"Jogo Véio": a revista retrô que só quer saber dos games antigos
O lado retrô dos videogames se mantém firme e forte com colecionadores e entusiastas, mas e as revistas especializadas? Elas eram fonte de informação essencial nos anos 1990, foram perdendo espaço no mundo dos games, mas ainda resistem. Uma prova disso é a Jogo Véio, publicação independente brasileira idealizada por Eidy Tasaka, e que vai para seu quarto ano de vida com planos de expansão.
Em entrevista ao START, Tasaka fala sobre como é manter viva a tradição de revistas em um mundo movido a internet e comenta os novos projetos para 2020.
START: O que é a Revista Jogo Véio? Como nasceu o projeto?
Eidy Tasaka: A Jogo Véio é uma publicação independente focada em jogos antigos, em especial os das décadas de 1980 e 90. Começou como um pequeno blog mantido apenas por mim em 2016, depois virou uma revista digital e hoje abrange também publicações impressas, podcasts e vídeos. A ideia de produzir algo impresso surgiu da minha paixão pelas revistas clássicas. Desde muito novo, sempre preferi ler sobre os jogos a ter o controle na mão. Adorava ler os textos sobre os jogos que eu não tinha na coleção.
START: Como você vê a importância daquelas publicações do passado, como a Gamers e Ação Games, nos dias de hoje, quando a informação vem minuto a minuto?
Eidy Tasaka: O mercado de revistas de videogame aqui no Brasil foi muito forte entre meados da década de 1990 até o começo dos anos 2000, quando a internet acabou assumindo o papel de principal fonte de notícias. Assistir a uma E3 ao vivo, por exemplo, era algo inimaginável naquela época. Nós dependíamos totalmente da cobertura feita pelas revistas para estar por dentro dos lançamentos e dicas de jogos. Sempre que eu folheio uma edição das revistas que você mencionou, consigo sentir todo o esforço e o carinho depositados naquelas páginas. Com muito menos recursos que hoje em dia, mas com um produto genuíno e muito autêntico, feito com paixão.
Eu confesso que nunca tive um lado nessa história, justamente porque fui uma criança sortuda que teve NES, Master System, Mega Drive e Super Nintendo. Enquanto a galera se matava, eu pegava jogos emprestados de todas as plataformas
Eidy Tasaka, criador da revista Jogo Véio
START: Você se lembra qual foi a primeira revista de videogame que você viu na vida? E você já tinha idade para comprar uma dessas por conta própria? Curtia mais a Nintendo ou a Sega?
Eidy Tasaka: A primeira revista de videogame que eu tive foi a Ação Games Nº2, com Double Dragon na capa e um fundo que era uma imagem de TV superampliada. Essa edição é de 1991 e eu tinha apenas 4 anos na época. Toda essa fase de Ação Games, Supergame, Videogame e Game Power, quem comprava as revistas era o meu pai, que também gostava muito de jogar, principalmente os jogos de MSX.
Eu passei a assumir as despesas com revistas na época da Gamers e da Nintendo World, quando meu pai passou a ligar menos para jogos. Inclusive, devo a ele tanto a paixão por revistas, quanto por videogames, já que meu pai é um leitor inveterado e um super nerd das antigas. Sobre as minhas preferências, eu confesso que nunca tive um lado nessa história, justamente porque fui uma criança sortuda que teve NES, Master System, Mega Drive e Super Nintendo. Enquanto a galera se matava, eu pegava jogos emprestados de todas as plataformas.
START: Impressiona você o fato de as revistas oficiais de PlayStation e Xbox continuarem nas bancas, mensalmente? Você é leitor?
Eidy Tasaka: Muito me impressiona que outras revistas tenham desaparecido, na verdade. O Jogo Véio me ensinou que o jogador brasileiro é apaixonado e tem uma veia fortíssima para o colecionismo. Se você dá a ele opções de leitura especializada com um bom atendimento e que crie um senso de pertencimento, a aceitação é imediata. E eu me incluo nisso, já que ainda compro as revistas oficiais, religiosamente.
START: A nostalgia pode ser bastante rentável - e também custoso, já que conseguir jogos e consoles antigos nem sempre é barato. Você se vê inserido nessa comunidade retrô?
Eidy Tasaka: A comunidade retrô não abraça só aqueles que colecionam jogos e consoles, e que são capazes de pagar até R$ 50.000,00 em um único jogo. Mesmo quem joga em meios alternativos e sequer tem um console em casa também é parte fundamental do todo. Nos encontros especializados, por exemplo, as conversas vão desde esse universo do colecionismo até as jogatinas em fliperamas de botequim e na casa do primo no final de semana. Aliás, sugiro a todos que estiverem lendo esse papo a procurar pelos eventos de retrogames da sua cidade. E se não encontrar nenhum, que você crie o seu!
Assistir a uma E3 ao vivo, por exemplo, era algo inimaginável naquela época. Nós dependíamos totalmente da cobertura feita pelas revistas para estar por dentro dos lançamentos e dicas de jogos
START: Como a Jogo Véio se sustenta? Como funciona sua relação com colaboradores? Há muitas revistas independentes no formato digital, e em diversos idiomas, agora, entre as páginas digitalizadas e a coisa física, há um abismo de diferença, certo?
Eidy Tasaka: Desde 2017 o Jogo Véio é mantido através de financiamento coletivo em plataformas de crowdfunding. Em troca, nós entregamos as revistas e uma série de recompensas aos nossos apoiadores, que vão desde ter o nome impresso nas nossas revistas até receber uma publicação exclusiva, de tiragem superlimitada e que não é vendida em lugar nenhum. Também colhemos feedbacks constantemente da nossa comunidade para saber se estamos alinhados com os interesses do leitor, se os textos e a diagramação das revistas estão de acordo, coisas assim.
Todos os colaboradores do Jogo Véio possuem empregos regulares, mantendo o projeto em uma jornada dupla. Os textos, a diagramação, os podcasts e vídeos, tudo isso é fruto de trabalho noturno e aos finais-de-semana, quando temos folga dos nossos empregos. Todo o valor arrecadado com as vendas de revistas e com o crowdfunding é reinvestido no próprio projeto. Em algum momento nós pretendemos profissionalizar a estrutura e aumentar o número de publicações, mas ainda temos um longo caminho até lá. Sobre as diferenças entre o impresso e o digital, além do investimento maior para a impressão das revistas, ainda temos que lidar com o espaço de armazenamento e com questões de logística. Quando lançamos a primeira edição impressa foi super simples arrumar um espaço para dez caixas de revista empilhadas. Mas quando você chega na décima, fica mais difícil administrar tudo isso.
START: Há anos se fala sobre a extinção das revistas em formato físico - e não só revistas, mas também livros, quadrinhos e etc. Balela, certo? Como você enxerga isso?
Eidy Tasaka: O Jogo Véio se posiciona como uma revista de nicho, cujo conteúdo se destina a um número limitado de pessoas. Dentro do universo de jogadores de videogame do Brasil, a gente precisa focar em quem tem mais de trinta anos e que ainda nutre carinho pelas revistas do passado. É um número menor que o das revistas antigas, mas sustentável. Nós estamos passando por um período de transformação em que revistas gigantes deixam de existir para dar lugar a publicações menores, mas isso passa longe de ser extinção.
START: Foram quantas publicações até agora? Como você escolhe os temas e lida com questões de direitos autorais, por exemplo? Há outros obstáculos?
Eidy Tasaka: Foram nove edições digitais e onze impressas, em um espaço de três anos e com o número de revistas aumentando progressivamente. De tempos em tempos, a equipe se reúne e alinha o planejamento para um trimestre inteiro, distribuído entre os vídeos, podcasts e revistas. Levando sempre em conta as sugestões e pedidos dos leitores, além das efemérides e das vontades individuais de cada membro do time. Sobre os direitos autorais, nosso trabalho é estritamente jornalístico e nós não criamos guias específicos apenas de um jogo, justamente para não cair em nenhuma irregularidade. O maior obstáculo para a criação de novas revistas talvez seja arrumar tempo para produzir tudo aquilo que a gente quer. São muitos jogos marcantes, mas pouco espaço na agenda para sentar e colocar a mão na massa. Isso nos traz de volta à questão da profissionalização.
START: De todas as edições da Jogo Véio, qual é aquela que você lê e relê e sente aquele orgulho por ter feito?
Eidy Tasaka: A Revista Jogo Véio Especial Nº 1 é, de longe, a minha favorita. Ela tem capa dupla, sendo metade da revista dedicada a Mortal Kombat II e a outra, a Street Fighter II, naquele esquema de virar de cabeça para baixo. Foi um projeto muito gostoso de fazer e que serviu como uma homenagem às revistas antigas que criaram esse formato. Inclusive, a gente quer repetir a dose e fazer outras revistas dessa forma. Também gosto muito da Revista Jogo Véio Nº 3, com Chrono Trigger na capa. Nenhuma outra revista brasileira havia dedicado tanto espaço para esse jogo até então, e nós fizemos isso com muito carinho e entusiasmo. Todas as artworks são as originais do Super Nintendo, tratadas para ficar com a melhor qualidade possível. Foi um trabalho bastante difícil, mas que me dá bastante orgulho.
Sempre preferi ler sobre os jogos a ter o controle na mão. Adorava ler os textos sobre os jogos que eu não tinha na coleção
START: E quais são os projetos futuros? Sei das edições extras, focados em gêneros específicos, mas há mais coisa a caminho?
Eidy Tasaka: Sim, nós estamos expandindo o nosso rol de revistas em 2020. Nos próximos meses teremos a primeira edição da Revista Quest, que vai ser uma publicação dedicada apenas aos JRPGs. Por sinal, a primeira revista do Brasil dedicada apenas a esse gênero. Nesse primeiro semestre ainda nós também vamos publicar a Revista TV de Tubo, com conteúdo voltado para desenhos animados, programas de TV e filmes clássicos, que fizeram parte da infância de muita gente. Vai ser uma outra forma de pegar os mais nostálgicos pelo pé! Nós temos projetos para lançar livros temáticos, mas isso ainda está na prancheta, então a gente ainda não pode elaborar muito sobre, mas quem segue a gente nas redes sociais vai ficar sabendo em primeira mão.
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