"Árida" não tem medo de ser um jogo político sobre o sertão do Brasil
"Árida: O Despertar do Sertão" é um jogo de aventura com elementos de sobrevivência lançado nesta quinta-feira (15) para PC (Steam). A história se passa no sertão da Bahia, característica muito importante para a mensagem que os criadores querem transmitir.
"Árida é um jogo comercial, de entretenimento, mas é claro que tem esse aspecto de intervenção social", diz o produtor Filipe Pereira, em entrevista ao START. Ele e o estúdio baiano Aoca Game Lab querem fazer provocações ao jogador, sem fugir do tabu de política nos games e também sem deixar de entregar um jogo divertido.
Política ainda é tabu
Recentemente, criadores de games "AAA", de grande orçamento, como o próximo "Call of Duty: Modern Warfare" e "The Division 2" têm cada vez mais evitado falar sobre política. Em entrevistas ou comunicados à imprensa, eles não admitem que seus jogos são políticos, mesmo tendo forte inspiração militar e abordando conflitos de guerras modernas que conversam muito mais com a nossa realidade.
A pergunta: 'esse é um jogo político?' não significa nada, na real, porque é o que a palavra político significa para você
Jacob Minkoff, diretor de Gameplay da campanha de "Call of Duty: Modern Warfare" em vídeo da Game Informer
A Ubisoft, produtora de "The Division 2", também se sentiu tão incomodada que publicou um post em seu blog (em inglês) falando sobre o tema de política em seus jogos, mas mantendo uma posição em cima do muro.
Já em "Árida", os criadores são bem claros na intenção de representar a vida no sertão por meio de um dilema no gameplay, que incentiva o jogador a explorar o ambiente, mas ficar sempre de olho nos recursos para se manter vivo, o que resulta em uma mensagem importante para eles. "Quando se coloca isso dentro de um jogo, que é algo que as pessoas associam a diversão, rola uma confusão mental e isso é legal também fazer esse tipo de provocação".
Também é uma questão política, no final das contas, porque geralmente as pessoas associam o Nordeste, o sertão especialmente, a atraso, a coisas não tão divertidas
Filipe Pereira, produtor do jogo Árida
Sede e fome em Canudos
Outra característica bem importante em "Árida" é o contexto histórico: o enredo leva o jogador a 1896, nos arredores de Canudos, lugar e época marcados na história brasileira por um conflito entre a recém-instaurada república e o grupo liderado por Antônio Conselheiro. A Guerra de Canudos resultou na morte de mais de 25 mil pessoas.
O evento histórico, porém, não é foco do game, e só serve de pano de fundo para a narrativa do protagonista. Ele não é nenhum Antônio Conselheiro, mas sim uma adolescente de 13 anos chamada Cícera, que precisa se virar para sobreviver nesse ambiente de seca.
"A gente escolheu Canudos pela riqueza do período e por ser um tema que é muito pouco explorado, não só em jogos, mas outras mídias também. A gente vê nesse acontecimento algo bem importante", diz Filipe, sem revelar mais por causa de "spoilers".
Mas, afinal, o que é Árida?
No controle da jovem Cícera, o jogador tem um ambiente aberto para explorar e conversar com alguns personagens, que dão missões para progredir na aventura. Na tela, o jogador sempre vê os status de fome e sede da personagem e, se algum dos dois zerarem, é game over.
Por isso, é preciso usar o facão e a enxada à disposição para cortar pedaços de mandacaru (um tipo de cacto), coletar gravetos, palhas, além de colher mandioca, caju e encontrar água, tudo com mecânicas de sobrevivência inspiradas em jogos como "Don't Starve" e "The Flame in the Flood".
Um jogo de sobrevivência no sertão do Brasil é uma ideia que chegou tão natural para os desenvolvedores da Aoca, que eles se questionaram por que ninguém tinha pensado nisso antes.
"(Sobrevivência) é o conceito base de se viver no Sertão", conta Filipe. "É você coletar recursos, muitas vezes não tão convencionais, para poder se manter vivo".
O game que chega agora foi financiado pela Secretaria do Estado da Bahia, e o time recebeu R$ 130 mil por meio de um edital de cultura realizado em 2014.
Mesmo com "Árida" recém-lançado, uma continuação já está sendo desenvolvida pelo estúdio, que também foi financiado por edital, dessa vez da Agência Nacional do Cinema (Ancine), e recebeu R$ 250 mil. A previsão é que o próximo game seja lançado no começo de 2020.
Visita a Canudos
Apesar de todos os membros do time da Aoca estarem próximo do tema do sertão, nenhum deles é sertanejo, de fato, e foram criados no ambiente urbano da capital Salvador. Por isso, durante a pesquisa para a criação de "Árida", eles fizeram uma viajem de oito horas até a região de Canudos, em uma visita que, segundo Filipe, fez toda a diferença para o jogo. "O céu é algo poderoso para aquele lugar, é uma referência visual forte, assim como a vegetação e os relevos", conta Filipe.
Ajudou a gente a entender muita coisa do sertão, principalmente na questão estética, porque a gente viver o lugar, com o sol quente na cara, muda tudo
Filipe Pereira, sobre a pesquisa de campo em Canudos
Durante cerca de uma semana, os seis desenvolvedores visitaram as duas cidades de Canudos: a mais nova e urbanizada, e a antiga, que está parcialmente inundada, o Parque Nacional de Canudos, que é dedicado à memória do evento e onde algumas das batalhas da guerra aconteceram, além de muitas zonas rurais, bem para dentro do sertão.
O resultado, para eles, resultou em um sertão virtualmente representado que não é estereotipado e atrasado, mas com muitas cores e vida.
"Árida" quer fugir de clichês, sendo um game com a intenção de divertir e entreter como qualquer outro. O que ele não quer é fugir de sua mensagem politizada, com uma temática que representa um Brasil que não se vê. Isso, nem "Call of Duty", jogos da Ubisoft ou outros games AAA ainda têm coragem de admitir.
SIGA O START NAS REDES SOCIAIS
Twitter: https://twitter.com/start_uol
Instagram: https://www.instagram.com/start_uol/
Facebook: https://www.facebook.com/startuol/
TikTok: http://vm.tiktok.com/Rqwe2g/
Twitch: https://www.twitch.tv/start_uol
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.