"Blasphemous" é um metroidvania brutal com o melhor da pixel art
"Blasphemous", o novo jogo da produtora espanhola The Game Kitchen, resvala em dois tabus do mundo dos games: é resultado de uma campanha de Kickstarter e pode ser definido como "um jogo estilo "Dark Souls'". Mas pode deixar a desconfiança de lado, porque esse metroidvania se garante com personalidade própria, e não só pela pixel art de primeira.
Fica claro como "Blasphemous" se inspira, sim, pela obra de Hidetaka Miyazaki e da FromSoftware, mas ele cria algo próprio dentro dessa aventura de proporções bíblicas. É a jornada do Penitente pelo Vale das Sombras da Morte, como tantos outros jogos tentaram, e falharam, no passado.
Religião, culpa, sofrimento
O Penitente nasce do suicídio de uma santa e, como arma, usa a espada que floresce desse sacrifício imaculado, batizada Mea Culpa. Ela e só ela, por toda a jornada. A animação, gráfica, sangrenta e em pixel, impressiona. "Blasphemous" não mede esforços para abraçar quem joga em seu realento de culpa, dor e sofrimento, e a arte não poderia ter sido mais bem empregada. Essas animações são escassas, infelizmente, mas chocam sempre que tomam a tela, e até em momentos menos importantes, como quando encontramos o Sagrado Coração, perfurado por seis floretes - eis aí como aumentamos a barra de vida do Penitente.
Tudo e todos nesse mundo decadente são vítimas do Milagre. Essa é a percepção do Penitente, não dos afligidos, leprosos, muito pelo contrário. Sua jornada por esse vale de sombras e morte nunca será acolhedora porque você é visto como o inimigo a ser derrotado. "Blasphemous", escancaradamente, expande o entendimento de seu mundo com o botão "lore" para todo tipo de item coletado. É assumir, de vez, o conceito de narrativa diluída e fragmentada popularizado por "Dark Souls", só que aqui, entre outras formas, através de versículos retirados de escrituras sagradas, por exemplo.
Sua jornada por esse vale de sombras e morte nunca será acolhedora porque você é visto como o inimigo a ser derrotado
Tudo em "Blasmephous" é contextualizado e faz sentido: da dificuldade aos temas de cada área, obstáculos, inimigos, execuções, poderes adquiridos, até a trilha sonora, que surpreende ao abrir mão de órgãos, cravos e canto gregoriano para assumir algo bem mais autoral, cheia de violas e pianos. Como exemplo maior, gosto de pensar nas contas de rosário encontradas pelo mundo, personalizando sua forma de jogar ainda mais que os poderes especiais associados a Mea Culpa. Também gosto de pensar no ossário, preenchido com restos de criminosos, pecadores e todo tipo de forma de vida degenerada. Não precisa ser original, basta fazer sentido com o contexto.
Da culpa às lágrimas
Apesar de termos no Penitente uma figura ameaçadora, com sua máscara de ferro, coroa de espinhos e capacete afunilado, o personagem não se tornará poderoso o suficiente, ao contrário de tantos outros jogos do estilo. Sendo assim, a dificuldade se mantém revigorada por toda sua extensão, o que soma cerca de 12 horas de jogatina intensa, raramente frustrante. Ao abrir mão por completo de vitalidade, conversa mais com o passado de um "Super Castlevania IV" do que com o presente de um "Death's Gambit", por exemplo, e o eficaz sistema de colisão e esquiva corrobora. Na minha jornada de penitência, me deparei com alguns poucos problemas, como quando não pude recuperar meu receptáculo de culpa, já que se encontrava entre espinhos mortais.
A culpa, as lágrimas e o fervor são palavras de poder em tantos ensinamentos religiosos, e "Blasphemous" transforma esses conceitos em jogo. Adquirir novos poderes para Mea Culpa vem das salgadas lágrimas adquiridas ao ceifar a vida de inimigos encontrados pelo caminho, inimigos esses que vão do escatológico a profanidade total, e fogem de padrões estabelecidos por videogames. Esqueça demônios chifrudos com patas de bode ou similares, você vai enfrentar diáconos, crucificados, torturadores e todo tipo de ser vil envolvido na sórdida escalada evolutiva religiosa. E como a animação, sangrenta e visceral, conversa com a proposta! Os chefões, por vezes enormes, vão ainda além, apresentando narrativa no seu próprio design, como o já difamado bebê gigante vendado, protegido por uma lacraia com rosto humano.
A culpa, as lágrimas e o fervor são palavras de poder em tantos ensinamentos religiosos, e 'Blasphemous' transforma esses conceitos em jogo
O "receptáculo de culpa" que citei acima, talvez tenha chamado sua atenção? Sim, morrer significa deixar rastros pelo mundo, com o Penitente ressuscitado por querubins no altar mais próximo, como a versão sagrada de uma fogueira. Não há lágrimas onde jaz o Penitente, mas culpa, e essa, sim, aumenta morte após morte, o que significa menos lágrimas adquiridas e abstenção do uso de Fervor, o MP de "Blasphemous". Mais mortes, mais culpa, menos lágrimas e fervor. Chega a ser desesperador, a ponto de a confissão parecer uma solução aceitável? O jogo conhece bem seu objeto de estudo, enredando a si mesmo e a quem joga nessa espiralada tão sagrada quanto profana.
"Blasphemous" pega emprestado de diversos jogos: de "Metroid" a "Demon's Crest", "Castlevania" e "Dark Souls", e embala isso tudo em profanidade de magnitudes bíblicas, tanto em temática estética e narrativa, quanto em puro gameplay - os vários sacrifícios inerentes dificilmente serão esquecidos, assim como algumas das sequências de plataforma mais inspiradas e desafiadoras do gênero.
Nunca excede as homenagens que presta ou as inspirações que assume, e faz florescer algo novo daí, até certo ponto revigorante, mesmo passando longe do original, em oposição ao pecado, talvez?
É excruciante na medida certa, dadas as limitadas capacidades do Penitente, e a culpa (mais como fardo mesmo) vem da beleza funesta encontrada na variedade de paisagens, como quando aquela miserável cidadela pavimenta o caminho até a mais abastada das catedrais. A Idade das Trevas foi ontem, é hoje, será sempre.
Blasphemous
"Blasphemous" é um jogo de ação em pixel art com influências de "Dark Souls", "Metroid" e "Castlevania". Ele usa muito bem os elementos do gênero, e dá sua própria personalidade ao abordar a profanidade através de estética, narrativa e até gameplay.
Lançamento: 10/09/2019
Plataformas: PC, Xbox One, Switch, PlayStation 4
Preço sugerido: R$ 47,49 (Steam), R$ 92,45 (Xbox One), R$ 76,90 (PS4)
Classificação indicativa: 16 anos (Violência, Conteúdo Sexual, Nudez)
Desenvolvimento: The Game Kitcher
Produtora: Team17
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