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"Blasphemous" é um metroidvania brutal com o melhor da pixel art

Anjos, sangue, criaturas das trevas e cenários amargurados: bem-vindos a "Blasphemous" - Divulgação
Anjos, sangue, criaturas das trevas e cenários amargurados: bem-vindos a "Blasphemous" Imagem: Divulgação

Makson Lima

Colaboração para o START

19/09/2019 04h00

"Blasphemous", o novo jogo da produtora espanhola The Game Kitchen, resvala em dois tabus do mundo dos games: é resultado de uma campanha de Kickstarter e pode ser definido como "um jogo estilo "Dark Souls'". Mas pode deixar a desconfiança de lado, porque esse metroidvania se garante com personalidade própria, e não só pela pixel art de primeira.

Fica claro como "Blasphemous" se inspira, sim, pela obra de Hidetaka Miyazaki e da FromSoftware, mas ele cria algo próprio dentro dessa aventura de proporções bíblicas. É a jornada do Penitente pelo Vale das Sombras da Morte, como tantos outros jogos tentaram, e falharam, no passado.

Religião, culpa, sofrimento

O Penitente nasce do suicídio de uma santa e, como arma, usa a espada que floresce desse sacrifício imaculado, batizada Mea Culpa. Ela e só ela, por toda a jornada. A animação, gráfica, sangrenta e em pixel, impressiona. "Blasphemous" não mede esforços para abraçar quem joga em seu realento de culpa, dor e sofrimento, e a arte não poderia ter sido mais bem empregada. Essas animações são escassas, infelizmente, mas chocam sempre que tomam a tela, e até em momentos menos importantes, como quando encontramos o Sagrado Coração, perfurado por seis floretes - eis aí como aumentamos a barra de vida do Penitente.

Blasphemous Cena - Divulgação - Divulgação
As cenas de animações são escassas, infelizmente, mas chocam sempre que tomam a tela
Imagem: Divulgação

Tudo e todos nesse mundo decadente são vítimas do Milagre. Essa é a percepção do Penitente, não dos afligidos, leprosos, muito pelo contrário. Sua jornada por esse vale de sombras e morte nunca será acolhedora porque você é visto como o inimigo a ser derrotado. "Blasphemous", escancaradamente, expande o entendimento de seu mundo com o botão "lore" para todo tipo de item coletado. É assumir, de vez, o conceito de narrativa diluída e fragmentada popularizado por "Dark Souls", só que aqui, entre outras formas, através de versículos retirados de escrituras sagradas, por exemplo.

Sua jornada por esse vale de sombras e morte nunca será acolhedora porque você é visto como o inimigo a ser derrotado

Tudo em "Blasmephous" é contextualizado e faz sentido: da dificuldade aos temas de cada área, obstáculos, inimigos, execuções, poderes adquiridos, até a trilha sonora, que surpreende ao abrir mão de órgãos, cravos e canto gregoriano para assumir algo bem mais autoral, cheia de violas e pianos. Como exemplo maior, gosto de pensar nas contas de rosário encontradas pelo mundo, personalizando sua forma de jogar ainda mais que os poderes especiais associados a Mea Culpa. Também gosto de pensar no ossário, preenchido com restos de criminosos, pecadores e todo tipo de forma de vida degenerada. Não precisa ser original, basta fazer sentido com o contexto.

Da culpa às lágrimas

Blasphemous Penitente - Divulgação - Divulgação
A jornada do Penitente será de muita dor e sofrimento
Imagem: Divulgação

Apesar de termos no Penitente uma figura ameaçadora, com sua máscara de ferro, coroa de espinhos e capacete afunilado, o personagem não se tornará poderoso o suficiente, ao contrário de tantos outros jogos do estilo. Sendo assim, a dificuldade se mantém revigorada por toda sua extensão, o que soma cerca de 12 horas de jogatina intensa, raramente frustrante. Ao abrir mão por completo de vitalidade, conversa mais com o passado de um "Super Castlevania IV" do que com o presente de um "Death's Gambit", por exemplo, e o eficaz sistema de colisão e esquiva corrobora. Na minha jornada de penitência, me deparei com alguns poucos problemas, como quando não pude recuperar meu receptáculo de culpa, já que se encontrava entre espinhos mortais.

Blasphemous Boss - Divulgação - Divulgação
Angelical, mas não muito
Imagem: Divulgação

A culpa, as lágrimas e o fervor são palavras de poder em tantos ensinamentos religiosos, e "Blasphemous" transforma esses conceitos em jogo. Adquirir novos poderes para Mea Culpa vem das salgadas lágrimas adquiridas ao ceifar a vida de inimigos encontrados pelo caminho, inimigos esses que vão do escatológico a profanidade total, e fogem de padrões estabelecidos por videogames. Esqueça demônios chifrudos com patas de bode ou similares, você vai enfrentar diáconos, crucificados, torturadores e todo tipo de ser vil envolvido na sórdida escalada evolutiva religiosa. E como a animação, sangrenta e visceral, conversa com a proposta! Os chefões, por vezes enormes, vão ainda além, apresentando narrativa no seu próprio design, como o já difamado bebê gigante vendado, protegido por uma lacraia com rosto humano.

A culpa, as lágrimas e o fervor são palavras de poder em tantos ensinamentos religiosos, e 'Blasphemous' transforma esses conceitos em jogo

Blasphemous - Divulgação - Divulgação
Com quantos pixel se faz um floco de neve?
Imagem: Divulgação

O "receptáculo de culpa" que citei acima, talvez tenha chamado sua atenção? Sim, morrer significa deixar rastros pelo mundo, com o Penitente ressuscitado por querubins no altar mais próximo, como a versão sagrada de uma fogueira. Não há lágrimas onde jaz o Penitente, mas culpa, e essa, sim, aumenta morte após morte, o que significa menos lágrimas adquiridas e abstenção do uso de Fervor, o MP de "Blasphemous". Mais mortes, mais culpa, menos lágrimas e fervor. Chega a ser desesperador, a ponto de a confissão parecer uma solução aceitável? O jogo conhece bem seu objeto de estudo, enredando a si mesmo e a quem joga nessa espiralada tão sagrada quanto profana.

"Blasphemous" pega emprestado de diversos jogos: de "Metroid" a "Demon's Crest", "Castlevania" e "Dark Souls", e embala isso tudo em profanidade de magnitudes bíblicas, tanto em temática estética e narrativa, quanto em puro gameplay - os vários sacrifícios inerentes dificilmente serão esquecidos, assim como algumas das sequências de plataforma mais inspiradas e desafiadoras do gênero.

Nunca excede as homenagens que presta ou as inspirações que assume, e faz florescer algo novo daí, até certo ponto revigorante, mesmo passando longe do original, em oposição ao pecado, talvez?

É excruciante na medida certa, dadas as limitadas capacidades do Penitente, e a culpa (mais como fardo mesmo) vem da beleza funesta encontrada na variedade de paisagens, como quando aquela miserável cidadela pavimenta o caminho até a mais abastada das catedrais. A Idade das Trevas foi ontem, é hoje, será sempre.

Blasphemous

Blasphemous Capa - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
"Blasphemous" é um jogo de ação em pixel art com influências de "Dark Souls", "Metroid" e "Castlevania". Ele usa muito bem os elementos do gênero, e dá sua própria personalidade ao abordar a profanidade através de estética, narrativa e até gameplay.

Lançamento: 10/09/2019
Plataformas: PC, Xbox One, Switch, PlayStation 4
Preço sugerido: R$ 47,49 (Steam), R$ 92,45 (Xbox One), R$ 76,90 (PS4)
Classificação indicativa: 16 anos (Violência, Conteúdo Sexual, Nudez)
Desenvolvimento: The Game Kitcher
Produtora: Team17

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