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OPINIÃO

"Afterparty": um adventure divertido e ácido direto do inferno

Prepare-se para tomar uns bons drinks na presença do ilustre capiroto - Divulgação
Prepare-se para tomar uns bons drinks na presença do ilustre capiroto
Imagem: Divulgação

Makson Lima

Colaboração para o START

07/11/2019 04h00

Morrer e ir parar no inferno é uma ideia que bota medo em qualquer cidadão bem estabelecido numa sociedade cristã. Pagar por seus pecados via sofrimento eterno, com direito a tridente no traseiro, labaredas lancinantes e aqueles gritos de dor e agonia como trilha sonora fazem parte do pacote.

O adventure "Afterparty" apresenta sua própria versão dos círculos infernais, com seus habitantes e hábitos noturnos, cheio de sarcasmo e diálogos afiadíssimos. A premissa é instigante: é possível, sim, voltar à vida. Você só precisa vencer o capeta numa competição de bebida. Como está seu fígado hoje?

O estúdio Night School é o mesmo do excelente "Oxenfree" (2016). Assim como seu "primo", "Afterparty" é um adventure quase "visual novel", com total ênfase em linhas de diálogo para escolher, e um ou outro minigame para concluir. O grande trunfo, mais uma vez, são os incríveis personagens que nos acompanham nessa jornada de proporções tão dantesca quanto escrachadas.

Milo e Lola, uma amizade do além

Acabou a faculdade, finalmente. Encher a cara na festa mais badalada do campus parece ser a opção mais lógica. Milo e Lola são amigos inseparáveis, mas que gostariam de estar em outro lugar – jogando videogame, talvez? A reputação meio antissocial da dupla resulta em interações um tanto constrangedoras, mesmo depois de uns bons drinks. Aliás, logo nessa festinha, já é possível sacar como o jogo transfere o controle de Lola para Milo e de Milo para Lola com uma estranha naturalidade.

Acontece que tudo isso não passa de uma pegadinha de um bando mal intencionado de diabretes infernais. Como poderia ser diferente? A morbidez de pensamento "mas aquele insuportável poderia morrer" e, minutos depois, o choque da imagem do sujeito enforcado, é só parte do show.

Milo e Lola morreram e foram parar no inferno. Incrédulos, bestificados, horrorizados e perdidos, seguem até a fila da condenação - como e onde vai rolar a punição? Porque o "quando", é para toda a eternidade. Mas é fim do expediente! Milo e Lola têm até o outro dia para explorar os quintos dos infernos. E é aí que descobrem ser possível reencarnar - basta vencer o Mochila de Criança na bebedeira, afinal, o inferno é uma grande balada depois do fim do horário comercial.

Afterparty Bannco - Divulgação - Divulgação
Banco de praça é banco de praça no inferno e em qualquer lugar
Imagem: Divulgação

A exploração é simples, até mais que em "Oxenfree" e outros adventures simplificados, tipo os da Telltale. O grande lance está nas linhas de diálogo para escolhermos dado o personagem controlado. Em "Oxenfree", era até possível concluir o jogo sem dizer uma única palavra como Alex, e não responder nada continua sendo opção em "Afterparty", mas há um grande diferencial desta vez: diferentes drinks conferem diferentes linhas de diálogo. É aquele balão de texto que surge no momento mais (in)oportuno.

O inferno é de neon

Afterparty Rolê - Divulgação - Divulgação
Dando um rolê pelo inferninho
Imagem: Divulgação

Cada círculo do inferno em "Afterparty" corresponde à tradição recente (e não só nos indies) do rosa-choque arroxeado tomando as ruas e becos, num resgate goela abaixo da nostalgia oitentista, devidamente composta com gaiolas suspensas, gente torturada (e alguns até que curtindo) e boates, danceterias e afins.

É uma curtição dos infernos, menos pelos engasgos na performance. Não faz sentido o jogo apresentar um desempenho tão precário vez ou outra. E a trilha sonora segue essa decepção: por algum motivo bizarro, mal conseguiu acompanhar a agitação da vida noturna infernal - nas boates, é aquele eletrônico manjado; pelo Rio Estige e demais pontos turísticos, é só uma paisagem sonora com gemidos de fundo e até silêncio constrangedor. Nada inspirado.

Depois de forçarem uma amizade com a demônio taxista Sam (e os acrônimos são ótimos de sacar - por exemplo, os mais íntimos chamam Lúcifer de Luke, apesar de que Estrela da Manhã é mais fofo), Lilo e Milo traçam planos para: 1) entender como morreram, 2) entender por que foram parar no inferno e 3) entender como é possível vencer o Mochila de Criança, já que ninguém conseguiu tal façanha desde muito tempo. Algum dinossauro pode ter tentado?

Conhecer Vossa Profanidade faz parte da jornada diabólica. Acontece que a fila para encher o caneco na mansão do Príncipe das Trevas é daquelas que tomam alguns milhares de anos de sua eternidade. Não dá para conversar com qualquer alma penada vagando pelo inferno, mas dá para bitucar, do tipo "estou parado nesse mesmo lugar há algumas décadas", fora que cada novo morador do mármore eterno recebe um celular, e com rede social, evidentemente.

As redes sociais, inclusive, são invenções que, de alguma maneira, vazaram dos nove círculos para a superfície do planeta. Sempre desconfiei! Não é possível publicar nada por conta própria, o que é triste, mas vale muito dispensar alguns minutos lendo o que humanos e demônios vomitam por ali.

Beer Pong!

Não é só de beber bons drinques e dar respostas atravessadas que o inferno é feito, até porque seu fígado é de ferro, ou seja, pisar na jaca é o tempo todo, é a revelação do nono círculo. Alguns minigames pontuais podem desenrolar eventos de maneiras um tanto diferentes do antecipado - não que escolhas não o façam também, inclusive, a recomeçar o jogo para tentar outros caminhos, e recomendo altamente fazer isso. É aí que entra, por exemplo, o Beer Pong. Nessa técnica milenar, é preciso arremessar a bolinha de pingue-pongue até o copo de seu adversário. Errar significa entornar o caneco; vencer, tirar o copo da mesa. Quem acabar primeiro com os copos, sai vitorioso.

Afterparty Beer Pong - Divulgação - Divulgação
Beer Pong é um sucesso por aqui
Imagem: Divulgação

"Afterparty" não dá espaço para tentar de novo e você até pode voltar o save (o que é bem sem graça), mas vale descobrir o jogo tanto pelos seus erros, quanto acertos. Apesar de o minigame de dança ser bem batido, o de beber em competição é excelente: trata-se de virar o copo e empilhá-lo. A dificuldade é crescente e chegar ao fim sem despedaçar nada não é fácil! Saiba que o Djanho, Sete Peles, Coisa Ruim, Rabo de Seta, Cabeça de Morcego, Capiroto e etc e etc, tem um carinho todo especial por essa modalidade esportiva. Seus mixologistas preparam Milo e Lola do começo ao fim. Sendo assim, prove de tudo, esteja à postos para a inevitável hora da verdade: da "Grande Queda" a "Extinção Global", "Literalmente Ácido" e vários outros, cada drinque confere a Lola ou Milo, diferentes linhas de diálogo. E aqui é bom dizer que "Afterparty" não está localizado para nosso idioma, é abarrotado de gírias, interjeições e demônios, tanto quanto humanos condenados, disparam linhas de diálogo a dar com pau. Esteja preparado para ler muito e não piscar em momentos mais intensos.

Afterparty Bar - Divulgação - Divulgação
Enchendo a cara sem pensar no amanhã
Imagem: Divulgação

Afterparty capa - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
"Afterparty" consegue fazer humor sarcástico enquanto critica nossos hábitos, crenças e muita coisa que temos como certo e errado. É tão bem dublado quanto bem escrito, divertido de jogar e jogar de novo, a fim de trilhar caminhos diferentes. Mergulha de cabeça na banalização do satanismo presente na cultura pop mais contemporânea, e o faz com muita propriedade (se é que isso é possível), colocando a Night School Studio num lugar especial (e maldito) aos bartenders leitores de A Divina Comédia.

Lançamento: 29/10/2019
Plataforma: PC (Epic Games Store), Xbox One (Game Pass) e PS4
Preço sugerido: R$ 37,99 (PC)
Classificação indicativa: Para maiores de 17 anos (Violência, Conteúdo Sexual, Drogas)
Desenvolvimento: Night School Studio
Publicação: Night School Studio

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL