"Contra: Rogue Corps" é uma triste tentativa de manter vivo um clássico
A série "Contra", como tantas outras criadas pela Konami, é um clássico dos videogames. Ela surgiu em meados de 1987 nos arcades, foi pioneira na arte do estilo "run 'n gun", embalada por sucessos do cinemão brucutu da época, como "Rambo" e "Predador". Simples, direto e viciante.
Já "Rogue Corps" é o total oposto: bagunçado, exagerado de todas as formas erradas e, principalmente, nada divertido. Pior ainda quando você lembra que a equipe de produção tem ninguém menos que Nobuya Nakazato, veterano da franquia e da Konami, de clássicos como "The Alien Wars" e "Hard Corps".
A Cidade Maldita
O novo "Contra" quer, desesperadamente, ser uma HQ para jovens da metade dos anos 1990. O que faria sentido caso estivéssemos algumas gerações de console para trás, ou talvez a coisa toda seja assim tão consistente? Com seus palavrões cuspidos ao léu, personagens que vão de ciborgues loiros marombados a urso panda de guerrilha, e demônios alienígenas na Cidade Maldita, onde o jogo se passa.
Depois dos eventos de "The Alien Wars", a ameaça de fora cessou, e os intraterrenos passam a ser a nova preocupação. A Cidade Maldita é capaz de levar o cidadão médio à loucura, e é aí que entra nossa equipe de heróis.
Honestamente, a trama de "Rogue Corps" passa longe de ter qualquer tipo de relevância, de impulsionar a coisa toda adiante. As missões, divididas por rank, variam entre chegar do ponto A ao B, exterminando tudo que estiver no caminho, com obrigatórios chefões gigantescos, e aniquilar hordas de demônios num mesmo cenário. É tão sem inspiração, que constantemente repete cenários, só que com uma quantidade ainda mais extenuante de monstros, ainda mais resistentes. E essa quantidade de inimigos na tela ao mesmo tempo chega a ser impressionante.
E falando em "tempo": há tempo limite para completar as missões, mas não é possível pausar o jogo. Por que isso?
Nem o arroz com feijão do twin-stick shooter
"Contra" nasceu no 2D de plataforma, com tiros para todos os lados, arte em pixel de qualidade e aquela trilha sonora marcante, que pulsava empolgação e nos impedia de desistirmos, mesmo com a dificuldade altíssima. A série já flertou com diversos outros gêneros, migrando para o 3D a duras penas, lá no primeiro PlayStation, com o traumatizante "Legacy of War" (lembro que acompanhava até óculos 3D, daqueles de papel celofane mesmo), abraçando o estilo "Smash TV" de vez com "Neo Contra" no PS2 e voltando ao básico com "Shattered Soldier", um tempo depois. Sem problemas, é comum desbravar novos territórios.
"Rogue Corps", no entanto, surge em meio a gigantescos hiatos em lançamentos por parte de sua desenvolvedora, a um dia relevante, importante e querida Konami. Leva o nome "Contra" simplesmente porque sim, numa mera tentativa de faturar uns trocados extras com quem ainda se lembra daqueles dias de glória.
O estilo "twin-stick shooter" de se fazer jogo de ação é terreno dos mais prolíferos. Abraçar a ideia é bater de frente com maravilhas do quilate de "Enter the Gungeon", "Binding of Isaac" ou títulos da sempre ótima desenvolvedora Housemarque.
"Rogue Corps" quer mesmo adentrar tal terreno. A câmera varia entre o isométrico e o desconfortavelmente próximo, a fim de criar tensão em certos momentos. Quem está acostumado aos jogos que citei vai estranhar a inconsistência geral, a queda na taxa de quadros (mesmo rodando num PS4 Pro), a péssima decisão de incorporar um sistema de resfriamento de armas e a investida agressiva, capaz de desnortear os demônios.
Há animações de finalização, com direito a animação própria e descompassada, o que quebra completamente o ritmo de jogo, assim como outros tantos momentos em que, por exemplo, é preciso juntar partes de um míssil para seguir adiante. É um tanto constrangedor.
Para coroar a ideia, "Rogue Corps" ainda incorpora elementos de RPG ao seu montante, com sistema de nível, transplante de órgãos para melhorar o desempenho dos personagens (o que é bem útil, afinal é imprescindível começar as fases com mais vidas, já que não há pontos de controle e perder todas significa recomeçar) e um disfuncional esquema de criação de armas. São dezenas de itens que, quando combinados, não parecem melhor muita coisa - ao menos é possível ver o resultado antes de desperdiçá-los.
Cada um dos quatro personagens disponíveis tem sua própria evolução, ou seja, é melhor escolher um deles e se dedicar ali. Kaiser é o padrão Schwarzenegger halterofilista, com rifle e mísseis; Sra. Harakiri tem um demônio em sua barriga e, assim como o anfíbio antropomórfico Cavalheiro, prefere feixe de laser como armamento principal, lento e de difícil manuseio; o mais comentado desde o anúncio de "Rogue Corps" é Besta Voraz, o panda nervoso e sua enorme metralhadora giratória, no melhor estilo "O Predador". Pior que faz sentido com toda a galhofa do jogo.
Menos pior com amigos?
Co-op online e local estão disponíveis, num sistema de fases à parte da campanha, dentro do famigerado esquema procedural de ser. Como o jogo não é nada fácil nos ranks mais altos, pode ser uma boa ideia coletar equipamento extra com seus amigos. Outros modos de jogo incluem PvE e PvP, numa escassez completa de gente para jogar. Boa sorte tentando fechar uma sala nesses modos extras, acessados pelo acampamento dos heróis no coração da Cidade Maldita.
Não sou alguém que vive à base de nostalgia, mas me considero um fã de "Contra" lá da época áurea, 8 e 16-bit, e joguei muito "Contra 4" no DS (abençoada seja, WayFoward) e "Hard Corps: Uprising" no 360 (abençoada seja, Arc System Works).
Por isso é triste constatar que "Rogue Corps", nem de longe, remete a qualquer momento icônico que a franquia teve no passado, muito menos cria algo louvável para si. É um constrangimento completo, uma bagunça visual e de game design, e não há Konami Code que me faça mudar de ideia. Quer jogar um "Contra" novo, bom de verdade? Experimente "Blazing Chrome".
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