A trajetória de Gruntar: da rejeição até a participação no Mundial de LoL
Diniz "Gruntar" Albieri está na crista da onda de popularidade na comunidade de "League of Legends". O estilo descontraído de narrar e os bordões, como "passou o carreto" e "PEY", tornaram o caster de 39 anos quase uma unanimidade entre os espectadores. Dono da voz do Circuito Desafiante, o campeonato da 2ª divisão do cenário competitivo de "LoL" no Brasil, Gruntar quase largou os eSports em 2015, mas deu a volta por cima e almeja chegar ao Campeonato Brasileiro (CBLoL).
Em entrevista exclusiva ao START, Gruntar falou sobre o início da carreira de narrador, no "StarCraft 2 (SC2)", a decepção por não ter sido selecionado para a equipe de casting do CBLoL em 2015, a popularidade do Circuito Desafiante e o clamor do público para vê-lo narrando a final do Campeonato Mundial de "LoL" deste ano.
Formado em Análise de Sistemas, Gruntar começou a se envolver com eSports em 2010, quando passou a produzir vídeos sobre "StarCraft 2" no Youtube. Naquela época, a produtora do jogo, a Blizzard, promoveu um concurso para encontrar narradores em português. Gruntar participou, mas não venceu. Ficou apenas com uma menção honrosa. Mesmo assim, decidiu que iria investir na carreira.
O concurso despertou um negócio em mim. Eu gostei e, a partir dali, do início de 2011, comecei a narrar um monte de campeonatos da comunidade. Eu trabalhava de dia como analista de sistemas e narrava de noite
Eventos presenciais
Com o reconhecimento que obteve nas transmissões online, Gruntar recebeu o convite para participar de sua primeira competição presencial, a Final Nacional da World Cyber Games (WCG), em São Paulo, em 2011. Depois, esteve na Intel Extreme Masters (IEM) Brasil de 2012. "Foi a partir daí que a coisa deslanchou".
Partiu da "ESL Brasil", tradicional organizadora de torneios, a sugestão para que Gruntar narrasse "LoL". Ele havia conhecido o jogo na própria IEM e começou a trabalhar nas transmissões de competições online.
Em 2012, Gruntar narrou o primeiro Campeonato Brasileiro de "League of Legends", disputado na Brasil Game Show (BGS). Também fez as edições de 2013 e 2014 da IEM em São Paulo e o CBLoL de 2013. Nessa época, dividia-se entre "LoL" e "SC2". "Eu não tenho preferência por jogo. O 'StarCraft' me iniciou na carreira e o 'League of Legends' permitiu que eu me tornasse profissional".
Tranquilo não é, porque você está deixando a segurança de ter um emprego fixo, com salário no fim do mês, por uma coisa incerta, ainda mais naquela época. Se fosse hoje em dia, eu estaria muito mais sossegado para tomar essa decisão
Gruntar conta que deixou de narrar "SC2" em 2013 por falta de campeonatos e de convites para os poucos torneios realizados. Ele pediu demissão do emprego de analista de sistemas ainda em 2012 ao se mudar de Santa Catarina para o Rio de Janeiro, após o nascimento do filho mais velho, hoje com 7 anos, para que a família ficasse mais perto dos parentes. E preferiu não procurar novo trabalho na área, já que as oportunidades nos eSports estavam pipocando.
"Tranquilo não é, porque você está deixando a segurança de ter um emprego fixo, com salário no fim do mês, por uma coisa incerta, ainda mais naquela época. Se fosse hoje em dia, eu estaria muito mais sossegado para tomar essa decisão. Foi relativamente arriscado na época. Eu só tive condição de fazer isso porque sempre fui muito pão-duro. Eu economizava dinheiro e tinha uma reserva", relembra Gruntar sobre abandonar a carreira de analista de sistemas para se tornar narrador profissional de eSports.
Rejeição pelo CBLoL
O caster narrou competições de diversos games, como "Hearthstone", "Heroes of the Storm", "Overwatch", "Smite", "Rocket League", entre outros. Foi o "Legend of Glory", porém, que salvou a carreira de Gruntar, quando o maior baque de sua trajetória aconteceu.
Gruntar participou do processo seletivo para escolha dos casters que trabalhariam no CBLoL a partir de 2015. Naquele ano, o campeonato começaria a ser produzido pela Riot Games Brasil e teria o formato de liga, com jogos semanais em estúdio, em São Paulo. Ele não passou na seleção e admite a decepção com o resultado. "Fiquei muito chateado. Eu estive a ponto de largar os eSports", confessa Gruntar.
Foi um baque, porque eu tinha certeza que iria entrar para o CBLoL. Quando veio a notícia de que não tinha sido selecionado, fiquei muito triste
Gruntar explica que o "Legend of Glory" o salvou porque foi com as remunerações das narrações desse jogo, pagas em dólar, que ele conseguiu se manter nos eSports.
O "não" do CBLoL ocorreu na época em que a filha do narrador, hoje com 5 anos, havia nascido e as despesas em casas tinham aumentado. "Passei por um período de dificuldade. Eu estava com a corda no pescoço, com o dinheiro contado".
Circuitão de LoL
O Circuito Desafiante representou a retomada da ascensão da carreira de Gruntar. Ele começou em 2015, narrando uma das competições que compunham a 2ª divisão do competitivo brasileiro de "LoL", e continuou em 2016, quando o Circuito Desafiante virou um único campeonato.
Em 2017, com a Promo Arena assumindo a produção do evento, Gruntar e outros casters pediram liberdade para inovar no conteúdo da transmissão e torná-la mais descontraída. Brincadeiras, entrevistas e interações passaram a fazer parte das streams. "Eu, Colosimus e Comarox desenhamos e montamos o show do jeito que é hoje. Era muito engessado antes".
Essa mudança no conteúdo coincidiu com a chegada de novos espectadores por conta da passagem de equipes famosas pela 2ª divisão, como KaBuM, Ilha da Macacada, paiN Gaming e Flamengo, o que colaborou para a popularização do torneio, conforme admite Gruntar. "Como estávamos com um show legal montado, conseguimos ir crescendo".
Com a mobilização do público em torno do "Circuitão", nome carinhosamente dado pela comunidade ao campeonato, Gruntar se motivou de vez com os eSports. Em 2019, milhares de pessoas acompanharam as partidas pela stream, e os confrontos com a presença de público transformaram o estúdio da "BBL" em um caldeirão. "Foi o melhor ano do Circuito", crava o narrador.
Organizadora do Circuito Desafiante neste ano, a "BBL" não continuará em 2020. A "Riot Games Brasil" voltará a assumir a competição, e Gruntar assegura ainda não saber se seguirá na equipe de transmissão, embora o clamor do público seja por voos ainda mais altos, como o CBLoL e a decisão do Campeonato Mundial de 2019.
Você disse "Mundial"?
É que Gruntar teve a oportunidade inesperada de narrar jogos do Mundial de "LoL" em 2019, em substituição a Tácio Schaeppi, que precisou se afastar em razão de uma cirurgia de apendicite. Gruntar havia narrado a competição mais importante da modalidade em 2014, mas admite um nervosismo excessivo desta vez.
"No primeiro jogo eu estava muito nervoso, com a boca e a garganta secas. Tomava água e não adiantava. Isso me atrapalhou um pouco no início, mas depois eu consegui", relata Gruntar, destacando que a ansiedade era pela mudança de estilo em relação aos outros narradores de "LoL" no Brasil e pelo receio de uma reação negativa da comunidade.
"Meu estilo é mais descontraído. Apesar de saber que o pessoal curte, o CBLoL tem um tom diferente. Eu estava com medo de o impacto ser muito radical. Eu queria me provar e mostrar que eu poderia fazer", conta Gruntar.
A resposta dos espectadores, ao contrário do que o narrador temia, foi de elogios e apoio. Ele, inclusive, publicou um vídeo no Twitter agradecendo as mensagens. Tinha os olhos marejados pela emoção.
"Foi um agradecimento pelo carinho que recebi. Eu estava muito emocionado mesmo. Não esperava que a repercussão seria tão calorosa assim", reconhece o caster. "Fiquei muito feliz".
O desempenho nas transmissões levou boa parte dos espectadores da stream a lançar uma hashtag pedindo que Gruntar fosse escalado pela "Riot Games Brasil" para narrar a final do Mundial, marcada para 10 de novembro, na transmissão em português. Uma campanha difícil de ser vista em tempos de ódio na internet.
O tom de satisfação na voz de Gruntar ao falar sobre a repercussão positiva de seu trabalho muda ao ser perguntado sobre o assunto. Na entrevista por telefone ao START, o narrador responde sério e revela que não aceitaria eventual convite, embora se sinta muito honrado e feliz com as manifestações da comunidade.
"Eu não quero. O Toboco trabalhou com isso o ano inteiro", diz ele, mencionando Diego "Toboco" Pereira, um dos narradores oficiais da Riot. "Estamos no ponto alto da parada, eu não me sentiria bem, eu não quero uma parada dessa. Iria gerar uma situação escrota, não acho isso legal. Se me convidar, eu recusaria. Se fosse comigo, eu estivesse trabalhando o ano inteiro no negócio e, no ponto máximo, me tirassem pra colocar outra pessoa, eu ficaria chateado. Eu não quero problema, nem atrito. Eu fico muito feliz com o público pedindo, mas, ao mesmo tempo, é uma situação esquisita. Deixa isso quieto, minha hora vai chegar. Neste ano, já estou muito feliz", comenta Gruntar sobre narrar a final do Mundial de "LoL" de 2019.
Estilo de narração
Gruntar se notabilizou pela narração descontraída, com bordões que viralizam entre os espectadores. O caster rebate as críticas que às vezes recebe de que não conhece o "LoL" a fundo e que, por isso, não toca muito em informações técnicas nas transmissões. "Eu narro 'League of Legends' desde 2012. Você acha que não entendo nada do jogo? Eu não acredito que seja função do narrador passar detalhes técnicos. Me concentro no que eu acho que tenho de fazer: dar emoção ao jogo, manter a atenção do público, construir histórias e criar o hype".
Ele conta que prefere descrever as habilidades dos campeões do "LoL" de maneira mais visual a falar os nomes delas. Assim, sentença do "Thresh" vira puxão, Fúria do Dragão do "Lee Sin" torna-se bicuda, entre outros exemplos que fazem a cabeça do público.
Eu não acredito que seja função do narrador passar detalhes técnicos. Me concentro no que eu acho que tenho de fazer: dar emoção ao jogo, manter a atenção do público, construir histórias e criar o hype
Os bordões, assegura Gruntar, surgem despretensiosamente. Um dos que caíram nas graças da galera, o "PEY", que ele usa quando o monstro Arauto dá cabeçada em uma torre do mapa, nasceu em uma stream pessoal. Ele percebeu a boa receptividade e levou a expressão para as transmissões.
Outro bordão popular, o "Olha a lança", dito aos berros, também pintou sem querer, segundo Gruntar. "Eu queria falar da lança, mas comecei a narração do lance atrasado. Em vez de correr com a voz, eu subi o tom. Na hora nem me toquei. Só depois eu vi que tinha um coro na stream. Foi um negócio natural".
Ele também é criador do "passou o carreto", usado quando um jogador ou equipe se sobressai demais sobre adversários, e diz que repete as expressões que os espectadores curtem, mas ressalta que se policia para não exagerar na dose. "Senão, gasta os bordões".
Uma chance no CBLoL?
Com o futuro no "LoL" indefinido, Gruntar sonha em poder entrar para a equipe de transmissão do CBLoL. Ele garante ao START que ainda não há convite para que isso aconteça em 2020. "Não tem nenhuma conversa, só o pedido do público, com o qual eu fico muito feliz. Eu tento manter os pés no chão".
Se eu disser que não queria narrar o CBLoL, estou mentindo. É claro que eu gostaria. Se pintar a oportunidade, estou dentro
"Mas não quero passar por cima de ninguém, não quero tirar a vaga de ninguém", desabafa Gruntar, novamente preocupado com os colegas que hoje atuam na principal competição de "LoL" do Brasil.
O narrador almeja uma estabilidade na profissão, já que atualmente costuma trabalhar como freelancer nos campeonatos dos quais participa. Ele também obtém renda das streams que faz e de vídeos no Youtube, principalmente de RPG.
"Eu não sou uma pessoa ambiciosa, muito menos que planeja as coisas. Eu só quero ter a oportunidade de trabalhar com eSports. Sou muito agradecido aos eSports, que me deram uma vida nova e me proporcionaram a chance de ver meus filhos crescerem, porque trabalho bastante de casa. Eu criei um vínculo com as crianças que eu não teria se tivesse trabalhando em escritório. Os eSports me proporcionaram isso. Eu quero continuar neste caminho".
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