Nappon processa paiN e recebe R$ 60 mil; entenda contratações em LoL
Resumo da notícia
- Jogador profissional de League of Legends conseguiu assinatura na carteira de trabalho e recebimento de rescisão
- Equipe paiN é bicampeã brasileira e tem no elenco alguns dos principais jogadores brasileiros, como Kami e brTT
- Pelo menos quatro equipes do cenário competitivo de LoL ainda não contratam no modelo CLT
- Para especialistas ouvidos pelo START, paralelo com Lei Pelé e esportes tradicionais é válido
O pro-player de League of Legends Carlos "Nappon" Rücker conseguiu, por meio de ação judicial, a assinatura de sua Carteira de Trabalho pelo tempo em que esteve na paiN Gaming e o recebimento de R$ 60 mil de verbas rescisórias. Foi um reconhecimento da Justiça do Trabalho de que cyber-atletas têm vínculo empregatício com os clubes de eSports. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não é, contudo, adotada em todas as equipes profissionais do Brasil, o que reduz os direitos dos jogadores e coloca as organizações em risco jurídico, na avaliação de especialistas.
Nappon abriu o processo trabalhista, em julho, para cobrar a anotação do contrato com a paiN na Carteira de Trabalho e o pagamento de verbas rescisórias e salários. Ele pertenceu ao clube, que é bicampeão brasileiro de "LoL", de maio de 2018 a abril de 2019.
Na ação, à qual o START teve acesso com exclusividade, Nappon relata que a paiN o afastou dos treinos e das competições em outubro de 2018, "sem qualquer motivo", e deixou de pagar a remuneração a partir de dezembro. Por inadimplência, o jogador rescindiu o contrato em abril deste ano e passou a pedir seus direitos trabalhistas. Como não houve resposta à notificação extrajudicial enviada à direção do clube, recorreu à Justiça.
Conforme escreveu no processo o advogado Helio Tadeu Brogna Coelho, representante de Nappon, a paiN "não procedeu às anotações na Carteira de Trabalho, não recolheu o FGTS e as contribuições previdenciárias e tampouco pagou as verbas rescisórias", apesar de o jogador ter assinado contrato de trabalho sob o regime da CLT.
Decisão da Justiça
Em audiência de conciliação, em agosto, Nappon e paiN entraram em acordo, aceito pela juíza do Trabalho Luciana Maria Bueno Camargo de Magalhães, da 84ª Vara do Trabalho de São Paulo.
Pelo acordo, a paiN teve de pagar R$ 60 mil de verbas trabalhistas rescisórias e salários à Nappon e também anotar na Carteira de Trabalho o período em que ele esteve contratado pela organização, com o cargo de jogador de esporte eletrônico.
Para especialistas em Direito do Trabalho e Desportivo consultados pelo START, trata-se de uma decisão marcante, mesmo sendo uma homologação de acordo, pois é o reconhecimento da Justiça de que existe vínculo empregatício entre clubes de eSports e cyber-atletas.
Relações de trabalho
O argumento é que os jogadores têm horários a cumprir rotineiramente, são subordinados a uma chefia e recebem remuneração pela atividade que exercem, como destaca o advogado Nicholas Bocchi, especialista em Direito Desportivo. "O certo é ter um contrato de trabalho, pois estão presentes todos os elementos de uma relação empregatícia: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade".
Em um contrato de trabalho, devem ser seguidas as diretrizes da CLT. Assim, o empregado tem direito a jornada definida, horas extras, férias remuneradas, 13º salário, depósito de FGTS, contribuição ao INSS, aviso prévio em caso de demissão, entre outras coisas.
Ocorre que, como alternativa, há clubes que fazem contratos de prestação de serviço com os pro-players, o que contraria a legislação, segundo Bocchi. "O ordenamento jurídico brasileiro diz que qualquer relação de emprego tem que seguir algumas regras, principalmente para evitar abusos por parte do empregador. A regra geral é a CLT. Se fugir do contrato de trabalho, é fraude".
O advogado André Feher Junior, advogado de Direito Esportivo, acrescenta que, como os eSports são equiparados aos esportes tradicionais, pode haver a utilização da Lei Pelé, bem comum no futebol. "Há celebração de contrato de trabalho e contrato de imagem. Este último possui uma natureza distinta para a previsão da exploração da imagem do atleta perante mídia, patrocinadores, canais de streaming e outras atividades".
De acordo com o especialista, há organizações que optam por fazer contratos de prestação de serviço, mas, nestes casos, o correto é que as equipes adotem rotinas e métodos que não sejam de trabalho. Por exemplo, que os jogadores não morem em gaming houses e tenham horários de treinamento a cumprir. "É um contrato que vincula o atleta à participação em competições, mas sem uma rotina de trabalho".
Defensor de Nappon na ação contra a paiN, o advogado Helio Tadeu Brogna Coelho alega que não pode se pronunciar em detalhes sobre o processo, em razão do sigilo, mas exalta a importância da decisão da Justiça do Trabalho. "Isso representa um avanço no ramo dos esportes eletrônicos, porque mostra que as empresas reconhecem que existe um vínculo com os atletas e, portanto, devem pagar todas as verbas rescisórias e trabalhistas".
Em nota, a paiN declarou que "observa fielmente a legislação brasileira, sendo cumpridora dos seus deveres legais". Nappon preferiu que só seu advogado se manifestasse.
Como é nas equipes de LoL
Das principais organizações participantes do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) e do Circuito Desafiante, o torneio da 2ª divisão, quatro ainda não contratam sob a CLT, com anotação na Carteira de Trabalho: Team One, PRG Esports, Redemption e Uppercut (recentemente adquirida pela FURIA Esports).
Para fazer esse balanço, o START conversou com pelo menos duas fontes de cada uma das oito equipes que disputaram a 2ª Etapa do CBLoL 2019 e do top 3 do último Circuito Desafiante.
A INTZ é uma das organizações que contratam via CLT e seguem o que é determinado na Lei Pelé. Por esse modelo, a regra é que pelo menos 60% da remuneração seja registrada na Carteira de Trabalho e o restante possa ser pago como direito de imagem.
"Todos os contratados que estão no QG, moram ou trabalham nela, e têm horário a cumprir são pela Lei Pelé, assim como os jogadores que ficam remotos. Nesse caso, a diferença é o tipo de contrato, entre profissional e amador", explica o cofundador da INTZ Lucas Almeida. "Temos de fazer o certo. Se são as leis, temos de segui-las bem certinho".
A RED Canids Kalunga é outra organização que diz fazer contratos com base na Lei Pelé. Dois membros da equipe confirmaram isso. Outras duas fontes, contudo, disseram não ter registro do clube na Carteira de Trabalho. "Todos os contratos ativos foram elaborados e firmados com base na aplicação da legislação desportiva brasileira. Se houve alguma contratação no passado de forma distinta, certamente havia requisitos para uma relação diferente", justifica o CEO da RED, Felippe Corradini.
Os pro-players não costumam se preocupar com a modalidade de contratação. Parte daqueles consultados pelo START nem sabia diferenciar os modelos. Existe ainda uma resistência dos jogadores de questionar eventuais irregularidades na Justiça pelo temor de se queimarem no mercado, como acredita-se que aconteceu com Nappon após ele acionar judicialmente a paiN Gaming.
"Eu nunca liguei [de não ser CLT]. Como eu jogo faz tempo, já tinha acostumado assim. No começo era comum organizações menores nem pagarem. Então, só ter um salário já basta para mim", confidencia um jogador, sob a condição de anonimato.
Especialista em Direito Desportivo, a advogada Carolina Danieli Zullo adverte que não assinar contrato de trabalho produz efeitos negativos tanto para os clubes quanto para os pro-players. "O empregador corre o risco de ser acionado na Justiça e ter de pagar tudo o que não pagou durante o contrato. Já para o trabalhador, a consequência é não receber os direitos previstos em lei. Muitas vezes os profissionais só querem jogar, pois estão fazendo o que amam, e acabam nem se preocupando com isso. Mas é muito importante. São direitos dos quais não se pode abrir mão".
Promessa para 2020 e contraponto
Dona da PRG Esports, Marina Leite conta que, em meio à reformulação pela qual a organização passou, ficou definido que os cyber-atletas terão Carteira de Trabalho assinada a partir de janeiro de 2020.
Ela relata que, atualmente, os jogadores assinam contratos de direito de participação e imagem. "Se vamos tomar por base apenas o aspecto da legislação vigente, a PRG não se encontra em situação regular. Mas há que se considerar a lacuna existente, pois a lei não abrange a todos os aspectos peculiares da relação laboral de esporte eletrônico", diz a executiva, ressaltando que o modelo atual de contratação "jamais deixou qualquer de nossos atletas legalmente desamparados".
O head de League of Legends da FURIA Uppercut, Erick Cardoso, considera que a equiparação jurídica entre eSports e esportes tradicionais é "pouco eficaz quando levados em consideração o quadro geral dos eSports no Brasil e a diferença de tratamento, tanto na esfera jurídica quanto na estrutura em torno das modalidades". Ele observa que nenhuma desenvolvedora obriga os clubes a assinarem contrato de trabalho. "A ideia de que há necessidade da existência das regras da CLT nos eSports é uma falácia do pensamento análogo ao futebol".
O proprietário da Team One, Alexandre Jorge Peres, disse que não fala sobre procedimentos internos. A Redemption não respondeu ao START.
Cadê o acordo pelo uso da CLT?
Em fevereiro de 2017, a Associação Brasileira de Clubes de Esports (ABCDE) anunciou um acordo com a Riot Games Brasil para que todas as organizações, dali em diante, contratassem via CLT, seguindo as diretrizes da Lei Pelé. Essa exigência, inclusive, passaria a constar no contrato assinado entre a desenvolvedora e as equipes participantes do CBLoL.
O atual presidente da ABCDE, Vitor Bexiga, alegou que não teria tempo para dar entrevista para explicar a situação desse acordo, se vingou ou não, e por que ainda há organizações que não adotam a legislação trabalhista em seus contratos.
Também procurada pelo START, a Riot Games Brasil não se pronunciou sobre o acordo de 2017 e disse que o regulamento do CBLoL e do Circuito Desafiante prevê que os cyber-atletas devem estar contratados pelas equipes para serem inscritos nos campeonatos, mas que não existe uma determinação quanto ao modelo de contratação. "Essa é uma decisão da equipe que é negociada com o jogador".
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