Onde você estava quando "P.T." mudou a história dos jogos de terror?
Resumo da notícia
- Em 2014, uma misteriosa demo chamada "P.T." foi lançada de surpresa para PlayStation 4
- Tratava-se, na verdade, era um teaser de "Silent Hills", título da Konami que acabaria sendo cancelado
- "P.T." contava com um time de estrelas: desde o game designer Hideo Kojima até o cineasta Guillermo del Toro
- Cancelamento fez a demo ser retirada da loja, sobrevivendo apenas em consoles que viraram item de colecionador
Cinco anos atrás, quando aquela "demo de um jogo de terror misterioso" foi anunciada e já lançada no PS4, eu não estava nas melhores condições. Depois de passar 10 dias internado na ala infecciosa de um hospital no centro de São Paulo - é, não recomendo caxumba - tinha voltado para uma consulta de retorno.
Enquanto esperava o atendimento, abri o celular e li sobre o anúncio da demo. Ok, a consulta poderia esperar: voltei imediatamente para casa tentando entender o que era o tal "P.T.".
7780? Silent Hills?
Enquanto o download da demo acontecia no PlayStation 4, veio a bomba: tratava-se de um novo "Silent Hill", intitulado "Silent Hills", dirigido por ninguém menos que Hideo Kojima em parceria com o cineasta Guillermo del Toro. Era um pesadelo bom demais para ser verdade.
Kojima tramou a coisa toda, e de forma um tanto quanto diabolicamente genial. O mundo voltou a falar de "Silent Hill", franquia que havia sofrido nos anos 2010, com o esforçado "Downpour", o odioso "HD Collection" e a aberração "Book of Memories".
Outras referências calculadas: muita gente no Japão se refere a "Silent Hill" com o termo "Shizuoka", que significa algo como "colina silenciosa". O número, 7780, é o código postal da região de Shizuoka, no Japão. Agora, quanto àquela vegetação da imagem de loading e thumbnail de "P.T.": é uma espécie de Populus, mais especificamente Populus trichocarpa, nativa de poucos lugares do planeta, como Alaska e Oregon. Os nativos usavam a árvore de todas as formas possíveis, desde construção de canoas, graças ao tronco resistente, até a confecção de óleos medicinais das folhas.
O plural no nome do jogo já remete à extensão das influências de "Silent Hill". Seriam religiosas, sobrenaturais? A Ordem se estenderia até onde?
Momentos inesquecíveis
Depois da expectativa, hora de encarar a demo.
Lembram-se daquele maldito corredor em "L"? Minimalismo e experimentalismo são características intrínsecas ao terror, e Kojima, que já havia confessado ter medo de filmes do gênero, fazia uso de seus bloqueios como exercício de catarse. Um feto vivo na pia do banheiro, totalmente relacionado a Eraserhead, clássico de David Lynch, não é algo que vemos todo dia. São essas explosões imagéticas que invadem nossos pesadelos até hoje, cinco anos depois.
Tentar entender o que acontecia, tentar decifrar o que fazer: foi um choque. Resolver a repetição final, com as badaladas da meia-noite, os dez passos e o uso imprescindível de headset foram coisas que marcaram época.
Kojima é famoso por suas metalinguagens - que incluem leituras de Memory Card, massageamento via tremedeira de controle, frequência de CODEC assistida, literalmente, fora da caixa. O ato de conversar com o hediondo "Playable Teaser" foi um de seus auges.
A aparição Lisa foi um de seus auges. O rádio anuncia o assassinato de famílias, e a retaliação vem com o além. Avisar aquele fantasma flutuante e seus espasmos, convulsões e o inerente e súbito JUMPSCARE causou arritmia em muita gente. É o famoso segundo em que se deixa de viver. Inesquecivelmente traumatizante.
A maldição de Guillermo
Hideo Kojima é aficcionado por cinema. Assistir Fuga de Nova Iorque e jogar "Metal Gear Solid", esse é o caminho. Trazer para o projeto Guillermo del Toro, uma das mentes mais geniais do cinema autoral hollywoodiano das últimas décadas, parecia o caminho ideal. Mas nem mesmo del Toro poderia antecipar o retorno de sua maldição, afinal, "inSANE", jogo com a participação do cineasta, já havia sido cancelado alguns anos antes.
"Nunca mais vou me envolver de forma pessoal em outro videogame", foi a declaração do cineasta à época, com medo de coisas explodirem no processo. Também foi ele o responsável pela já clássica "#FuckKonami", quando do cancelamento de "Silent Hills" por parte da empresa japonesa. Todo esse trauma, toda rusga faraônica entre Kojima e Konami, já estão devidamente colocadas nos anais da indústria de videogames. Só nos resta, mesmo, o lamento.
Uma equipe dos sonhos
Em "P.T.", a velha patota estava se reunindo novamente. Sob a chancela de alguém do escalão de Kojima, houve movimentação, comentários.
Akira Yamaoka, o nome mais proeminente quando pensamos em "Silent Hill", revelou interesse em compor para o novo jogo. Ele deixou a Konami logo após concluir a trilha sonora de "Shattered Memories", em 2009, e seu envolvimento com a franquia, desde a terceira iteração, também contemplava a produção. Masahiro Ito, artista dos pesadelos, responsável pelo design das aberrações mais marcantes dos videogames, como um tal de Pyramid Head, também se prontificou, algo como "chama eu!". Era o sonho (pesadelo) tomando forma.
Mais que isso, o mangaká veterano, mestre do horror folclórico e corporal, Junji Ito, de tantas obras marcantes, como "Uzumaki" e "Gyo" (das quais, tanto del Toro quanto Kojima são assumidamente admiradores), já estaria envolvido intimamente com o projeto.
Depois de cinco anos, olhamos para trás e percebemos que a verdade dói: não fomos merecedores de "Silent Hills".
Tudo não passou de ilusão, falácia, engodo, coito interrompido. A guerra Konami x Kojima escalonou para extremos, com a saída do game designer da empresa após a conclusão de "The Phantom Pain", o cancelamento do projeto "Silent Hills" e a retirada da demo, "P.T. Playable Teaser", da PSN. Nasceu o primeiro videogame raro da história, e quem resolveu visitar o Ebay na época, sabe bem do valor de um PS4 contendo o artefato raro em seu HD.
Qual o legado de P.T.?
O legado, no entanto, é absoluto. Jogos de terror indies como "Allison Road", "Visage", "The Park" e o próprio "Layers of Fear" têm muito de P.T.
É evidente que, olhando em retrospecto, a retomada do protagonista indefeso e a popularização do formato em primeira pessoa para o gênero veio de "Amensia: The Dark Descent", mas é absolutamente incontestável o impacto de Playable Teaser para o terror e para a indústria de videogames de forma geral. E, honestamente? É só o começo.
Algum tempo se passou, a Kojima Productions se tornou algo independente e assim nasceu "Death Stranding", marcando, mais uma vez, a parceria entre Kojima e del Toro (dessa vez, o cineasta empresta sua voz e corpo como um dos personagens da trama, sem maiores envolvimentos), além de Norman Reedus, o Daryl de The Walking Dead.
O protagonista de Silent Hills agora é Sam Porter Bridges e seu objetivo, como atestado pelo criador do jogo, é conectar cidades isoladas numa sociedade fragmentada. Enquanto cuida de um bebê. Num útero artificial. E com muito choro envolvido. Além do elenco estelar. Pois é. Kojima.
"Death Stranding" em premissa, parece tão obtuso quanto o próprio jogo em si, o que gera conjecturas e discussões internet afora desde seu anúncio. Faz parte do processo "Kojima" de se fazer videogame. E pensar que ele tentou levar tal filosofia aos confins de "Silent Hill" um dia.
Aqui, agora, fica só a conclusão de toda uma vida: fã de "Silent Hill" nasceu para sofrer.
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