Children of Morta: uma família muito unida em um jogo desafiador
É no meio indie em que histórias sensíveis, arrebatadoras e, até mesmo, traumatizantes, normalmente são contadas, não só quando o assunto é videogame. A desenvolvedora Dead Mage conseguiu algumas proezas com sua mais nova criação, "Children of Morta", e uma delas está intrinsecamente ligada à fórmula gameplay + narrativa, tão disseminada nesta mídia tão interativa.
"Children of Morta", que já apresentamos aqui no START, poderia abrir mão por completo de pano de fundo a seus personagens e mundo de jogo, já que tudo aquilo que o torna videogame, por essência, é tão funcional, mas não. Assim como a família Bergson - os guardiões da Montanha de Morta - a Dead Mage preferiu seguir pelo caminho mais pantanoso e, por consequência, mais recompensador.
A Corrupção da terra, nascida de um coração partido
São terras distantes, outros mundos, realidades, mas não se surpreenda caso se identificar com muito do que é contado aqui. Deuses não tão ancestrais assim regem o destino de tudo o que há nas ditas "linhas tortas", onde maquiavélico e benevolente caminham de mãos dadas pela relva molhada. Realização a realização, a história do mundo é revelada aos Bergson, a família mantenedora da paz nessas terras há gerações. Mal sabem que a sua própria está, e de forma trágica, associada à nova ameaça nas antes pacíficas terras.
A Corrupção destrói por onde passa, fazendo da fauna e flora apenas memórias do que já foram um dia. Para bater de frente a essa ameaça despertada, cada membro da família Bergson precisa encontrar dentro de si sua própria motivação, com os jovens oferecendo sua empolgação e determinação, e os antigos, conhecimento e sabedoria. Antigos aliados, tão antigos quanto o céu e a terra, precisam despertar para atender a esse novo grito de socorro.
Cada membro da família Bergson precisa encontrar dentro de si sua própria motivação, com os jovens oferecendo sua empolgação e determinação, e os antigos, conhecimento e sabedoria
"Children of Morta" encontra evolução a cada derrota, fazendo da falha um aprendizado, e do momento de fraqueza, uma chance de crescimento. E tudo isso narrado por um interlocutor único, transformando fantasia medieval em realismo fantástico, pois fica fácil puxar de sua memória (e bagagem de vida), algum tipo de associação absurdamente íntima e pessoal aos infortúnios dos Bergson. É assustador o quanto a arte, brilhante e artesanalmente criada em pixel, expressa sentimentos, tornando-se parte integrante do todo. Não haveria como ser concebido de outra forma.
Como disse, desenvolver uma narrativa tão sensível, familiar, quanto épica, num dungeon crawler por essência (e que tem em "Diablo" sua maior inspiração"), poderia não funcionar, mas o oposto é acontece - toda vez que retornava à morada dos Bergson, seja por sucesso ou fracasso, compartilhava com aquela família um novo momento, por vezes ternos, por vezes amedrontadores, mas sempre memoráveis.
Laços de família
John, além de um exímio guerreiro, portando espada e escudo como ninguém, é também pai de família. Linda, além de ser sua filha mais velha, tem a melhor pontaria deste e de diversos reinos - com flechas letais e agilidade sem igual. Tio Ben oferece à família suas capacidades como ferreiro, e o bebê no ventre de Marta, a matriarca dos Bergson, é um constante lembrete de que desistir não é opção. São seis familiares dispostos a encarar exércitos de esqueletos reanimados, morcegos raivosos, autômatos disfuncionais e mais um sem fim de criaturas corrompidas, para acabar com a Corrupção e trazer paz a Morta e seus arredores, mais uma vez.
Pouco a pouco, novos membros da família estendem sua mão, e de forma intimamente ligada à maneira como o jogo progride sua narrativa. O perigo cresce, assim como a motivação. Enquanto cada personagem tem sua própria árvore de evolução e habilidades (e esta é bem enxuta, otimizando as capacidades de cada Bergson, funcionando perfeitamente como classes distintas) há também o crescimento mútuo. As peças de ouro encontradas servem ao tio Ben para que ele melhora defesa, ataque e diversos outros alicerces da família, assim como a magia da vovó Margaret, criando fontes de ajuda nas masmorras. Sendo assim, é um deleite experimentar a jovem Lucy, por exemplo, mesmo embarcando na jornada tardiamente, menos preparada que seu irmão mais velho, Mark, adepto das artes marciais.
Ainda falando de Lucy, trata-se de uma feiticeira manipuladora de fogo e vento, e seus poderes se completam, assim como acontece com todos os seus parentes. Por mais que "Diablo" seja, sim, a inspiração máxima para a Dead Mage, algumas decisões ousadas separam "Children of Morta" do balaio de hack'n slash isométricos lançados mensalmente. Entre eles, a ausência de loot, e a quantidade interminável de equipamentos e possibilidades - cada Bergson se torna mestre de seu próprio domínio, e o cooperativo (apenas local, por ora), reafirma a ideia. Até mesmo a forma de lidar com fôlego e pontos de magia torna cada personagem ainda mais único.
Rogue-lite feito direito
A princípio, "Children of Morta" pode parecer extenuante quanto à sua dificuldade. É comum ser derrotado por chefões de fase diversas vezes, e a fadiga toma conta da família, incentivando a utilização de todos os Bergson. A montanha se reformula a cada nova tentativa, mas a disposição das câmaras, clareiras e cavernas, assim como os monstros encontrados e armadilhas posicionadas, não torna cada investida assim tão única quanto eventos isolados nas diversas áreas de Morta. Como quando o filhote lobo tem sua mãe morta por monstros, ou quando o comerciante precisa de uma nova lente para seu telescópio. Perseguir a ave mágica por hordas intermináveis de criaturas tomadas pela Corrupção também é totalmente opcional, assim como tirar um contra de Pong com os deuses ancestrais da montanha.
É comum ser derrotado por chefões de fase diversas vezes, e a fadiga toma conta da família, incentivando a utilização de todos os Bergson
Realizar tais feitos confere evoluções pontuais aos personagens, mantidas ou até derrotarem o chefão daquela parte da montanha, ou até serem derrotados, criando uma dinâmica de dificuldade e progressão bem semelhante a "The Binding of Isaac", um dos grandes jogos dentro do gênero.
A sorte ainda tem um papel mais importante do que gostaria no final das contas, pois o mais patético dos monstros pode deixar para trás raros amuletos, capazes de abrir baús recheados de itens. São os eventos encontrados, mesmo depois de dezenas de revisitações por aquele lugar específico, os reais instigadores da exploração, além, claro, das novas interações entre membros da família, quase todas as vezes quando retomamos a nossa casa.
"Children of Morta" passa por atualizações para que seu desempenho se equipare a cada um de seus elementos, concebidos de forma distinta e executados de forma brilhante. Algumas vezes, precisei retornar ao lar porque me vi aprisionado em fossas de hordas - algum feiticeiro corrompido conjurou alguma criatura para fora dos limites da arena, impossibilitando a conclusão do desafio. Ou das vezes que a imagem simplesmente congelou, com meu personagem surgindo moribundo na retomada. Tais problemas técnicos incomodam quando você investe dezenas de minutos naquele calabouço específico, e checkpoints não existem para ajudar.
Reformular, bagunçar e remodelar um gênero tão consolidado e popular quanto o do "estilo Diablo", foi tarefa que a Dead Mage assumiu de braços abertos, e o resultado não poderia ter sido mais recompensador. "Children of Morta" é familiar, em concepção e essência, reforçando a importância desses laços na construção do ser humano, seja ele de pixel, envolto por magia e monstros fantástico, seja ele de carne e osso, esperando a condução para mais um dia de trabalho.
"Children of Morta" é um "Rogue-lite" bastante peculiar, e que se destaca em relação às dezenas de jogos semelhantes lançados nos últimos anos. Com uma dinâmica que combina história e gameplay como poucos, o jogo vai te envolver com sua pixel art e exigir o máximo do seu empenho nessa jornada bastante exigente.
Lançamento: 03/09/2019
Plataforma: PC (Steam), PS4, Xbox One
Preço sugerido: R$ 47,49 (PC)
Classificação indicativa: Para maiores de 12 anos
Desenvolvimento: Dead Mage
Publicação: 11 bit studios
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