"Far Cry: New Dawn" traz pós-apocalipse bonito, mas usa fórmula cansada
"Far Cry: New Dawn" é a continuação direta do seu antecessor, "Far Cry 5", e conta o que aconteceu com Hope County após - spoiler! - o apocalipse nuclear que dizimou o mundo. O jogo se passa 17 anos depois do desastre e mostra as tentativas de reconstrução da sociedade por parte dos que sobreviveram às bombas em abrigos subterrâneos, que ao saírem dele se surpreenderam com o ambiente totalmente diferente do que estavam acostumados no antigo Estado de Montana nos Estados Unidos.
Como a maldade do ser humano não foi apagada com um mero apocalipse nuclear, certos grupos se mantêm roubando e escravizando a população mais vulnerável. Os salteadores, comandados por gêmeas piradas e cruéis, infernizam o que sobrou em Hope County. Para atender ao pedido por socorro e ajudar na construção e proteção de uma nova cidade chamada de Prosperity, o protagonista de "New Dawn" entra em ação nas condições mais adversas possíveis, como você já deve esperar de um "Far Cry".
História acelerada e descartável
Logo no início você poderá montar o seu personagem em editor bem limitado, muito parecido com o de "Far Cry 5". Considerando que este é um jogo em primeira pessoa e que nem todos jogarão os modos cooperativos, é um detalhe que não precisa de muita dedicação por parte da Ubisoft. O que faz falta mesmo é uma personalidade própria para o protagonista, que mais uma vez é mudo, chato e só reage ao ambiente. Não foi dessa vez que matei a saudade de controlar alguém como Jason Brody, de "Far Cry 3".
A história do jogo não é memorável e parece se perder na dúvida entre expandir o que veio de "Far Cry 5" ou focar no que é novidade em "New Dawn". A narrativa tenta dar alguma profundidade a personagens já conhecidos que sobreviveram ao apocalipse, mas acaba mudando de uma forma bisonha as motivações solidificadas no jogo anterior para satisfazer os conflitos dessa continuação, principalmente em relação à seita de Seed - problema clássico de sequências que querem atrair jogadores que pularam o game anterior.
O ritmo da narrativa teve uma melhora considerável, principalmente porque o principal defeito de "Far Cry 5" foi removido: aquela barra que, ao ser completada, fazia seu personagem ser raptado e a história avançar. Voltamos ao bom e clássico sistema de missões de história, que são iniciadas ao conversar com um NPC, sem envolver uma ação intrusiva como ser raptado de forma repetitiva.
Apocalipse ou paraíso?
O mundo pós-apocalíptico de "New Dawn" até que é bem bonito para um lugar que passou por um desastre apenas 17 anos antes. A vegetação usa tons alegres do verde e do vermelho, a água é cristalina e repleta de diversos peixes e a maioria dos animais parece que não sofreram as consequências das explosões nucleares. Os que acabaram modificados pela radiação, no entanto, passaram por processo acelerado de mutação que nem de longe casa com o que é visto no resto do mundo.
Falando em radiação, ela na verdade só existe na fronteira do mapa para justificar as barreiras invisíveis, não interferindo em nenhum outro momento do jogo. Humanos que sobreviveram e foram modificados como os animais? Nenhum.
"New Dawn" tem uma ambientação bonita e atraente, mas que não traz muita coerência com as mutações esporádicas e a radiação existente só para tornar áreas inacessíveis.
"Soft RPG" é superficial demais
"New Dawn" o décimo jogo de uma franquia que começou lá em 2004. Com mais de um "Far Cry" a cada dois anos, é impossível que a fórmula da jogabilidade não seja impactada de uma maneira negativa. Para tentar solucionar esse problema e trazer algum frescor ao público, a Ubisoft fez o que já está se tornando uma mania - que eu particularmente gosto muito - dentro do estúdio: introduziu elementos de RPG.
A dose aqui é bem mais moderada do que a usada em "Assassin's Creed" e foi chamada até de "Soft RPG" pelos desenvolvedores. A principal adição é a cidade de Prosperity como uma base central, que pode ser melhorada e influencia o seu desempenho no campo diretamente.
São várias as construções na cidade: um laboratório de explosivos, uma garagem, uma plantação de ervas e outras coisinhas mais. Todas elas, quando melhoradas, afetam de alguma forma o seu jogo, seja possibilitando a construção de novas armas, aumentando sua vida ou até mesmo te dando acesso a missões especiais.
Para fazer essas melhorias é preciso coletar Etanol, o principal produto de troca do jogo, que é obtido quando você toma postos avançados ou pega caixas que são jogadas de aviões para abastecer os salteadores - e são protegidas com unhas e dentes por eles.
Embora a cidade seja uma boa adição, a sua importância é tímida demais. Você não precisa se preocupar com ela, já que Prosperity só é atacada em missões da história. Além disso, nenhum personagem lá necessita de algum cuidado - eles, aliás, raramente passam alguma missão para contar sobre sua vida. Isso se aplica até para os míseros cinco especialistas que você pode recrutar para a cidade.
Ela é, na prática, uma aba de habilidades do seu menu que acabou transformada em um local que você deve voltar constantemente se quiser evoluir no jogo.
Combate competente, mas enjoativo
No combate as mudanças foram mais leves, mantendo a pegada que vem desde "Far Cry 3", com poucos ajustes que vão causar surpresa nos fãs de longa data da franquia, principalmente aqueles que jogaram o anterior. A principal alteração aqui foi em relação às armas e veículos, que agora são divididos em quatro níveis, cada um deles consistindo em um grupo de equipamentos que podem ser fabricados.
O custo desse sistema é que as armas ficaram sem a divertida customização, característica de jogos anteriores. Melhorias como silenciadores e miras já vêm instaladas em certas armas de cada grupo e não é possível modificar as anteriores - nem mesmo a pintura - ou subir o nível das armas mais fracas, o que faz você descartar algumas das suas favoritas.
Se por um lado perdemos na customização, por outro ganhamos um sistema simples, mas divertido de criação. Para fabricar armas, veículos e itens de combate, é possível coletar diversos materiais que vão de molas a titânio. Como um mundo pós-apocalíptico tão recente ainda não inventou uma nova moeda, usar essas peças é a única forma de obter novos equipamentos. Os recursos são coletados ao invadir postos avançados, saquear inimigos, caçar ou pescar e também fazendo as novas expedições.
Esses mesmos quatro níveis também foram aplicados aos inimigos, sendo os de nível mais alto melhor equipados com armaduras e armas. Para abatê-los com tranquilidade e rapidez você precisará ter uma arma pelo menos do mesmo nível.
Houve um cuidado para não transformar os adversários mais fortes em esponjas de bala. As armaduras podem ser quebradas, resultando em dano bem maior nesses pontos que ficam desprotegidos. Por outro lado, a interface que mostra quantos pontos de dano cada tiro causou e, além da barra de vida dos adversários, não combina com as origens da franquia. Felizmente dá para remover tudo no menu. A customização da interface aliás é um ponto alto.
Já a árvore de habilidades continua pouco inspirada como em "Far Cry 5" e traz adições vão fazer os mais veteranos torcerem o nariz. Uma é a que permite que você execute em silêncio inimigos de algum nível. A animação é exatamente a mesma, mas você só pode executar essa ação em um inimigo de nível maior se desbloquear a habilidade. É até cômico, pois essa foi uma das principais críticas a "Assassin's Creed Origins" que foi corrigida em "Odyssey", mas volta a assombrar um jogo da Ubisoft.
De certa forma, tudo isso veio para consertar um problema recorrente da franquia, onde o jogador ficava muito forte já nas primeiras horas de jogo e tinha pouco ou nenhum desafio para completar as missões seguintes.
Só que o principal dilema de uma série quase anual persiste. A repetição de mecânicas de antecessores torna o jogo chato muito rápido. Não me entenda mal, atirar, dirigir e causar no mundo de "Far Cry" ainda é divertido, mas a alegria dura pouco quando o game anterior, que trazia praticamente o mesmo loop de gameplay, chegou há menos de um ano.
Até mesmo as novíssimas Expedições, missões em que você deve coletar uma mochila de suprimentos raros em locais fora do mapa principal, deixam um gostinho parecido com o dos postos de controle avançados. Estes, por sua vez, podem e devem ser refeitos para coleta de mais etanol, necessário para avançar a melhorar Prosperity e avançar a narrativa.
Tudo isso, somado a um mapa que é somente uma parte do jogo anterior, torna o jogo uma miniversão de "Far Cry 5", uma espécie de DLC cara que corrige, sim, os defeitos mais gritantes do anterior. "New Dawn" acaba sendo muito tímido nas mudanças que propõe para justificar o lançamento de mais um título da série em um espaço tão curto de tempo.
Se por um lado os elementos de RPG trazem uma novidade e podem ser melhor explorados em um próximo jogo na linha principal, a esperança é que agora a franquia entre em um hiato de pelo menos dois anos para deixar os seus fãs respirarem de uma fórmula que, definitivamente, já cansou.
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