs da época!). Na esteira do sucesso de “The World Warrior” vieram “Street Fighter II: Champion’s Edition” (que possibilitava controlar os chefões e que os dois jogadores escolhessem o mesmo personagem); “Street Fighter II: Hyper Fighting” (que acelerou a jogabilidade a níveis insanos); “Super Street Fighter II” (que trouxe sensíveis melhorias gráficas e adicionou os personagens Cammy, Fei Long, T, Hawk e Dee Jay) e “Super Street Fighter II Turbo” (que implementou os golpes “Supers” e o misterioso Akuma). Tudo isso em uma janela de apenas três anos.
Naturalmente, as concorrentes não ficaram alheias ao sucesso de “Street Fighter”. Muitas trataram de se mexer para abocanhar uma fatia do bolo que enchia os bolsos da Capcom. Em pouco tempo, o gênero luta se tornou-se o mais celebrado do mercado, tanto nos arcades como nos consoles, com inúmeros lançamentos entupindo as prateleiras. Entre clones mal-acabados e jogos poucos inspirados, surgiram rivais de peso, como as séries “Fatal Fury” e “Art of Fighting” da SNK, “Killer Instinct” da Rare e, principalmente, “Mortal Kombat”, da Midway. A seu modo, cada uma dessas franquias trouxe inovações que obrigaram a Capcom a lapidar ainda mais a joia de sua coroa.
O ápice da complexidade
A cada nova versão de “Street Fighter II”, a Capcom implementava mudanças visuais e de jogabilidade, buscando agradar o público e enfrentar a concorrência. Com a chegada do PlayStation e a nova geração de consoles, a fórmula começou a dar sinais de desgaste, obrigando a série a passar por sua segunda grande reformulação.
Em 1995, chegava aos arcades “Street Fighter Alpha”, que ganhou duas continuações. Com enredo que se passa cronologicamente entre o primeiro e o segundo jogo, a série Alpha trouxe um sem número de novas técnicas que ampliaram a profundidade das lutas. Estavam no pacote novos especiais que variavam em força de acordo com a quantidade de botões apertados na execução, defesa aérea, quebra de defesa, alpha-counters e os famigerados custom combos. Tudo isso embalado em uma arte mais cartunesca, seguindo a linha de “Darkstalkers” (também da Capcom), porém, igualmente bela.
Houve também uma profunda reformulação do elenco, com o retorno de personagens do “Street Fighter” original e a criação de novos personagens, tais como Sakura — a fã número um de Ryu — e a cartomante Rose. Também aqui desembarcaram pela primeira vez diversas figuras oriundas de “Final Fight”, caso de Guy, Sodom, Rolento e Cody.
As mudanças não agradaram a todos. Alguns jogadores casuais consideraram que o jogo havia ficado “complexo demais”, enquanto alguns profissionais da época de “SFII” viam as mudanças como mecanismos para auxiliar competidores menos técnicos.
Fato é que a série não figurava mais no lugar de destaque de tempos passados. Por conta disso, mais uma vez a Capcom decidiu seguir adiante e reformular a franquia novamente. O resultado veio em 1997, com o lançamento de “Street Fighter III”. A proposta agora era voltar às origens, mas sem renegar a evolução natural do gênero. Para chegar ao objetivo, boa parte das técnicas da série Alpha acabaram limadas. Em contraponto, foi criado o “parry” — técnica que consiste em antecipar o movimento do adversário, criando uma janela de contra-ataque quase que simultânea — tido até hoje como o mais complexo elemento de gameplay da série.
O novo jogo foi bem recebido pelo cenário competitivo, mas a complexidade ainda latente e a ausência de personagens clássicos (o SFIII original trazia apenas Ryu e Ken em meio a dez novos rostos, entre os quais o brasileiro Sean Matsuda e a capoeirista africana Elena) fez com que a recepção do game não fosse muito calorosa entre o público mais casual.
Para piorar, a nova placa gráfica (CPS-III) usada pelo game era muito mais cara que as anteriores e o sucesso de games de luta 3D (Tekken, em especial) havia ofuscado o gênero 2D. Chega a ser irônico que o momento mais famoso da história competitiva da franquia venha exatamente dessa época: o lendário EVO Moment 37, protagonizado por Daigo Umehara e Justin Wong em uma partida de “Street Fighter III: 3rd Strike”.
As vendas abaixo das expectativas, somadas ao enfraquecimento da cultura dos arcades como um todo, obrigaram a Capcom a colocar a série principal em um até então inédito hiato, que só acabaria em 2008.
A ressurreição
No início dos anos 2000, enquanto a Capcom deixava a série na geladeira, o cenário competitivo de “Street Fighter” crescia graças à paixão dos fãs. O Evolution Championship Series (EVO), até hoje o principal torneio do gênero, já atraía centenas de jogadores, concentrados em sua maioria nos EUA e Japão.
Em paralelo aos torneios, crescia também a velocidade da internet, e com ela a possibilidade de jogar online. Foi nesse período que, com a ajuda de emuladores como o GGPO, muitas pessoas redescobriram o propósito original da franquia: colocar dois jogadores em disputa direta para ver quem é o melhor — mesmo que o combate não ocorresse “cara a cara” .
Percebendo o cenário favorável para um revival, a Capcom recrutou Yoshinori Ono para produzir “Street Fighter IV”. Graças ao avanço da tecnologia gráfica, a companhia decidiu abrir mão do visual clássico dos “sprites” feitos à mão para abraçar modelos em três dimensões, muito mais simples de se animar. Apesar disso, o jogo manteve intacta a proposta de luta em um ambiente 2D.
Lançado em 2008 nos arcades e em 2009 nos consoles e PC, “Street Fighter IV” foi um sucesso absoluto. Graças ao visual e à jogabilidade que misturam nostalgia e modernidade, e trazendo praticamente todo o elenco clássico de “Street Fighter II”, o jogo reconquistou antigos fãs e atraiu novos adeptos para o gênero.
O advento online foi fundamental para esse sucesso. Além de possibilitar partidas com rivais a quilômetros de distância, a internet ajudou os jogadores a trocar informações sobre técnicas e a assistir aos campeonatos internacionais. Com isso, o nível da competição subiu drasticamente, e os até então imbatíveis japoneses e americanos começaram a enfrentar a concorrência de coreanos, franceses, chineses e brasileiros (SIM!) — como Eric “Chuchu” Moreira, Keoma Pacheco, Thomas “Brolynho” Proença e Renato “Didimokof” Martins.
“Street Fighter IV” e suas novas versões fizeram a cena de jogos de luta renascer por completo. O jogo abriu as portas para que novos títulos de sucessos antigos, como “Mortal Kombat”, “Killer Instinct” e “The King of Fighters”, viessem à tona, atraindo ainda a atenção de grandes empresas, que passaram a patrocinar as principais competições.
Com a chegada da atual geração de consoles, a Capcom decidiu unir forças à Sony para produzir o mais novo jogo da franquia. Mantendo os aspectos que garantiram o sucesso do antecessor, “Street Fighter V” foi lançado em 2016, apenas para PS4 e PC, prometendo menos complexidade e mais emoção nos combates. Atrapalhado por um lançamento desastroso — era nítida a falta de conteúdo ao jogo quando ele chegou às prateleiras, com poucos personagens e sem modos single-player para quem só queria se divertir contra a máquina — o novo game não conseguiu repetir o sucesso junto ao público casual, mas fincou de vez os pés da franquia no cenário esports, com as finais da EVO sendo transmitidas até pela TV (ESPN) por dois anos consecutivos.
Fato raro na indústria dos games, “Street Fighter” completa três décadas firme e forte, com fôlego para se manter em evidência por anos a fio. Seja na sala de estar ou naquela lanchonete descolada, Ryu e Ken ainda trocarão muitos sopapos até descobrir qual deles é de fato o mais forte.
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