Dez anos de Heavy Rain: Clássico injustiçado ou supervalorizado?
O ano de 2010 foi bastante movimentado para videogames, com lançamentos de Mass Effect 2, Red Dead Redemption, Alan Wake, Halo Reach e, no meio deles, Heavy Rain, uma franquia original, exclusiva de PlayStation 3 e que deu muito o que falar.
Com os dez anos da obra completados em fevereiro de 2020, aproveitamos para relembrar o que faz de Heavy Rain a obra mais lembrada (e também infame) do designer David Cage.
The Casting?
Heavy Rain foi apresentado ao mundo durante a E3 de 2006 e de forma nada convencional. O trailer, intitulado The Casting, simula um teste de elenco, algo bastante rotineiro em filmes.
O foco é todo na atriz francesa Aurélie Bancilhon. O texto é algo sem relação direta com o roteiro de Heavy Rain, mas flerta com temas existentes no jogo, como depressão, perda e rancor. A performance é traduzida de forma extremamente competente na modelagem 3D, nas expressões faciais, comportamento corporal e até mudanças no cenário. A forte chuva já é personagem cativa desde sempre.
Apresentar uma produção milionária como essa de forma nada convencional é também mérito para a Quantic Dream, cujo maior trunfo continua sendo a acessibilidade de suas obras. Elas vão de ações pequenas, como a interação com objetos do cenário, até tornar explícito que estamos lidando com um jogo em que diferentes respostas, acertos e erros, resultam em desfechos diferentes.
Aliás, falar da softhouse francesa é falar também de seu fundador e diretor, David Cage. Ele se considera um grande visionário ao entregar experiências sem precedentes em videogames, trazendo o mundano e o tabu para próximo do jogador, mas a verdade é que temos em suas obras amálgamas de diversas outras, mesmo que ele não assuma.
Filme, jogo e tudo o que há entre eles
Olhar para o cinema da época é entender a ascensão da "tortura pornográfica". Seu maior expoente é Jogos Mortais, e seu impacto foi grande, tal qual o cinema de David Fincher, tão influente para a cultura pop nos anos 1990 e 2000. Heavy Rain pega muito do explícito que há em Seven e do sutil que há em O Clube da Luta, duas das obras mais conhecidas do diretor.
Até Chris Carter e seu Fox Mulder, de Arquivo X, entram no pacote, invariavelmente. David Cage absorveu de tudo um pouco.
Heavy Rain é quase um filme interativo, quase um FMV da era de ouro dos anos 1990, mas com a tecnologia mais avançada de sua época e numa genuína tentativa de se fazer acessível, embalado num drama até certo ponto complexo. Tal proposta abrangente se tornou ainda mais vocal em outras obras da Quantic Dream - os posteriores Beyond: Two Souls e Detroit: Become Human.
Assim como a Telltale vinha fazendo em obras bem menos significativas, como Jurassic Park e Back to the Future (o auge mesmo aconteceu em 2012, com The Walking Dead), Heavy Rain não deixa de ser, também, um adventure simplificado.
Pegar o mundano de Shenmue, por exemplo, e levar para a rotina do arquiteto de sucesso, Ethan Mars, é nos colocar sob o controle no momento que um projeto é feito, que dentes são escovados ou suco de laranja é servido. Ambientes internos e externos são expressivos, de luxuosos a decrépitos, acompanhando o desenrolar de seus eventos. A chuva cai mais e mais pesada.
Criar tais condições, comuns numa mídia atrelada ao épico, é sempre digno de menção. Heavy Rain flerta com a ficção científica e quase transforma transtorno mentais em algo sobrenatural, mas a beirada do precipício foi seu limite. Ouviu-se até eco.
Dentro dessa rotina controlada, a cena do shopping, em que Ethan e sua família aproveitam um momento de descontração até que Jason, um dos filhos do casal, desaparece em meio a multidão, pode até soar jocosa por atrelar a um comando de ação, o chamado pelo filho.
No entanto, essa mesma cena não teria uma fração do impacto caso isso não fosse possível. É um tanto rudimentar, mas atribuir ao jogador o poder do chamado, serve de construção para a catastrófica sequência final da cena.
Assassino por natureza
Além de Ethan, Heavy Rain coloca sob controle do jogador, outros três personagens: a jornalista Madison Page, o agente do FBI Norma Jayden e o detetive particular Scott Shelby. Todas as tramas são afuniladas pelas ações de um assassino em série atuando na região.
David Cage está muito aquém de uma escritora como Agatha Christie, por exemplo, mas tornar a identidade do algoz da história no seu grande mistério é um acerto de Heavy Rain. O infame Origami Killer ataca crianças, valendo-se de torturas mentais e físicas que se estendem também aos familiares.
As tomadas de decisão ramificam para caminhos ora irreversíveis, ora superficiais, dignos de dúvida - será que, de fato, estamos mesmo alterando o rumo dos eventos? Todas as alternativas me trouxeram ao mesmo lugar? Abordagens mais aprofundadas revelam rachaduras no concreto, mas é como fazer uso do "envelheceu mal" — me parece desonesto, pois videogame, assim com outras obras de arte, são retrato de seu tempo.
Preso na gaiola
Pode ser problemático quando o criador diz mais alto que sua própria obra, que sua própria empresa, e é o caso com David Cage, uma figura controversa. Houve até denúncias de assédio e racismo contra ele e o estúdio recentemente.
Parece pré-requisito que funcionários da Quantic Dream tenham em seu chefe uma verdadeira entidade, digna de adoração. Cage nega tudo veementemente, mesmo depois de a Justiça apontar o contrário.
"Me julgue pelo meu trabalho", disse Cage ao jornal francês Le Monde, reforçando ter Ellen Page, ativista pelos direitos LGBT, ao seu lado em Beyond. Quanto ao futuro da Quantic Dreams, além dos recentes lançamentos para PC de títulos antes exclusivos de PlayStation, só mesmo o silêncio. A chuva forte continua?
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